LETTICIA
Desci para a piscina com meu chapéu e meu óculos de sol. João estava lá dentro brincando com os irmãos.
— Não vai entrar, cunhada? — perguntou Madalena.
— Eu dispenso — sorri.
A ideia de entrar em um lugar onde estavam várias pessoas me perturbava a mente. Aquilo não tinha como ser higiênico.
— Então você veio apenas pagar sol? — perguntou Antônio. — Que graça tem?
— Vitamina D, príncipe Antônio.
— Sendo assim, não vou deixar de fazê-la companhia — disse João e saiu da piscina, vindo sentar ao meu lado.
— O que foi? — perguntei quando reparei que ele estava me encarando.
— Eu tenho tanta coisa para te mostrar.
— E o que tem?
— Andei pensando sabe...
— Pensando em quê?
— Quer saber? Esquece.
— Ah, não, agora você vai me falar.
— Não se preocupe, fique aí pegando seu sol, princesa. Eu vou admirá-la ali de dentro da piscina.
— João! — reclamei quando ele pulou na piscina outra vez.
— Ah, nem adianta — a madrinha dele sentou ao meu lado. — João é o tipo de pessoa que apenas segue a própria cabeça.
— Ele me irrita.
— Ele irrita todo mundo. Mas a gente ama esse jeito dele, não é? Veja só, é um homem adulto, mas ali parece apenas mais uma criança no meio das outras. Eu vejo como vocês dois estão próximos, significa que você já conhece pelo menos um pouco do que tem por baixo da carcaça.
Olhei para ela em alerta.
— Não precisa dizer nada, ele confiou em alguém, fico feliz por isso, não quero que deixe de confiar. Mas quero lhe dar uns conselhos. Entre cada vez mais nesse lugar que ele não deixa ninguém entrar. Ele vai se sentir muito desconfortável, mas vai ser bom. João nunca percebeu que está criando uma bola de neve. Escute, meu afilhado passou o último ano inteiro fora, ficou em Cravos e ficou em Kallar, algumas pessoas já sabem disso, mas ele não falou sobre o assunto, já percebi que o perturba. Para ele esconder algo assim, significa que está em fuga, mas isso nunca dá certo. Acredito que você possa descobrir...
— Majestade...
— Não se engane, não quero saber de nada. Isso é entre ele e o pai. Eu só quero que ele tenha alguém, e aceite isso, e lide de uma forma mais saudável. Se alguém tinha dúvidas, não tem mais. Você conseguiu entrar em um lugar que ninguém tinha entrado. Eu fico grata por isso.
— Madrinha, você não vai entrar? — ele se apoiou na borda da piscina.
— Não, não, hoje vou apenas fazer companhia à Letticia.
— Vamos, João, é sua vez — disse Joaquim e puxou ele para dentro.
— Estive me perguntando algo. — falei para ela. — Talvez seja invasivo, mas eu gostaria de saber.
— Pode perguntar o que quiser — ela disse.
— João teve uma infância muito traumática, não é?
— Sim.
— Mas... Ele fez tratamento psicológico?
— Ele fez, até os 15 anos. Até os 12 era terrível, terrível mesmo, todos os dias ele tinha crises se ansiedade ou ataques de pânico. É por isso que ele conhece cada canto desse palácio, todos já tiveram que ir a cada lugar para encontrá-lo. Ele sumia e ninguém sabia onde estava, mas todos sabiam que ele estava em um lugar que só existia dentro de sua cabeça. O irmão, Inácio, sempre teve asma severa, e, por alguma razão, João tomou a responsabilidade de ficar de olho nele, só que sempre que Inácio tinha uma crise de asma João surtava, até chegar o ponto em que Anna e Dom tiveram que deixá-los mais separados. Quando fez treze anos, João simplesmente melhorou, do nada, não teve mais crises. A psicóloga começou a fazer boas avaliações para Anna e aquilo causou um alívio enorme para a família, mas eu sempre soube que não era tão simples assim. João decidiu proteger os pais. Decidiu que não queria mais lidar com aquilo em família, queria lidar sozinho. Inácio estava passando por uma doença e ele queria que os pais se voltassem totalmente ao irmão, mas, mesmo depois que ele melhorou, João percebeu que ia continuar com isso sozinho. Quando fez 15 anos, conseguiu convencer os pais de que não precisava mais de acompanhamento psicológico. Anna foi contra, mas Dom permitiu. Desde então eu sou a única que sei. Ele sabe que eu sei, mas finge que não sei. E se recusa a conversar sobre isso comigo, então... É por isso que estou grata que você está na vida dele, que ele não está mais sozinho nisso.
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A Santa Herança: Sacrifício
RomanceE se, na verdade, a história não acabasse naquela histórica coroação? A verdade é que, para compreender a grandiosidade de Anna e Dominique, é necessário que conheçamos a história de seus filhos, a história da família cruz. Por essa razão, agora dar...