A imiscibilidade é um fenômeno químico-físico que ocorre quando dois ou mais fluidos não se misturam.
Sinto-me como o líquido obtido das plantas nomeadas de oleaginosas, as quais escorre aquela água sem vida; não, diversamente mais vivida que a água cristalina. Na verdade, sou a mais pura contradição, estupidamente hipócrita em discussões, em uma eterna negação sobre meus átomos colados uns nos outros, com medo de se soltarem e deixar-me vaporosa. Refuto meus próprios argumentos, engano meu consciente, clamando que sou saudável, rico em nutrientes, inegável à saúde. Nua e pálida mentira. Claro, sou feita das mais mirabolantes mentiras, mais criativas irrealidades; já estão enraizadas nas minhas juntas repletas de cartilagem, as quais eu desgasto. Não sou tão real para me considerar arrogante, porém ainda me banho pelo sangue vitalício, que viaja pelas artérias, as quais eu entupo, degustando dos glóbulos vermelhos um por um, atrapalhando o trânsito, vendo a imunidade fértil ir ao óbito.
É possível se identificar como um fluido denso e insolúvel, complicado de dissolver e altamente inflamável; medroso e intocável, sensível às temperaturas mais flamejantes ou as mais gélidas. Disperso e borbulhante, somente quando atinge as temperaturas em torno de 180–200 fahrenheit, aproximadamente 93ºC. Explosivo, queimando no fogão, estourando suas bolhas de calor e pingando no avental rose detalhado com inúmeros corações amarelos.
Deflagra no frio e deflagra no quente, engordurado e pegajoso, difícil de limpar, deixa sequelas e manchas. Semelhante aos lipídeos que entram em contato com o suco biliar, derretendo, mergulhados no ácido que corrói suas moléculas, quebrando seus átomos. Mais viscoso e destrutivo, onde o detergente, que atua na limpeza, arranca-me das panelas onde resido. A espuma com fragrância de nova se infiltra entre minhas vertentes e faz-me escoar. Invasivo, não quero ser tocado, não quero ser dilacerado, quero continuar queimando, não me interrompa enquanto entro em estado de ebulição, subindo lentamente, pregando meus restos no teto da cozinha.
Temperamental, podemos dizer assim; qualquer contato com o fogo faz minha superfície queimar e dissipar suas chamas por onde escorre minha saliva, arde quando o tato alheio rela em minha viscosidade e espalho minhas toxinas pelas paredes brancas creme feitas de gesso dentro do apartamento no bloco quatro.
Sou introvertido, ou difícil de se adaptar ao novo. Furiosamente teimoso, não deixe suas moléculas atravessarem minha barreira. Se afaste, por favor. Quero continuar no meu encolhido no meu vértice. Não se aproxime, sou perigoso, não quero te machucar quando as chamas me esquentarem e minhas bolhas crescem ao ponto de explodir. Por favor, nem pense em me relar. Sou pegajosa, como uma peste, complicada de soltar, será necessário usar o detergente, imploro para não optar por essa opção, ele machuca, assim como palavras. Deixe-me só, já entendi que não sou totalmente bem-vindo. Pode me substituir pelo azeite ou manteiga, são mais beneficentes para sua exorbitante saúde. Vá, seja quem você quiser ser sem meu peso entre os ossos.
Não sei me virar sozinho, mas consigo me isolar. Sou uma propriedade imiscível, lembra? Nem a água transparente ou o café amargo conseguem me adentrar. Por favor, não use detergente, eu imploro. Doí, deixa-me em pedaços, acabe logo com isso, diga-me suas verdades, as mais dolorosas, berre enquanto cospe seu veneno, não tenha medo de falar sobre minha incapacidade de me misturar com outras substâncias, sei muito bem como me virar após sua pirraça, grite e esperneie, estou aqui para te ouvir, mesmo estando destruído.
Livre-se do peso morto que sou. Grudento e altamente volátil, mudo de hora em hora, nunca paro quieto. Ainda caminho perdido entre os rejuntes das paredes, ainda derreto e sujo a planície da grama alta; cave uma cova e jogue meus restos lá, você não precisa de um elemento tóxico assassinando seus calêndulas e orquídeas, as mesmas que comprei para celebrar mais um ano que não fosse ruim, quando ainda estávamos vivos, cheios de esperança. Não tenho intenção de matar suas plantas que fazem constante fotossíntese, limpando o ar imundo que passei, só queria admirá-las e tirar o líquido oleoso que mora entre seus lindas pétalas, nada mais, portanto você já me jogou na imensa vala, onde meu ácido vai adentrar no solo não tão mais fértil.
Sou como óleo, vegetal ou de cozinha, puro em arrogância e imiscível a sua mais inocente realidade.
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imiscível;
Poetryimiscível: algo que não se mistura; imisturável. © imjustloost, 2024