"Era Outono, lembro-me bem. Tínhamos saído da carrinha cinza dos teus pais, onde cantámos em família 'Bohemian Rhapsody' dos Queen. O teu pai ia ao volante enquanto imaginava à sua volta a bateria. A música estava alta, eu senti-me infinita. Eu senti que o céu estava a brilhar para nós e que a tua alma estava limpa de todo o mal que te fizeram. Eras envergonhada e corada, mas quando a música começou, eu sentia as tuas pernas balançarem de tão contente que estavas. Apertas-te a minha mão com força, o teu sorriso apareceu no fim de tanto tempo. Parecia que tinham todos treinado a canção, quando tu cantavas o refrão em altos berros, provavelmente foi a segunda vez que te vi gritar. A primeira foi quando o teu pé não caiu bem da cadeira e a corda não teve efeito. Partiste o pé, andei contigo ao colo semanas e semanas.
Resolves-te a caminho de casa que te apetecia rebolar na relva verde, bem perto da nossa escola que tanto te fazia querer tirar a tua própria vida.
Levavas sempre o teu cabelo solto, tê-lo preso era coisa de toda a gente, menos tua. Tinhas a tua mala às costas onde fazias desenhos nas aulas aborrecidas.
Naquele momento os teus olhos pareciam menos tristes e o teu sorriso cativou-me enquanto me deixavas mexer nos teus cabelos escuros e na tua franja. Tu deitaste-te, abris-te os braços como quem tinha finalmente concretizado algo que queria à algum tempo. Só eu sei o quanto tu fazes o meu coração explodir de felicidade quando eu te consigo dar algo que te faça bem, quando eu sinto que, em algum momento, eu sou suficiente para ti.
Deitavas-te de várias maneiras, parecias uma autêntica criança, mas parecias uma criança feliz sem qualquer tipo de problemas, sem todos os teus complexos, sem os teus ataques suicidas, sem as cicatrizes dos teus braços. Elas pareciam ter curado naquele momento. O tempo parou. Tu não estavas mais magoada, não escondias mais o sorriso, não tapavas a barriga nem pensavas no quão bom é descarregar toda a raiva que tens do mundo, em ti.
Estavas comigo a rebolar na relva com toda a gente a olhar para nós, sem nos importarmos, mas como tudo na tua vida, tu fartaste-te demasiado rápido e saíste dali, sentaste-te no banco torto por baixo de uma árvore na sombra, onde me disseste que voltas-te a pensar em coisas más, tu dizias "os monstros voltaram" e eu sabia que eles nunca tinham ido embora, eu e tu já nos tínhamos acostumado a que eles vivessem na tua cabeça mesmo quando eu os tentava expulsar.
O meu mundo tinha-me caído, mais uma vez. Mas tu nunca deixas-te de ser a rapariga que deixava qualquer rapaz encantado, as tuas sardas e os teus olhos verdes não enganavam ninguém. Eras tu, és tu e nunca poderá ser o lugar de mais ninguém. Eras linda, naturalmente linda, tinhas tudo na quantia certa, eras a rapariga dos meus sonhos. E continuas a ser, literalmente só nos meus sonhos. Tenho saudades tuas.
Beijinho, a tua Pipes."
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"Ser uma pessoa foi a coisa mais difícil que já fiz em toda a minha existência."
RomanceAo contrário dos romances escritos, este destaca não os problemas típicos da idade em que Rachel se encontra, mas também a dificuldade em ser jovem quando alguém não se encaixa no padrão. Aborda um assunto extremamente relevante que é colocado em e...