Capítulo único

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No começo, Fushiguro desejou cometer um crime de ódio, mas isso foi amplamente repudiado por seu subconsciente. Já que; a) seu lado meramente humano — ainda intacto e são, ou o que restou dele —, lhe dizia que era errado, por mais que justificável, meter uma barra de ferro repetidas vezes na cabeça de quem o questionasse se na loja de calçados que trabalhava, vendia calçados, e porque b) ele não tinha ensino superior. Então, a prisão que ficaria não seria uma das mais confortáveis. Isso o motivava dia após dia. Querendo ou não, eram considerações sensatas. Ao menos era a única coisa sensata em seu dia, que tinha coragem de pronunciar em voz alta — depois, vinha a franquia de Devil May Cry.

De qualquer forma, Megumi, embora ficasse irritado a maior parte do tempo, se perguntava como o Homo Sapiens Sapiens foi capaz de inventar algo como nanotecnologia, mas não foi apto a desenvolver a capacidade de evitar perguntas idiotas.

Seu ódio era tão imenso e evidente, que podia ser facilmente confundido com preguiça. Já que, afinal, passava preocupantes horas ao acordar, sentado no vaso sanitário se indagando sobre sua Existência Medíocre, Sobre a Vida de Proletariado e Onde Ela o Levaria, e se Valia a Pena Mesmo Contribuir Com o Sistema Capitalista Opressor e Tudo Mais. Então, é razoavelmente óbvio que toda a sua profunda reflexão odiosa seria confundida pelas más bocas com falta-de-coragem. Coisa que não afastou, nem um pouco, sua determinação naquela manhã de levantar a bunda daquele vaso sanitário e pedir para sair do emprego.

Seus olhos estavam obstinados; fulgorosos. O sentimento que crescia em seu peito, era avassalador, quase libertino e indecentemente prazeroso. Aquele foi um dos raros momentos em todos os seus dezoito verões em que Fushiguro sentiu-se vivo. Vivendo a margem do perigo com todo o anarquismo inundando as suas veredas como um tsunami louco e imparável.

Entretanto, como todo o restante de sua vida composta por casos e acasos irônicos, aquele dia em que a coragem lhe veio ao sangue, — assim como as cinco doses de tequila do café da manhã, que não foi precisamente um café da manhã, mas sim, uma das façanhas de Nobara Kugisaki — não seria diferente.

No mesmo instante em que cometera a audácia de chegar Dois Fuckings Minutos atrasado no seu local de trabalho, o seu chefe que parecia mais uma matéria indescritível, amorfa, assimétrica e repugnante lhe sorriu. Os lábios atingiam ângulos desfigurados, medonhos e, nem de longe, agradáveis. Se Megumi pudesse imaginar um Vogon, o Seu chefe seria sua imagem e semelhança. Tão quanto o achava capaz de destruir algo, a fim de facilitar a construção de mais uma loja de calçados. Referências à parte, O Sr. Vogon-Chefe, não estava sorrindo por felicidade em ver Fushiguro Megumi, nem mesmo estaria tentando frear sua ira, diante da audácia de seu funcionário chegar surpreendentes Dois Fuckings Minutos atrasado.

Fushiguro teria percebido, caso sua obstinação não fosse, em tese e numa realidade mais nua e crua, Tequila e Nobara Kugisaki batidos num mesmo copo com gelo.

— Bom dia — disse o Sr. Vogon-Chefe.

“Bom dia” Fushiguro achou ter dito, mas sua boca só abriu. As cordas vocais nem se ocuparam em vibrar, porque… Bem… Fushiguro já funcionava com sutileza – ou melhor dizendo, numa frequência devagar demais em relação ao restante do mundo – quando estava sóbrio. Bêbado, Fushiguro parecia estar se comunicando em baleiês. Até notar que, na verdade e vergonhosamente, estava apontando para o Sr. Vogon-Chefe e grunhindo sons incompreensíveis, demorou cerca de cinco segundos. E um pouco mais para lhe cair a ficha de que havia, além de sua Existência Medíocre e de sua Presença de Proletariado, um rapaz à sua retaguarda.

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⏰ Última atualização: Jan 28 ⏰

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