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Alaia

Há sete anos

        Estava na biblioteca quando Lindsay veio me buscar para descontrair. Pelo vestido que ela usa deveria saber que iríamos para uma boate, mas achei que teria um pouco de pena de mim porque não estou com as roupas propícias.  Olhando para as outras mulheres no local, pareço perdida, uso um vestido comprido bege com babados e um casaco jeans, o meu cabelo está num rabo de cavalo e nem uso tanta maquiagem. Lindsay está com um vestido vermelho justo aberto nas costas e saltos altos, os cabelos soltos e os olhos puxados num delineado bem afiado.
       — Lindsay, se a sua ideia é eu encontrar um namorado, duvido que vou conseguir. — Estou arrependida de ter vindo.
       Elena e Lindsay querem que eu encontre um namorado, acham que estou depressiva depois que um idiota terminou comigo porque eu disse que não estava preparada para transar com ele. Na verdade, o que senti foi alívio e estou mais focada nos estudos, não há nada de depressivo nisso.
      As luzes coloridas piscam e parecem acompanhar a música alta, mas meu corpo não se move, apenas observo Lindsay dançar e conseguir a atenção de muitos homens. Eu gosto de dançar, mas hoje não é o meu dia.
       Ela sorri. — Podemos apenas nos divertir.
       — Você foi muito cruel. Nem disse para onde iamos. Eu preferia ficar em casa estudando ou convidar Veronica e Elena para uma festa de pijama.
       — Vamos fazer num outro dia. — Ela se entrega para a música.
       — Sabe que não podemos beber.
       — Você ficou chata igual a Veronica? — pergunta.
       — A isso se chama sensatez, querida. Sabe que tenho um futuro a zelar. — Tento falar alto por causa da música.
        — Está bem. Vamos ficar só uns trinta minutos, e melhor começar a dançar também antes que chame muita atenção.
       — Apenas trinta minutos. — Digo.
       Faço o que ela diz e danço também, começando a me divertir aos poucos. Vamos também buscar refrigerantes e nos inserimos ao ambiente. Começo a sentir o suor na minha testa, mas não tiro o casaco, deixo a música me levar.
       Alguns homens não parecem interessados em olhar para mim, outros olham com malícia, mas um olhar chama a minha atenção, fazendo-me parar por alguns segundos. Não sei descrever o que é, talvez curiosidade, mas ele não desvia o olhar.
      E então ele caminha na nossa direção. Negro, tão alto, tão lindo, tão atraente, e fico congelada como uma estátua quando chega até nós com uma garrafa de cerveja em sua mão. Seus lábios são carnudos e rosados, os olhos profundos, como se fossem despir a minha alma e a cabeça levemente raspada.
       E ele é mais velho, já deve estar na casa dos vinte. 
       — Olá, meninas. — Ele abre a boca para falar e fico arrepiada. Sua voz é tão grave!
       — Oi. — Lindsay sorri.
       — Vocês parecem perdidas.
       — Por quê? Porque não estamos com roupas provocantes? — pergunto num tom hostil. Às vezes, não sei como agir quando estou atraída por alguém.
        — Calma. — Seus lábios carnudos esboçam o sorriso mais lindo. — Vocês parecem menores de idade.
        Não é novidade as pessoas pensarem isso.
        — Eu tenho dezanove! — aponto para ele.
        — Somos adultas. — Lindsay diz.
        — Mas não têm idade para beber. — Olha para os nossos copos.
        — Não é dá sua conta. — Estou irritada e um pouquinho nervosa.
        — Calma, pequena.
        — Eu não sou pequena!
        — Comparada a mim você é. — Ele olha para mim intensamente. — Posso fazer companhia já que estão sozinhas?
        E correr o risco de você ser um assassino em série?
        — Não, obrigada. — Digo.
        Mas no fundo eu quero.
       — Entendo. Então adeus. — Ele se afasta, vai falar com um homem branco da mesma altura que ele, mas ainda parece atento à nós.
       Reparo na sua camisa branca dobrada até aos cotovelos, calça jeans e tênis branco. Tem uma pulseira de ouro no pulso e um relógio caro, e me pergunto se meus pais aprovariam um homem como ele.
      Claro que a minha mãe e meu irmão sempre dizem que boates, bares e esses tipos de lugares não são para conhecer pessoas. Para o meu pai, o genro perfeito tem que ser formado, de preferência em Direito, ter uma família respeitável e ter condições para me sustentar.
      Às vezes penso que sou a ovelha negra da família.
       — Ele não é lindo? — Lindsay suspira. — Eu sei que sou baixinha demais, mas amo um gigante.
       — Não achei ele lindo.
       — Sério? Precisa de óculos?
       Ignoro o seu comentário e volto a seguir o ritmo da música. O homem ainda está atento a mim, depois parece que recebe uma ligação, desaparece por cinco minutos e regressa para me observar. Tenho que admitir, ser observada desse jeito é bom. Não preciso de roupas provocantes para chamar a atenção de um homem.
      Lindsay e eu dançamos e de repente ela começa a ficar estranha. Parece mais animada, até demais e começa a falar coisas sem sentido, procurando alguma coisa.
      — Consegue ver? Está muito grande. — Ela estende os braços e ri. — ESTÁ AQUI!
      — Lindy, o que foi? O que deu em você? — pergunto, temendo o pior.
      Ela grita. — GIGANTE! — sorri e dança. — É tão lindo, tudo isso.
      Seguro ela, que tenta escapar de mim. — Você não está bem.
      — Tudo explodiu nos meus olhos. — Ela diz e começa a pular. — Estou ótima!
      Eu levo Lindsay para irmos embora, mas percebo que dois homens nos seguem. Fica ainda mais complicado quando minha amiga não quer ajudar, e de repente, o homem alto aparece e estranhamente sinto alívio. Ele está com um homem que parece guarda-costas.
       Saímos da boate e nos aproximamos de um carro preto. O alívio que senti há um minuto se transforma em medo porque pode ser que viemos parar nas mãos de alguém bem pior.
       — O que aconteceu? — ele pergunta.
       Olho para trás e os homens que viam atrás de nós recuam. Devem ter sido eles que fizeram isso com a Lindsay, mas como é que não percebemos? Não me lembro deles terem se aproximado, muito menos de meterem alguma coisa na bebida dela.
       — Eu não sei. Ela não está bem.
       — Alguém deve ter drogado a bebida dela. Eu disse que vocês estavam perdidas. Vamos para o hospital. — O homem diz. Será que vamos mesmo para o hospital?
       — Não. Eu posso fazer isso. — Não acho que devo arriscar, Lindsay já está drogada.
       — Tira uma foto da matrícula do carro, mande para as pessoas que mais confia e depois entra no carro, por favor. Juro que só quero ajudar. — Seu tom é calmo, transmite proteção, juro que não sei explicar.
       Faço tudo o que ele diz. Mando uma mensagem para Elena e Veronica a dizer que devem procurar a polícia se não der notícias nas próximas horas. Em seguida, entramos no carro e estamos na estrada.
       Fico preocupada com Lindsay durante o caminho para o hospital. O homem misterioso e por sinal bondoso, tenta conversar, mas não consigo. Estou com medo do que essa droga pode fazer com a Lindsay. Assim que chegamos somos imediatamente atendidas. O médico faz exames na minha amiga e aguardamos enquanto ela descansa.
       O homem de meia idade, cabelos grisalhos e de estatura média, vem na nossa direção com uma prancheta na mão. Ele pergunta se somos parentes de Lindsay.
       — Sou uma amiga, crescemos juntas. Então, doutor, o que ela tem? O que deram para ela? — quero saber o quanto antes.
       — Encontramos uma substância chamada Dietilamida do Ácido Lisérgico. — Ele olha para o homem ao meu lado. — É algo popularmente conhecido como LSD. É uma droga alucinógena.
      Coloco a mão no peito, angustiada. — Uma droga? Ela vai depender dessa coisa? Estragaram a vida dela?
       — Não existem relatos de dependência química dessa substância, nem overdose. Sua amiga vai ficar bem. — Sorri. — O efeito deve desaparecer no mínimo em seis horas ou mais.
      — Muito obrigada, doutor. — Agradeço.
     Passamos a noite no hospital, mas aviso para as minhas amigas não se preocuparem. Assim que Lindsay tem alta, fico a saber que o homem pagou a conta do hospital.
       Eu devo estar uma lástima, não dormi e estou despenteada. Tenho a certeza que as minhas olheiras devem estar assustadoras.
       O homem nos espera e vou até ele enquanto Lindsay troca de roupa. — Obrigada por nos ajudar.
       — Eu gostaria que alguém fizesse o mesmo pela minha irmã.
       — De verdade, eu estava muito assustada.
       — Eu percebi. Eu ia agredecer se ficasse com o meu número e me avisar se estiverem bem. Que a sua amiga está bem. — Olha para mim. Mesmo sem dormir ele parece bem.
       — Sim. Eu não sei o seu nome.
       — Justin. — O jeito que diz e o jeito que olha para mim, fazem o meu coração parar.
       — Justin. — Sinto minhas bochechas queimarem. — Eu sou Alaia e a minha amiga é a Lindsay.
       — Alaia. — Ele diz.
       Ah, quem é esse homem?
       — Então, mais uma vez obrigada.
       — Posso levá-las para casa.
       — Já chamei um táxi. Fez demais por mim...por nós. Não precisa. Não quero incomodar.
       — Não incomodaria.
       — Mesmo assim, agradeço.
       — Está bem. — Ele tira um cartão do bolso e me entrega. — Esse é o meu número.
       — Está bem. Obrigada. — Leio o seu nome e o número.
       Justin Wallace.
       — Até mais, Alaia. — Ele gira os calcanhares e caminha pelos corredores até desaparecer no elevador.
       E o meu coração ainda bate.
       Ele bate.
       Bate.
       E bate.
       Lindsay vem ao meu lado sem eu perceber, tanto que tomo um susto.
        — Você está pronta para ir, amiga?
        — Eu me sinto péssima, Alaia. Nunca mais bebo em lugares com muita gente.
        — Isso vai passar.
        — Podia ter acontecido o pior. Eles poderiam ser estupradores. Ou mesmo os homens do meu pai. — Cobre o rosto com as mãos. — Podia ter acontecido muita coisa.
       Abraço ela para a confortar. — Eu não deixaria nada acontecer.
       Lindsay chora. — Obrigada. Vamos pagar a conta do hospital. Eu tenho dinheiro...
       — Não precisa. O Justin já pagou.
       — Quem é o Justin? — está confusa.
       Isso eu também quero saber.

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