Desço as escadas em silêncio. Os degraus de casa têm uma tendência estranha a rangerem sempre nas piores horas possíveis, e a cada passo eu sentia minha esperança de sair vivo de uma conversa com minha mãe se esvair aos poucos.
Atravesso a sala pequena, tentando ignorar o som alto da televisão ligada em algum programa de culinária; os olhos dos familiares presos entre as molduras nas paredes me condenam enquanto caminho até a porta de madeira desgastada que levava à cozinha.
Quando entro no cômodo, vejo minha mãe sentada numa das pontas da mesa, segurando uma pasta bege com uma expressão não muito simpática estampando o rosto. Ela indica a cadeira em frente a sua e faz cara feia quando a arrasto pelo chão de ladrilhos.
- Bom - ela finalmentr diz, depois que me sento. - Pode me explicar por que não me mostrou o boletim do semestre passado?
Engulo em seco. Todas as minhas notas haviam caído em comparação com as do ano anterior; esperava que pudesse melhorá-las até as provas finais. Sinto meu coração pular muitas batidas e quase cair no meu estômago quando percebo o que é a pasta bege.
- É o que pensei - a voz da mulher sentada a alguns centímetros soa quase irreconhecível; o ruído que escuto se aproxima mais de garras arranhando um quadro negro. - Você não pode esconder essas coisas de mim também.
Tenho vontade de enfiar minha cabeça no chão. Finco as unhas nas palmas das mãos, tentando fazê-las parar de tremer. O que mais me assustava era mamãe.
- Sinto muito - murmuro baixinho. Não consigo mais encará-la.
- Você costumava ser tão inteligente, Soul. Era o melhor da classe. - ela suspira, passando as páginas de infinitos relatórios escolares.
- Eu sei - é tudo que respondo.
- Você me orgulhava tanto - ela fecha a pasta abruptamente, causando um barulhinho estalado que provavelmente não era um sinal de que seu humor estava melhorando.
- Eu sei, mãe. - arrisco desviar os olhos da mesa por um instante, apenas para ver minha mãe me olhando de cima em completa desaprovação. Diminuo a força com que apertava as unhas nas mãos, sentindo suas marcas que ficaram na pele.
Carrie é a pessoa mais insensível que já conheci; mas, apesar disso, ela ainda é minha mãe. Eu sei que não é fácil para ninguém.
- Bom, o que houve? - ela indaga, franzindo as sobrancelhas. Seus lábios se fecham numa linha fina e apertada enquanto ela espera pela resposta.
Hesitante, murmuro algumas palavras ininteligíveis. Ela grunhe um "hã?" bem alto e espera que eu repita.
- Termodinâmica. - digo com a voz um pouco trêmula. Não espero que ela realmente entenda.
- O que quer dizer? - Carrie me encara como se tivesse acabado de berrar a maior atrocidade já ouvida pela igreja católica; na verdade, falando com a minha mãe, boa parte do que era dito poderia ser considerado uma ofensa pessoal à si própria.
Sei que não tenho muita escolha, mas às vezes falar parece impossível. A verdade é que, mesmo sem entendê-la, a física funciona em mim; e as leis que ditam o Universo me dominam em todo sistema solar que piso.
A segunda lei da termodinâmica diz que a quantidade de entropia de um sistema tem tendência a aumentar gradualmente até alcançar um valor máximo. Entropia, de acordo com algum professor da oitava série, é o grau de desordem de um sistema - o caos que não diminui.
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Orbitando Plutão
Teen FictionSoul é solitário por natureza. Plutão foi tirado do Sistema Solar. O garoto encontra conforto no planeta mais distante; mas, talvez, a verdadeira face de tudo possa ser encontrada bem mais perto, onde ele nunca pensara em procurar. Soul acha que e...