22. Um Ataque À Fé

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DOMINIQUE

Como quase sempre, Anna tinha razão. Era melhor estar próximo dos meus filhos do que em maus lençóis com eles.

Às vezes eu olhava para ele, para todos eles, João, Emanuel, Inácio, Tito, Madalena, Joaquim, Antônio, Tomás, Amélia, Esperança, Luz, pensava que cada um tinha grandes jornadas a percorrer, assim como eu e Anna tivemos. Mas aquilo me assustava.

— Sempre que olho para essa estátua — falei. — Fico com vontade de te bater. Esse ano caímos na mesma festa, acho que é Deus me dando a oportunidade.

Duke riu. Estávamos sentados em uma das varandas, que tinha vista para o pátio central, onde ficava a minha grande estátua.

— Você permitiu que eu fizesse.

— Fui enganado e você sabe muito bem disso.

Por causa do que fiz, muitas pessoas procuraram viver a fé católica com mais intensidade, o que significava que inúmeros reis e nobres pelo mundo inteiro passaram a ter mais filhos. Assim ficou decidido que a escola precisava de uma reforma, ela precisaria ficar ainda maior, mas Anna disse que não deveriam colocar nada no ponto onde fiquei parado durante a guerra. Ela bateu pé quanto àquilo e eu aceitei, e dei a ordem.

Depois Duke apareceu dizendo que tinha uma boa ideia para o lugar, mandei que conversasse com Anna. Se ela aceitasse, eu permitiria. Eu só nunca imaginei que era aquilo.

Quando dei por mim, a estátua já estava lá.

— Esse foi o meu presente para você, Dom. Mesmo que ela chegasse às nuvens ainda não seria suficiente, porque você me deu a maior coisa que um ser humano pode dar a outro nessa terra. Você me deu Jesus, não só a mim, mas à minha nação também. Aquela estátua é para que ninguém esqueça daquele dia, o dia em que você venceu com amor, o dia em que milhões foram convertidos. Tivemos que aumentar a escola porque as pessoas passaram a ter mais filhos, aquela capela não ficava tão cheia nas missas quanto ficou hoje de manhã. Agora eles têm que fazer até mesmo mais uma missa no domingo. A escola agora tem seu próprio padre, porque as pessoas vão diariamente se confessar. Há uma comunidade católica. Eu era politeísta, e agora a Eucaristia é minha vida.

— Quando você fala assim...

— Pare de reclamar da estátua. Sei que menti para você, mas foi por uma razão importante.

Eu ri.

— A fé também me deu um bom amigo como você, e isso não dá de comprar por aí.

— E você ainda fica ameaçando bater nesse amigo.

— Foi mal, Duke.

— Soube que está tendo alguns problemas em Camellia, sabe que pode contar comigo para qualquer coisa, não sabe?

— Sei. E também sei que as coisas não estão fáceis em Kallar. Se precisar, é só pedir.

— Lidar com Soren é estressante, você sabe disso. Ele sempre vai encontramdo uma brecha aqui e ali.

— Ele é um sujeito esperto. Está aí. Acho que tem algo que você consegue descobrir para mim.

— O quê?

     *    *   *

— Não vamos mais embora — falei para Anna naquela noite enquanto dançávamos.

— Tudo que você fez aqui, pode fazer lá, sabe disso.

— Eu sei, mas nos últimos meses parece que não. Os meninos ainda estão tão pequenos e raras são as vezes que tiro tempo para eles. Ou para nós dois.

— Eu compreendo você, e com o tempo eles também vão. Ainda hoje o país sofre as consequências daquela guerra.

— Sim. Daquele evento, mesmo que tenham saído muitas coisas boas, também saíram muitas coisas ruins.

— Sim.

— Eu vou tentar ser mais assim em casa, prometo.

— Tudo bem.

— Vamos aproveitar essa última noite aqui como se estivéssemos nos tempos de escola.

— Vamos deitar na grama?

— Vamos deitar na grama. Essa noite seremos apenas eu e você.

Ela sorriu.

Achei que a única nostalgia de nossa visita à escola seria minha dança com Anna, mas a verdade é que naquela madrugada, algo a mais nos aguardava.

Acordamos com um alarme, segundos depois um som alto soou, eu soube reconhecer que era uma bomba, o que deixava claro que aquilo não era uma simulação.

— Vamos agora — puxei Anna de cima da cama.

Eu saquei minha arma e levei Anna até um dos abrigos. Depois segui para frente da escola, encontrei com meus filhos no caminho e corremos juntos.

— Qual a situação? — perguntei ao chefe da guarda.

— Sem invasão por terra. Dois aviões de pequeno porte conseguiram atravessar a nossa barreira. A intenção parecia ser bombardear, mas conseguimos derrubar os dois.

— E o estrondo que ouvimos?

— Eles explodiram no ar. E também conseguiram acertar um único lugar antes de serem interceptados.

— Onde?

— A estátua.

— Senhor! — um guarda gritou.

— O que foi?

— Havia alguém no lugar na bomba.

Nós corremos até lá.

— Letticia! — João exclamou e saiu correndo ao vê-la caída no chão.

— Alteza, não toque nela, os enfermeiros já estão vindo para levá-la em segurança ao hospital.

A princesa Letticia estava inconsciente, sua testa sangrava, havia alguns outros hematomas pelo corpo.

— Por que ela estava aqui? — João perguntou aflito.

— Não sabemos, alteza, mas foi atingida pelos destroços da estátua, estava de baixo deles.
    
Ele se abaixou e passou a mão por sua cabeça.

— Letticia — chamou, mas ela não respondeu.

 — Ela vai ficar bem — falei para tentar confortá-lo.

— Sei que vai — ele respondeu.
 
Os enfermeiros apareceram com uma maca para levá-la. João a seguiu.

Emanuel veio até mim.

— Olha o que eu achei, pai — ele me entregou, era o terço da estátua. Não havia quebrado, era a parte mais frágil e não havia quebrado.

— Isso não foi um ataque à mim — falei. — Foi um ataque à fé.

— O que o senhor vai fazer?

— Vem comigo, alguém vai ter que explicar como esses aviões atravessaram a barreira de segurança.

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