Charlie

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   Sabe a sensação de trabalho cumprido? Ou a sensação de terminar um trabalho chato que se adiou muito para terminar?
É assim que me sinto hoje. Trabalhei durante dois anos, diariamente, incluindo finais de semana e feriados, sem parar. Pronta para esse dia.
   Desde de criança passava por um prédio comercial antigo porém moderno a caminho da pré-escola, depois da escola primária, e por último a secundária. Era um prédio editorial, uma editora extremamente respeitável, a Global Gasset se tornou meu sonho, uma meta na verdade. Cismei de que trabalharia naquele prédio de onze andares, precisava ser ali. "Não, essa nota não é suficiente." "Preciso melhorar, preciso."
Esse foi o meu ensino médio. Mas valeu a pena.
     Meu chefe, o intragável Bill Jackson, recebeu uma promoção, vai para a diretoria geral. Nem um pouco merecido. Quem fazia os dados e gráficos das reuniões com os acionistas era eu, mas claro que o senhor Jackson não perdera a oportunidade de dizer que ele mesmo passara a noite toda fazendo do balanços do trimestre, e não a sua estagiária. Agora, com a tal promoção, tenho certeza de que ele me escolheu para o substituir. Não que Bill tenha dito alguma coisa além de que whisky é melhor que rum, mas eu sinto que é exatamente isso que vai acontecer.
       Visto meu melhor terninho. Ele é vermelho-sangue, a blusa de seda branca tem um laço enrolado junto ao meu pescoço. Os saltos são os pretos lisos de bico fino que ganhei da minha mãe no natal mas que tinha achado muito extravagante para o trabalho. Prendo o relógio dourado com pequenas pedrinhas em voltas dos números, no pulso.
   Estou pronta. Abro a porta do quarto, hoje vou sair mais cedo do que o habitual, as 7h15.
Quando pensei em alugar um apartamento tinha em mente que seria um bem localizado, perto da faculdade e do trabalho. Me decidi por um na zona oeste de Boston. Meu prédio tem na maioria moradores jovens que mais trabalham do que dormem, eu incluída. Dei sorte de morar no andar de uma senhora que distribui brownies para os vizinhos. Desço de elevador, Na verdade foi porque não conseguiria descer de escadas de salto, na maior parte do tempo uso tênis sociais, que apesar de um atentado a moda, são muito confortáveis.                                                 - Bom dia senhorita Spencer! - Jean, nosso amado porteiro idoso acena sorrindo. Ele por alguma razão adora novelas mexicanas, ele assiste numa daquelas televisões pequenas, que ele deixa em cima do balcão.                                                                                              - Bom dia Jean.                                               Abro a porta de vidro do prédio, uma lufada de vento gelado balança meus cabelos na minha cara, justo quando eu faço chapinha. Começo a andar o mais rápido que meus saltos me permitem, o que na verdade é uma velocidade digna de tartaruga velha. A melhor coisa sobre meu prédio é que ele fica alguns metros da estação de trem que me deixa a poucas quadras da editora.  O que? Achou que uma estagiaria de editora tem dinheiro para ter um carro?  Tenha certeza que eu e os outros estagiários trabalhamos mais que todos os diretores gerais juntos, juntos não ganhamos nem dez por cento do que eles. Nós, os estagiários, movimentamos a América.                 As vezes acho que vivo em um looping infinito. Todos os dias pego o mesmo trem, no mesmo vagão, que alias tem o mesmo pinto desproporcional com a anatomia humana, desenhado na  parede. Todos os dias o mesmo cara de chapéu de palhaço se senta em um assento na janela, uma mulher leva o filho remelento para a escola no mesmo horário. E todos os dias eu fico de pé olhando para o escuro do túnel. Mas hoje eu tenho um proposito maior do que fazer um café para meu chefe babaca. 

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⏰ Última atualização: May 23 ⏰

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