A primeira coisa que me dei conta foi o choque repentino da realidade se formando ao meu redor. Tava trancafiado numa sala minúscula com uma mesa, quem sabe inox, de frente a mim e um espelho do lado. Era um lugar frio e parado no tempo, tendo só a voz de uma galera conversando em algum lugar longe daqui; mexendo em teclados, andando, coisas do tipo. Minha cabeça doeu, mas quando eu fui erguer minhas mãos pra cobrir os olhos elas simplesmente congelaram no ar; estavam presas, acorrentadas com algemas num suporte da mesa. Na hora eu não entendi nada, fiquei boiando legal, então comecei a tentar me localizar: fui olhando todo aquele canto, bem na calma e com a visão embaçada pela enxaqueca, até que foquei numa marca na parede que me encarava de volta: era a logo de algum dp de polícia; não-sei-qual batalhão — e foi nessa hora, quando um calafrio seco arranhou todo os meus espinhaço, que eu me lembrei... eu me lembrei d-daquilo, do que eu... o que fiz: eu lembro do corpo dela; daquilo escorrendo pra fora da sua cabeça; d'eu completamente assustado, tremendo, ligando pra polícia e dizendo: "matei ela, matei" e esperando com o corpo todo ensanguentado. Eles vieram rápido; me prenderam e me enfiaram no fundo de um camburão. A última coisa que eu vi foi aquele mundaréu de gente, todos uniformizados, andando pelo meu prédio, na fachado, por dentro, e toda a vizinhança olhando pr'aquilo meio que sem entender nada, vez ou outra se voltando pra mim como que diz: "o que você fez, garoto?" Dói, dói pra caralho. E como é que vai ser a minha vida daqui pra frente? Tipo, o que eu faço agora? E-eu vou ser preso? E a minha família; o que eles vão pensar? Isso se eles já não sabem... não consigo nem imaginar como é que a minha mãe ficaria quando ouvisse da boca de um pm: "teu filho matou uma pessoa; tá preso e vai apodrecer atrás das grades. Tenha um bom dia." É o tipo de coisa que pai nenhum merece ficar sabendo, mas, olha, eu fiz isso, né?! Trouxe o maior desgosto do mundo pra minha família, não trouxe?! Não trouxe! Merda! Merda... será que eu... sou um assassino? Pif, que idiotice; é claro que eu sou, porra! Eu (eu!) matei ela, mais ninguém. Sou um lixo humano, um verme — que tipo de cara mata mulher? Quem é que... eu, eu mereço isso e tudo o que vai rolar comigo a partir de hoje. Eu matei ela. Matei. E algo meu morreu junto.
— Você sabe o porquê de estar aqui? — Uma voz grossa me tirou das minhas nóias.
O homem devia tá entrando na meia ideia; pensei isso pelos seus cabelos já pra lá de grisalhos, o rosto cheio de linhas de expressão e um bigode grosso que só pessoas acima dos cinquenta conseguem ter sem parecerem ridículos. Seu olhar era profundo, com uma enorme olheira na sua cara, além de vestir uma roupa social toda abarrotada, com pizzas sendo claramente visíveis e uma ou outra mancha de suor no peito. Fora isso, e eu demorei pra notar, ele havia jogado uma penca de papéis na mesa, todos cheios de gráficos, textos, fotos; tudo. A real é que aquele cara me parecia extremamente cansado, como se as últimas horas do seu dia se resumissem à perambular por aí e resolver uma porrada de problemas — talvez por minha causa; não sei.
— Você me ouviu? — Ele disse.
Eu travei: — O quê?
— Hum... — O cara se inclinou na mesa, apoiando as mãos sobre os documentos, e me encarou no fundo da alma — Eu disse: sabe porquê tu tá aqui, moleque?
— Ah... sei.
— Então poderia me esclarecer?
— Eu... — Minha garganta arranhou quando eu tentei falar. Engoli em seco — Eu matei a minha namorada.
Ele me olhou com uma tremenda curiosidade: — Namorada, é?
— Sim, eu acho...
Seus dedos começaram a tamborilar na mesa. Parou um tempo alí me encarando num silêncio extremamente constrangedor. Finalmente suspirou: — Então me fala, garoto, como que exatamente você conheceu a sua "namorada"?
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ALUGA-SE UMA NAMORADA
Historia CortaUm rapaz, durante uma bebedeira com um amigo, fica sabendo sobre um serviço de "alugar namoradas". Inicialmente ele acha uma baboseira, mas a ideia de curtir um tempinho com alguém pela bagatela de sessenta pila (isso na promoção) é tentador demais...