"Ser uma pessoa foi a coisa mais difícil que já fiz em toda a minha existência."

Capítulo V

Houve um dia em que a Rachel convocou toda a família, mostrou o pulso e com um sorriso nos lábios disse "fiz uma tatuagem". As reacções não foram as melhores. Lembro-me que ela continuou o discurso "Eu fiz um Saturno porque é um planeta no espaço e o espaço é um dos meus maiores medos. Sempre fiquei aterrorizada com a ideia de ficar sem ar nos meus ataques de pânico ou sem rumo na vida porque não há para onde ir, tal como no espaço; e eu tenho também esta imensa falta de confiança e toda aquela ansiedade dentro de mim que é quando as pessoas e o mundo se preocupam comigo e o espaço não dura para sempre, apenas vai-se alargando, tal como a minha depressão. Por isso basicamente Saturno é o símbolo dos meus medos e da minha infelicidade." 

Eu fiquei inquieta quando, no fim das palavras, me pus a pensar na sorte que tive em conhecê-la, em ter ido tirar café naquela manhã que vi o sorriso dela pela primeira vez. 

Eu fiz as coisas mais loucas, fiz as coisas mais parvas, as mais idiotas, dei-lhe o que precisava, tentei todos os dias dizer-lhe o quanto era linda para mim, tive atenção a toda a sua medicação, à alimentação, ao peso, à saúde, cuidei mais dela do que de mim, roubou-me completamente o coração e eu dei-lho com a maior vontade do mundo, levei-a aos sítios preferidos quando a cabeça dela começava a ficar confusa, fiz-lhe as surpresas que nunca achou que eu faria, apresentei-lhe a minha família e fiz da Rachel uma filha para os meus pais, dei-lhe todo o carinho possível e imaginário, fiz dela o amor da minha vida, o maior amor do mundo. Não estava nos meus planos a Rachel escapar-me na brisa de vento do dia seguinte.