Prólogo - O dragão de escamas brancas

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Durante dia como qualquer outro, o sol brilhava incessante no céu levemente nublado. Em meio a grande colina onde no topo residia as ruínas de um castelo, estavam reunidos vários dragões, bestas aladas de poder avassalador. Alguns dragões voavam pelos céus circundando as ruínas enquanto os demais se agrupavam em frente à entrada daquele castelo ao qual permanecia de portas fechadas pois em seu interior estavam os atuais líderes daquele bando de seres grandiosos. Eram dois seres de aparência humanoide com características bem marcantes como algumas escamas, chifres e até mesmo enormes asas de couro. Seus cabelos possuíam um tom vermelho intenso que faziam um contraste agradável com seus lindos olhos verdes esmeralda, a maior das duas figuras era um ser masculino de corpo robusto e um olhar penetrante. Ele estava parado atrás do outro humanoide que era uma mulher muito bela e de corpo esbelto, porém ainda voluptuoso, ela olhava para um altar a sua frente de forma ansiosa. 

–Não seja tão impaciente Melb – Dizia o homem de braços cruzados atrás da mulher enquanto mantinha um semblante sério – Não é como se fosse a primeira vez que passa por isso.

–Mas Troian eles estão demorando demais para eclodir, os nossos convidados estão esperando que a gente mostre os novos membros de nosso grupo – A mulher chamada Melb ditava para aquele atrás de si sem o olhar pois sua atenção permanecia naquilo a sua frente, um altar com dois ovos com escamas vermelhas – As expectativas sobre essa ninhada estão a mil! Afinal é a primeira vez em séculos que algum de nossa espécie dá à luz a dois ovos de uma vez.

-Sim, estou ciente das circunstâncias, porém não deve se deixar levar por um sentimento tão frívolo como a ansiedade. De fato, gerar dois ovos é um acontecimento extremamente raro, porém muitas das vezes que isso aconteceu apenas um dos ovos eclodiu, não tem por que ficar esperançosa que nossa situação será diferente – Com este balde de água fria, Troian fazia com que a mulher o olhasse com uma grande agressividade, porém ele dava de ombros.

Ambos aguardavam mais alguns brevemente instante, repentinamente o som de estalo foi ouvido, um pedaço de escama caia ao chão, o primeiro dos ovos estava se rachando, o pequeno em seu interior fazia muita força para romper aquela camada dura que o englobava e protegia, a casca se rompia mais a cada minuto e logo uma pequena para escamosa saiu do ovo. Era um vermelho bem escuro com pequenas garras negras, a visão daquela pequena criatura fazia os dois dragões presentes esboçarem um sorriso de satisfação enquanto assistiam o pequeno dragão romper sua antiga casa e finalmente se revelar por completo fazendo grunhidos baixos e estando realmente exausto pelo esforço que havia feito.

–Hahaha finalmente resolveu dar as caras hein! Mas que belo Dragão nós criamos não é Melb! – De forma súbita o homem segura o filhote com uma única mão o que acabava por assustar a pequena criatura a qual atinge o rosto de Troian com a cauda causando um arranhão superficial

-Olha só que força surpreende para um filhote! Com certeza nossos convidados irão vibrar com isso. – O homem frenético continuava a se vangloriar do pequeno dragão enquanto sua esposa Melb ia até o segundo ovo ao qual sequer demonstrava sinal de eclosão, ela segurava a pequena esfera oval com decepção em seu olhar

-Então... como todas as outras vezes que algum dos nossos teve uma ninhada dupla, apenas um dos ovos estava fecundado... Desperdício de expectativa... – Ela largava a esfera como se fosse um pedaço de lixo no chão enquanto andava até seu marido.

O objeto esférico foi ao chão, ao atingi-lo se quebrou assim sendo possível ouvir um grunhido de dor ecoar, nisso ambos os adultos ali voltam seu olhar para o objeto no chão que se movia um pouco. Do ovo, fazendo muito esforço para sair pela parte rachada, saia um pequeno ser de escamas brancas e tão minúsculo que sequer parecia um filhote de dragão o que fazia seus pais o olharem com desdém já nos seus primeiros momentos de liberdade.

–O que é isso? Um dragão branco em nossa linhagem rubra? Que anormal... – Troian dizia com um olhar de desprezo para sua prole enquanto se aproximava do pequeno dragão e logo o segurava quase esmagando-o apenas com a força de simplesmente fechar parcialmente a mão no corpo do filhote

-Huh? Não é possível... Já não bastava ser uma abominação e ainda por cima o poder dessa coisa é quase nulo? Isso sequer pode ser chamado de dragão! é só um inseto – A revolta de Troian era clara tanto por seu olhar quanto pelo seu tom de voz, para ele a mera existência daquele filhote não passava de um erro.

–Que coisa... Ridícula... Eu dei à luz a isso? Não... Tem que ser algum erro... Sou da classe nobre draconica! Não tem como esse ser ter sido gerado por mim! – Melb gritava em negação olhando para o pobre filhote que grunhia de dor pela pressão que os dedos do pai fazia contra seus pequenos e frágeis ossos

-Não podemos deixar nossos convidados verem essa coisa... Na verdade só deles descobrirem que isso existe vai fazer nossa reputação ir por água abaixo! Troian se livre disso! Jogue fora ou o que quer que seja! Temos que apagar os sinais de que demos vida a uma abominação dessas! – A mulher nem precisou falar mais uma vez, pois sem hesitação, Troian que estava segurando o pequeno albino numa das mãos, ergueu sua mão disponível que era envolta por uma energia azul com pequenas fagulhas brilhantes que se projetavam para frente e formavam um vórtex nisso abrindo uma fenda no espaço que conectava aquele cômodo a um outro lugar

–Devido as regras Taboo de nossa raça eu não posso te matar com minhas próprias mãos, então vou deixar que aqueles insetos façam isso... – Aquelas foram as últimas palavras que o homem ruivo proferiu para o pequeno dragão antes de o jogar dentro da fenda e a fechar em seguida, assim renegando completamente aquele pobre ser. Após se livrar do obstáculo, Troian e Melb pegaram seu “único filho” e foram em direção a saída do cômodo que estavam para apresentar sua prole aos convidados.

Descartado por seus pais e jogado como lixo num portal para um lugar desconhecido e sem sequer sabem como sobreviver, o pequeno dragão albino agora despencava em direção ao chão onde no trajeto acabou por se chocar contra alguns galhos de árvores em seu caminho, nisso devido ao choque sofria alguns hematomas e machucados ficando com suas escamas fraturadas e escorrendo um pouco de sangue entre elas. O pequeno grunhia de dor a cada movimento que executava o que o fazia ficar cada vez mais temeroso por sua própria segurança, em sua mente nada passava, afinal havia eclodido a pouco tempo e até mesmo andar era exaustivo naquele ponto, porém  algo sussurrava para ele, uma voz em sua cabeça continuava a ecoar o dizendo para mover-se dali, para se esconder o mais rápido possível onde sem entender o motivo, o filhote seguiu as instruções se esgueirando com bastante dificuldade para perto das árvores onde se enfiou entre alguns arbustos e começo a mastigar as folhas deles.

Algumas horas haviam se passado desde então com o pequeno escondido nos arbustos quando sons de passos começaram a ser ouvidos por ele, eram leves e a cada segundo pareciam mais próximos. Logo o dono de tais ruídos pode ser visto pelo dragão, era um lobo cinzento, ele era enorme em comparação com o filhote de dragão e possuía presas e garras de metal tal como laminas saltando de suas costas, aquilo era sem dúvidas um predador feito para matar o que quer que estivesse caçando e seu atual alvo era o dono do doce cheiro metálico que estava naquelas redondezas, ou seja, o jovem dragão machucado, o predador iria farejando o odor do sangue seco do pequeno quase chegando até a sua presa.

O lobo se aproximava a cada segundo e o tempo do pequeno dragão estava acabando enquanto em sua mente duas forças lutavam entre si para decidir a próxima ação do dragão, a primeira delas eram os instintos primitivos dele que priorizavam a sobrevivência assim o fazendo querer fugir enquanto a segunda, sua linhagem se manifestava em forma de várias vozes em sua cabeça que não aceitavam a ideia de se acovardar diante de um ser considerado inferior e por isso repetiam incessantemente a frase.

“você é um dragão, mate seu inimigo “. 

As duas forças eram implacáveis e criavam um grande conflito interno no pequeno dragão, porém a disputa logo é vencida, as vozes conseguiram influenciar o corpo do jovem albino que de forma involuntária salta para fora do arbusto caindo em cima das costas de seu caçador, o lobo, nisso cravando suas presas e garras no couro do inimigo o fazendo gritar e se debater devido a dor o que acaba por jogar o dragão para longe com um pedaço da carne do canino. Com um rosnado feroz o lobo encara o jovem dragão rodeando ele e logo pulando no pequeno para mordê-lo, porém a diferença de tamanho proporciona ao dragão uma pequena vantagem o permitindo esquivar por pouco das presas afiadas de seu oponente enquanto simultaneamente acerta o rosto dele com a cauda causando mais um ferimento.

O sangue do lobo escorria por suas costas e rosto enquanto ele demonstrava mais agressividade em seu rosnado com os dentes a mostra encarando o pequeno dragão, ele avança mais uma vez contra o dragão tendo êxito em abocanha-lo danificando as escamas e perfurando a pele do pequeno, nisso o lobo balança a cabeça ferozmente e joga o dragão contra uma árvore o fazendo bater nela e ficar levemente atordoado ao ponto de novamente ser incapaz de reagir a investida do lobo que morde a perna direita do coitado, machucando gravemente ela antes de ser arranhado num dos olhos que acaba ficando incapacitado e sangrando. Ambos estavam sangrando e ficando mais cansados a cada instante, o pequeno dragão mostrava as presas em desafio ao seu inimigo enquanto dava um passo para frente com certa dificuldade, em resposta a isso o lobo avança novamente já abrindo bem a boca para morder o pequeno dragão, porém, nesse instante o albino infla seus pulmões e dispara um sobro de fogo diretamente no interior do canino que sofre graves queimaduras dentro da boca assim o fazendo grunhir pelo dano causado e abrindo uma abertura para o jovem dragão que pula na garganta do lobo cravando suas presas e arrancando um pedaço assim sentenciando o lobo a morte.

Com o fim do embate o dragão demonstra alívio momentâneo antes de desmaiar pela perda de sangue, nisso a figura de um homem usando um manto esverdeado com capuz e uma máscara estranha se aproxima do pequeno dragão se agachando ao lado dele e tocando o seu corpo. 
–Pequeno ser fadado ao esquecimento, alegre-se! Tua determinação foi apreciada! Tua alma será testada e se tiveres sucesso, serás aquele que trará uma nova era a esse mundo – Dizia a figura com uma voz distorcida a qual parecia ser várias pessoas falando simultaneamente, enquanto isso o corpo do dragão era curado até ficar totalmente recuperado e então o cenário ao redor muda sutilmente, após isso a figura se levanta e caminha para longe sumindo em meio as árvores.

Horas haviam se passado desde o confronto com o lobo e o pequeno dragão desperta meio zonzo e com dificuldade para ficar totalmente de pé, notou que seu corpo estava curado e isso o deixou confuso porém algo além o chamou a atenção, já não estava no local de sua luta e o corpo do lobo havia desaparecido, não conseguia entender o que havia acontecido e nem sequer poderia o fazer afinal era apenas um dragão recém chocado e aquelas vozes que antes falavam com ele haviam se calado. O dragão começa a andar pela mata sem rumo e nem objeto, estava puramente seguindo seus instintos enquanto se locomovia por entre as árvores e arbustos até que começava a ouvir barulhos ao longe, algo que o atraiu e nisso ele se dirigiu ao som que chegava aos seus ouvidos ficando cada vez mais alto e claro, eram vozes, muitas delas. O pequeno lagarto continuou a se aproximar até ver o fim da floresta, a saída daquele lugar onde foi jogado por seus pais e onde quase enfrentou seu fim, ao sair do meio das árvores teve sua visão ofuscada pelo brilho do sol momentaneamente, porém logo seus olhos se ajustaram o permitindo ver aquilo que estava a sua frente, uma pequena vila quase destruída, porém ainda assim com muitas pessoas sejam humanos ou não. 

O pequeno dragão tomado pela curiosidade vai até a vila sem cautela se aproximando da entrada onde estavam dois homens vestindo armaduras de couro surradas e segurando espadas bem desgastadas, ao verem o pequeno ser se aproximando os homens esboçam uma expressão de pavor e soltam um grito muito alto.

– DRAGÃO!!! – O grito era simultâneo e alertava os moradores dali e logo os dois guerreiros apontavam suas lâminas para a pequena criatura, nisso mais três guerreiros chegam juntos de um arqueiro que prepara uma flecha que tem como alvo o dragão. A comoção assusta o jovem dragão que se posiciona em defesa olhando aqueles à sua frente se prepararem para o matar.

– É a porra de um filhote! A gente consegue matar esse desgraçado! – Ditava o guerreiro mais a frente com um olhar de puro ódio para o pequeno ser escamado, logo ele avançou balançando a espada num corte rápido em direção ao filhote que recua evitando o ataque, porém logo era alvejado pela flecha do arqueiro tendo sua cauda atingida de raspão a fazendo sangrar.

-Agora! Todos de uma vez! – O guerreiro executa um grito para os outros que em um movimento bem mal sincronizado avançam contra o pequeno dragão no qual consegue evitar os ataques passando por entre as pernas deles e correndo para dentro da vila enquanto o arqueiro disparava flechas em sua direção. 

Rapidamente ele corre para um beco onde se esgueirou para dentro de uma das ruínas podendo ouvir aqueles que o atacaram correndo em sua procura, o pequeno dragão se esconde em meio a algumas caixas e sacos de linho, logo um dos perseguidores humanos entra naquela ruína segurando uma espada e começa a olhar pela área derrubando algumas caixas e revirando os sacos, porém não acha o dragão saindo dali em seguida para procurar outros possíveis esconderijos. O pequeno dragão agora sentia-se aliviado por conseguir escapar com vida daqueles humanos, mas sentia que ficar naquela vila seria arriscado assim se preparando para sair, porém, novamente aquelas vozes que o fizeram lutar contra o lobo retornaram exclamando em sua mente de forma contínua.

“Criança alada, sua vida será ceifada!”

Em resposta a essas exclamações o pequeno dragão se manteve no esconderijo alerta ao seus arredores e tremendo um pouco por nervosismo até que eventualmente seus olhos ficaram mais pesados e seu corpo foi relaxando até que ele caiu no sono.

Uma paisagem de pura escuridão circundava aquele pequeno ser que parecia se afundar mais e mais naquilo até que um grande estrondo o despertou de supetão o deixando em alerta no mesmo estante, nisso ao olhar para a direção de onde vinha o som seu corpo paralisou, seus ossos começaram a tremer e sua respiração acelerou. A sua frente estavam aqueles que o haviam abandonado, seus pais que olhavam o pequeno dragão com desprezo enquanto seguravam a cabeça de um dos humanos que estava perseguindo o jovem alado, nisso o pai do dragão jogou em direção ao infante aquele membro decepado e num tom ameaçador.

– sinceramente, eu achava que você era uma abominação fraca, mas temer e se esconder de humanos tão insignificantes como esses? Você me decepciona mais do que tudo... – Troian se aproximava do pequeno dragão devagar e então o agarrava com muita força esmagando parcialmente o tórax do jovem alado que começava a vomitar muito sangue enquanto grunhia de dor, nisso com um olhar de pura aversão o homem joga o filhote
-Morra peste inútil, você sequer deveria existir mesmo... – O filhote iria voando pela força da jogada de seu pai para longe e logo era abocanhado por aquele lobo que enfrentou mais cedo e morria no processo. 

O pequeno abre seus olhos assustado com a respiração ofegante e o corpo inteiro tremendo, aquilo fora um pesadelo criado pelo estresse que havia passado naquele dia, seu coração batia extremamente rápido como se fosse estourar a qualquer minuto e sua garganta estava seca como se nunca tivesse bebido água em toda sua vida, ele não sabia como lidar com aquilo e seu corpo não reagia de maneira alguma apenas tremia e apresentava algumas falhas por mais algum tempo, logo, o jovem se acalma e percebe que algo está diferente em si, suas patas haviam se tornado mãos e seu corpo cresceu, o que antes era um pequeno dragão de escamas brancas agora era um garoto pequeno com cabelos ondulados de cor prateada e olhos vermelhos como sangue. Estava sem roupa alguma, porém isso era o menor detalhe, seu corpo sofreu uma metamorfose enquanto dormia e assumiu uma forma humanoide sem chifres ou qualquer outra característica draconica. Chocado com as mudanças em seu corpo o garoto tocou o próprio rosto e cabelos totalmente confuso e até mesmo desesperado, mas logo foi tomado por outro sentimento, uma forte dor em seu estômago que parecia ser puxado para dentro enquanto fazia um alto som, uma fome quase enlouquecedora havia chegado ao pequeno que colocou aos mãos sobre o abdômen gemendo um pouco baixo de dor. Ele se levantou devagar e em passos meio cambaleantes foi para fora daquela ruína tendo certa cautela para caso encontrasse um daqueles guerreiros de antes, por sorte ao sair não viu nenhum por perto e então começou a se afastar da estrutura andando pelas ruas onde havia algumas outras pessoas e até mesmo algumas barraquinhas de alimentos que pareciam estar meio estragados, porém era a única coisa que tinha ali para comer assim o pequeno foi até uma das barracas onde havia alguns pedaços de carne seca onde sem hesitação estendeu a mão até elas para pega-las antes de ser interceptado por uma mão que segura o pulso do jovem garoto.

–Que merda pensa que está fazendo hein moleque? Tá achando que pode sair roubando minha mercadoria assim seu bostinha? – Um grande homem com um par de chifres e um nariz bovino encarava o pequeno garoto enquanto fazia uma expressão de raiva para com o garoto apertando o braço do jovem que estava quase quebrando pela força do adulto

-Responde seu pirralho fedorento! Nem sequer tem dinheiro pra comprar roupas e acha que pode vir aqui me roubar? To perdendo a moral mesmo!

O homem irritado levanta o outro punho e acerta um golpe no rosto do garoto o lançando longe e quebrando alguns dentes dele, após isso o bestial volta a se aproximar do menino e o seguro pelo pescoço acertando mais alguns golpes no rosto dele antes de o jogar num beco e cuspir nele – Da próxima vez vou fazer questão de te matar seu merdinha!

O pequeno garoto havia desmaiado após os golpes e ficou ali caído no beco com o rosto e boca sangrando o que começou a atrair alguns ratos e baratas, nisso o jovem recobra a consciência abrindo os olhos e vendo um grande roedor a sua frente, logo, agarrou o rato com uma das mãos bem rápido enquanto se erguia com dificuldade, seu olhar estava vazio e agia apenas por instinto, um forte instinto de sobrevivência que buscava combater aquela fome enlouquecedora que assolava o menino. A boca do garotinho se abria devagar com dentes quebrados e muito sangue escorrendo, logo o corpo do rato era mordido tendo sua pele e músculos rasgados onde um pedaço de si era arrancado e mastigado pelo pequeno que engolia aquela carne crua e suja sem hesitação. O garoto usava aquele pequeno animal de suprimento para tentar diminuir aquela fome que sentia o que não foi muito efetivo, porém ajudou ele a recobrar os sentidos, assim ao olhar o rato morto em suas mão sentiu o estômago revirar e imediatamente colocou o que engoliu para fora enquanto sentia fortes náuseas e sua fome se esvazia pela lembrança de ter consumido aquilo, o pequeno se levanta com dificuldade e começa a caminhar para longe dali cambaleando com o som de passos minúsculos ao redor, eram outros ratos que ao ver o menino corriam para longe, logo, o garoto sai do beco estando numa rua levemente movimentada onde algumas pessoas passavam o olhando torto por estar sem roupas, mas o garoto não entendia o porquê de seus olhares e continuava a caminhar sem rumo por aquela cidade inóspita e quase devastada.

A noite começava a cair e as pessoas nas ruas iam retornando as suas casas com as ruas ficando casa vez mais desertas com exceção de alguns guardas que faziam rondas e ainda pareciam buscar o filhote de dragão que havia aparecido no dia anterior, enquanto isso o menino dragão revirava o lixo de alguns becos procurando o que comer, até que ouviu pessoas atrás de si assim se virando em direção ao som onde via um guarda o olhando com desprezo por um tempo e depois seguindo seu caminho, o garoto volta a revirar o lixo e encontra alguns pedaços de pão mofados onde rapidamente os coloca na boca e come a contra gosto assim diminuindo um pouco sua fome, nisso ele encontra também alguns trapos os quais usa como roupas para imitar os humanos. Agora vestido e com menos fome o garoto anda até um canto do beco onde se deita para dormir e devido à exaustão acaba caindo no sono rapidamente.

Novamente aquela paisagem sombria, uma escuridão sem fim onde o pequeno dragão era mais e mais envolvido a cada segundo logo sendo puxado para fora daquilo por um som alto de rochas desabando e gritos ensurdecedores, o garoto abre os olhos assustado e se depara com a cidade em chamas, as pessoas correndo, as casas sendo derrubadas e um cheiro metálico bem característico, no seu a imagem de dois dragões vermelhos voando sobre a cidade paralisava o menor e então um pouco distante de si mais a frente ele vai um dragão de escamas levemente amareladas se erguendo em meio a destroços. O dragão amarelado solta um rugido estridente na intenção de intimidar os dois dragões vermelhos, porém esses respondem a isso com uma risada de deboche e em seguida um deles abre levemente a boca começando a falar 

-O que foi isso? Estava tentando nos assustar? Você é só um classe baixa da linhagem dourada, não tem a menor chance de vencer essa luta seu idiota! – O dragão vermelho maior começava a acumular energia em sua boca que lentamente tomava a forma de uma bola de chamas de calor tão avassalador que mesmo antes de ser disparada já afetava o ambiente ao redor aumentando a temperatura do lugar, enquanto isso o dragão menor que estava falando volta a rir um pouco antes de voltar a falar 

-Vou te fazer se arrepender de ter me desafiado!!! – após o dragão menor dizer isso o maior dispara aquela esfera de fogo contra o dragão amarelado na forma de um feixe de chamas superconcentradas que perfura e pulveriza o peito do dragão sem ele nem mesmo conseguir reagir o matando de forma imediata.

Chocado com o que acabou de presenciar o pequeno garoto não conseguia sequer se mexer estando totalmente paralisado vendo aquilo e então lentamente olhava para os dois dragões vermelhos notando que o menor havia percebido a sua presença ali o que o apavorou imediatamente, porém o dragão simplesmente dá de ombros para o menino e vai embora junto ao companheiro sumindo da vista em poucos segundos. Com a ida dos dois dragões vermelhos o garoto começa a caminhar em direção do corpo do dragão amarelado agora podendo ver várias feridas abertas feitas por garras e muito sangue ainda escorrendo de seu corpo, o ferimento em seu peito ainda emanava fumaça e lentamente o cadáver começava a se desfazer num brilho avermelhado que subia ao céu, vendo aquilo o pequeno dragão iria bem para perto curioso quando sentia uma forte pontada na barriga junto de um barulho alto, aqueles pedaços de pão já havia sido digeridos e seu estômago estava vazio novamente, ele estava faminto e por já estar a três dias sem conseguir comer nada devidamente seu desespero era enorme. Naquele ponto o corpo do dragão que havia sido recém abatido parecia um banquete, a boca do garoto começava a produzir muita saliva ao ponto de escorrer para fora enquanto o pequeno caminhava até uma das feridas abertas, nisso sua mente novamente fora pega por um conflito entre seus instintos de sobrevivência e a vontade de sua linhagem draconica que diferente das outras vezes agora parecia desesperada com mais vozes que antes gritando repetidas vezes uma única e marcante palavra.

“NÃO!!!”

A vontade da linhagem parecia novamente estar vencendo os instintos de sobrevivência fazendo o corpo do garoto recuar, porém a fome se juntou a briga dando mais força aos instintos de sobrevivência, assim num forte passo para frente o garoto chegou ao cadáver do dragão segurando sua carne exposta com uma das mãos e então aproximando a boca. As vozes na cabeça do garoto ficavam cada vez mais altas e numerosas influenciando seu corpo para longe daquele corpo enquanto ele insistia em tentar abocanhar aquilo ao seguir seus instintos e tentar saciar sua fome, parecia que iria se partir em dois conforme a boca do garoto chegava perto da carne do outro dragão, logo, ele finalmente encosta os dentes ali e num movimentos de desespero e força fecha a boca sentindo seus dentes rasgarem as fibras musculares da carne e o sangue restante que havia ali escorrer para dentro de sua boca, nesse momento seu corpo reagiu tentando expulsar aquilo de dentro de si, porém o garoto resistiu a isso e forçou a si mesmo a tentar engolir o que estava em sua boca tendo muita dificuldade nisso, porém logo o pedaço de carne passa por sua garganta.


“PECADOR!! CRIATURA IMUNDA!!! HEREGE!! ABOMINAÇÃO!!! HEDIONDO!!!” - As vozes em sua cabeça ficavam distorcidas e muito altas disparando vários insultos para o garoto que logo sentia seu corpo arder de dentro para fora assim caindo de joelhos no chão, junto aos insultos das vozes o garoto sentia um imenso ódio, desprezo, nojo e rancor sendo direcionado para si.

Seu corpo tremia e parecia queimar enquanto uma dor avassaladora o atingia por todo canto, sua visão se tornava turva, porém ao longe podia ver uma figura de uma mulher usando uma máscara bizarra o olhando antes de perder a consciência, enquanto estava apagado seu corpo entrou em sua forma draconica que estava maior com as escamas escurecendo lentamente até se tornar um dragão quase completamente negro, com exceção de algumas partes que tomaram uma cor avermelhada.

-PELO CRIME DE CONSUMIR A CARNE DE UM SEMELHANTE, SUA ALMA ESTA FADADA AO INFERNO E SEU CORPO SERA CONSUMIDO PELA MALDIÇÃO!! – As vozes continuavam a gritar e insultar o pequeno em sua mente enquanto o corpo dele mudava, porém logo uma marca estranha brilhou no seu peito, aquela marca em forma de um vórtex cheio de escuridão parecia inibir algo e expulsava parcialmente a influência das vozes sobre o garoto, logo cessando seu brilho enquanto o menino voltava a forma humana estando apagado ao lado do cadáver que consumiu.

Um tempo passou e o garoto despertou com muita dor em seu corpo, porém notou algo diferente, sua fome foi saciada e não estava mais naquela cidade, não havia mais nada ao seu redor além de grama num vasto campo, ao seu lado estava uma bolsa com algumas roupas e comida, ele não sabia o que havia acontecido e suas lembranças de antes de desmaiar estavam embaçadas, porém, tinha certeza de algo, seu corpo havia mudado, ele não tinha ideia ainda do que mudou, mas sabia que estava diferente. Ele vestiu as roupas que havia na mochila e a colocou nas costas, seu corpo ainda doía, mas era suportável e em sua mente aparecia algumas imagens de alguns lugares, lugares que ele nunca viu mas sentia que deveria busca-los, assim começando a andar.

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