Todos os dias, quando as luzes dos apartamentos se apagam, eu a vejo.
Ela sempre aparece, mas ela espera que tudo fique escuro pra aproveitar a luz da lua.
Ela senta e fica por horas falando sozinha, sem
dizer uma palavra. Mas eu consigo ouvir tudo.Acende um cigarro, olha pro céu e depois fecha os olhos erguendo a cabeça e encostando na parede.
As vezes eu ouço ela falar através do choro, um choro quieto, calmo, quase como um suspiro.
Ela respira o ar da brisa fria e expira as angústias do dia. É como se ela lavasse a alma na varanda e água escorresse pelo rosto, sem alardes, sem barulho, ela não quer acordar os vizinhos.
Sinto o cheiro do vinho, de uma taça solitária sentada no chão a fazendo companhia.
Ouço o barulho que as memórias dela fazem, brigando com o presente e rejeitando o futuro. Sua vida tem se resumido a tantos "quases". Onde você está? Ela pergunta, sem ao menos saber quem ela procura.
Ela quer morar na varanda porque lá ela não precisa ser nada, ela pode ser diferente do que um dia foi. Lá ela não tem ninguém, lá ela não quer ninguém a não ser a presença de si mesma, sentindo, chorando e vivendo o papel sem fingimentos.
Alguém acende a luz da minha sala, levanto, abro a porta da varanda para entrar, quando olho pra trás, a moça da janela está fazendo o mesmo, ela olha pra mim e sorri, no reflexo, vejo que o sorriso dela, é o meu.
