Capítulo 1, Durmir é como morrer... Sem o comprometimento. Ato 1, Gatos e chuvas.
2k de palavras yippee, não é lá muita coisa porém este é o primeiro projeto meu em que estou de fato me jogando. Me deseje sorte e boa leitura.
.
.
.
Uma vez eu vi um gato morrendo, digo, mais de uma vez, porém uma eu não tinha nada a ver com o gato, eu só o vi em meu caminho. Havia saído para comprar temperos, alguns legumes, óleo de cozinha, com sorte macarrão parafuso, nada demais, porém eu conhecia gente a qual aquilo significaria bastante. Estava chuvendo, não, não, não chuvendo, serenando... Eu acho.
Eu parei a beira da estrada esperando que alguns carros e motos passassem antes de atravessar, rezando para que a borracha não escorregasse pelo asfalto molhado, não ocorreu, porém uma moto, pertencente a um motoboy, se jogou em uma ultrapassada sem ver direito para onde ia, quase indo para a calçada em seu pânico, o veículo quicou e ele parou para checar o que havia passado por cima, um gato, um gato que havia acabado de sair de dentro de uma casa. Estava no chão em seus últimos apertos por ar, manchado no próprio sangue, o motociclista apenas foi embora enquanto era xingado por agumas pessoas que viram o ocorrido.
Eu voltei do mercado e o cadáver já estava ali sozinho, seu sangue se misturando com a água da chuva e o solitário cinza do chão, eu me agaixei e fiz um breve cafuné no gato, era o mínimo de respeito que poderia ter e... Qualé, morreu a pouco tempo, eu sabia como morreu, e eu teria tentando acariciar ele quando estava vivo de qualquer maneira. Fiz carinho no pelo molhado do felino por alguns momentos, apenas o encarei em silêncio e me levantei depois, o que me deixa brava é que aquele não foi o primeiro tombo do motociclista, tombar é normal, as vezes em algum objeto aleatório no chão, as vezes em pessoas ou carros, as vezes...
.
.
.
Oh, eu não estou mais durmindo. Olhos perdiam os status de embaçados lentamente, meu corpo erguendo se do chão apenas para se encontrar numa calçada, rodeado por uma poça de sangue, não muito felizmente, ah, então era por isso que a memória do gato me assombrava no sono, isso e a suave chuva de novembro que agora havia me encharcado, uma blusa branca e uma calça preta, que agora molhadas permaneciam grudadas como chiclete a minha pele. As ruas pareciam desoladas, o tom cinzento das construções, prédios, casas, lojas, um flipera-Espera, um fliperama? Vazio? Huh, deve ser véspera de natal, mas de uma maneira ou outra. Estruturas, todas construídas apertadamente juntas em um sentido quase claustrofóbico, sem becos, sem espaços para cercas ou plantas, apenas uma fila de vazias carcaças de concreto cuja tinta havia descascado a muito tempo, provávelmente trabalho das nuvens que choravam sobre aquele labirinto de concreto, uma escura coberta que não deixava o sol a vista e nem deixaria tão cedo... Ah sim, claramente uma fila até alguma estrada a dividir.
Após alguns momentos encarando o cenário eu coloquei a mão na nuca brevemente, machucava, mas preferi não pensar nada sobre, não havia nada que poderia fazer sobre aquela dor agora, então apenas comecei a andar, o que eu poderia fazer? Não sabia aonde estava, muito menos sabia porque, era ficar ali e meramente apodrecer junto daquele túmulo de arquitetura humana, ou só perambular sem destino pelo lugar-
--Maire! Maire! Ouh sua corna aonde você estava?!
Uma voz que entrelaçava desespero e raiva berrava, me virei para ver o barulho pertencendo a um homem baixinho, tinha um longo e bagunçado cabelo ruivo e um rosto estranhamente pálido, parecia usar um terno e balançava um guarda chuva como se estivesse tentando chamar raio. Enquanto se aproximava resolvi deixar de ser rude e fui a responder.
--Você está bem senhor? Seu rosto está branco, morto, é assim que as pessoas ficam quando estão asustadas? É pecu-
--Bem?! Oras você desaparece assim sem nem dar notícia-Mulher o que houve com a sua nuca?!
Olhando para minha mão, aquela cuja encostei em minha cabeça apenas para ver se ainda estava no lugar, havia sangue, então foi dali que veio aquele que estava no chão. Mas bem, o respondi.
--Nada que esteja doendo, uuuuh, quem é esta Maire que o senhor chamou?
Ele me encarou com desdém antes de responder.
--Não me diga que... Argh, você não se lembra nem o meu nome?
Silêncio.
--É Eythlin. Bem. A data?
Silêncio.
--E o SEU nome?
Silêncio-Não, espera, ele está certo, qual o meu nome? Não me perguntei isto, não me perguntei nada, tudo para o que olhei foi a cidade ao meu redor, a chuva, e aquele maldito sonho, tudo que me restou foi virar o rosto para uma poça d'água para encarar o reflexo, tudo que consegui ver foi um rosto negro e cabelo escuro e encaracolado descendo até meus ombros, huh, e olhos amarelos, porém a análise logo era interrompida com o homem que havia se aproximado agarrando minha mão, com um aperto firme e olhos tensos fui puxada por aqueles tristonhos corredores dos restos de uma cidade, apenas segui, o segui para um local aonde a chuva não seria de incomodo.
.
.
.
Em meu caminhar descobri que a cidade é um lugar lindamente doentio de se olhar, quando você a explora com atenção, o pequeno ruivo se apresentou como um homem chamado eythlin, aparentemente o dono de um restaurante neste abandonado lugar, pessoas vivem aqui entre os restos da cidade enquanto o mundo está em guerra. De acordo com o que me disse, o mundo entrou em um grande conflito que tem vindo a acontecer por mais de cem anos, máquinas voam, pessoas gritam, mas isso não importava, não aqui, entre o caos e a terra morta que cobria o planeta, haviam alguns lugares julgados mortos ou inúteis para o conflito, e em tais lugares pessoas se juntam como baratas, se escondendo do combate com a certeza de que não os alcançará.
Mas ainda sim, a cidade é um emblema do que havia antes do conflito, estruturas como bibliotecas e museus ainda existem aqui, óbviamente carcaças do que antes foram assim como a própria cidade, mas ainda é algo. Mas eythlin não me deixou entrar nas estruturas, só vi as vitrines, ele ficou falando algo sobre como eu me perderia lá e não iria querer sair... Talvez ele esteja certo mas isto não vem ao caso, me guiou até o restaurante dele e disse que iria me explicar tudo assim que fechasse o estabelecimento, isso depois de inúmeras perguntas, todas as quais eu não sabia a resposta, de uma maneira ou outra, ele me entregou um caderno, uma caneta, e cá estou.
Parei a frente da entrada mas resolvi não demorar muito, o restaurante era uma construção mais bem mantida do que aquelas ao redor, mas aquilo não era exatamente muito, não importa aonde você vá na cidade, o labirinto de cimento é o mesmo, o que muda são os especificos. O cenário era formado por ruas mais largas e prédios menores, como todos os outros sem janelas porém a marca da comunidade era vísivel ali, diferente do resto do enorme local esta parte era habitada, pessoas de variadas maneiras vagavam de um lado ao outro, algumas andando, outras correndo, e haviam aquelas que penduravam se em janelas pelo lado de dentro, curiosamente ou apenas para entreter se no meio do tédio, observavam aqueles que passavam abaixo pelas ruas.
Cordões com pregadores que penduravam roupas, vestidos, palitós, blusas, calças, saias, e outras peças que eu não lembro o nome, parecia que moda não era algo neste lugar, mas independentemente se olhava para uma blusa ou um terno, remendos e costuras estavam em todos. Mas em especial, potes eram mantidos com plantas por ali e por aqui, aonde conseguiram terra ou sementes? Honestamente mal posso imaginar, tudo que aparenta ter ao redor da cidade é um deserto, mas honestamente? Também não me importo, é bom ver um pouco de verde em meio a todo aquele cinza, mesmo que sejam pontos insignificantes na vista da cidade, e por último mas não menos importante, o céu, aquela parte parecia ter um céu limpido. A área em que pessoas habitavam parecia ser uma mais póbre, ao menos em questões de arquitetura, prédios menores, salas menores, e aqui você conseguia ver o céu de forma clara. Ele também é um pouco cinzento, mas seu claro azul persiste em meio de nuvens formadas a póvora.
O restaurante, nomeado de folha de olivia, também não era exatamente grande coisa, mas era legal, o retangular espaço que você espera de um lugar assim, mas era mais... Como posso dizer... Charmoso talvez? O chão era ladrilhado em piso xadrez, as paredes eram pintadas de azul desbotado, as mesas em empoeirado vermelho e o teto tinha algumas pinturas que representavam um púrpura céu estrelado, espero viver para conseguir ver o estrelato assim algum dia. Bem, por fim havia um balcão o qual Eythlin ficou atrás, recebendo pedidos e indo para a cozinha os preparar, o que tem na cozinha? Eu não sei, ninguem sabe, ninguem entra na cozinha de um restaurante e sai vivo. Várias pessoas estavam ali dentro, felizmente pareciam não se importar muito com a minha presença, então apenas fui para um canto e me sentei.
Neste lugar Eythlin me contou meu nome, Maire, Maire de grammaire, gramática em italiano, aparentemente nomeclatura que eu mesma havia me dado, aparentemente eu costumava escrever crônicas sobre histórias que via pela vizinh-Wow, derrepente essa narração se tornou irônica... Por acaso ele me deu o caderno para me distrair como se eu fosse uma criança?
De uma maneira ou outra, considerando meu calmo olhar pelo estabelecimento, parecia estar funcionando por hora, mas resolvi alterar um pouco isso. Meus olhos dançaram pelo público do bar, olhando de figura em figura, cada uma mais desolada que a outra, ou talvez o desolado seja o normal destas terras? Não me surpreenderia, roupas costuradas com retalhos de outras, cabelos empoeirados em areia, olhares cansados, eu e Eythlin pareciamos os únicos aqui com uma aparência levemente vaidosa, acho que saber cozinhar e o fazer bem tem seus benefícios, além de que todos o tratavam bem e vice versa, mas estou me desviando do objetivo, encarei alguns clientes por alguns minutos até meu olhar cair em uma alta mulher, sua pele era cinzenta, um cinza escuro e desnaturado, seu cabelo longo, bagunçado e um mal cuidado tom de roxo, usava ombreiras também coloridas no metálico roxo, a cor de seus olhos cobertos pela sombra da franja, e um terno, desbotado e empoeirado, a ponta das mangas do pedaço de roupa rasgadas a tiras, ela estava meramente segurando uma garrafa de vinho um pouco vazia, a balançando e encarando o líquido revirando se dentro do vidro, meu olhar descansou a encarar ela por alguns momentos.
.
.
.
Ok talvez até demais-
Eventualmente eu me levantei e fui andando até ela... Claro, não antes de Eythlin e um pardo moço de cabelo escuro e curto, usando vestes pretas e manto azul terem apostado se eu ia ou não ia tomar coragem, a envergonhados mas ainda curiosos passos segui até perto de sua mesa, aí dei meia volta e desis-Não, a curiosidade matou o gato mas eu ainda tenho oito vidas. Parei a frente na mesa, e como o olhar da moça não parecia pousar em mim, nem sua boca curvar se em uma expessão irritada, me sentei em uma cadeira, aí sim o rosto dela se virou para a minha presença, e meus olhos desviaram se para o caderno e a caneta que estavam em minhas mãos, as amárgas risadas de Eythlin ressoando pouco atrás de mim, bem, que as gargalhadas sirvam de incentivo eu acho. Após me olhar devolta por alguns momentos a mulher simplesmente disse.
-Uuuh, olá? Tem algum assunto comigo ou só veio se sentar na minha mesa?
Ela apenas perguntou em seu esperado tom diferente, nervosa, eu olhei para a única coisa que levava em minhas mãos e ergui ambos caderno e caneta, e com um suspirar de hesitação, respondi
-Sim, sim, tenho, eu-Uuuh, eu sou uma escritora, queria pedir se posso escrever algo sobre ti.
-Ah, que tipo de literatura?
-... Tipo?
-Sim, sim, sabe, contos, crônicas, léguas.
-Eu.... Não sei, eu só vou escrevendo e vejo o que sai, as vezes é bom, as vezes não.
Em resposta ela riu, mas não era o tipo de risada que lhe insulta, ou o tipo que lhe despreza, não, parecia estar rindo de forma divertida, ou talvez entretida, depende do quão otimista eu quiser ser com a interpretação. Ou eu só sou trouxa mas como eu estou escrevendo relevo, mas seu tom não parecia insultante.
-Se funciona, funciona. Me daria a honra de saber o nome da escritora em mim interessada?
-Uh, Maire, Maire de grammaire, gramática em italiano.
-Hahah! Do italiano? Pizza-máfia, chique, chique, o meu é Nezumi Kenkyu.
-Rato e laboratório?
Este é um nome certamente... Peculiar.
-Sim, sim, japonês, como advinhou?
-Também queria saber.
Ela novamente riu, e me ofereceu o vinho que tinha, chamando Eythlin para pedir mais, Eythlin este que sorria enquanto recebia algumas moedas de um andarilho mal humorado, mas o tipo de dinheiro? Não faço a menor ideia, as moedas estavam longe demais para eu observar seja lá o que havia sido encravado, mas bem, Eyth se juntou a mesa e assim o dia prosseguimos, conversando, rindo, e claro, ela me contou algo para sobre o que escrever, porém deixo isso para anotações fúturas, acho que já foi demais para um único dia, fiquei jogando papo fora com... Nezumi, e Eythlin, conversando, bebendo, e junto de seja lá mais quem tinha algum motivo para se divertir. No fim daquilo estava com uma baita dor de cabeça, apenas varrendo o chão enquanto o ruivo ia fechando o restaurante.
-Então... Eu costumava escrever histórias sobre os moradores daqui?
-Sim, sim... E ainda costuma pelo visto.
-Como eram as histórias?
-Aí dependia dos sujeito da história.
-E qual tipo costumava ser?
Ele respirava profundamente a cada pergunta que eu fazia, porém até que ele parece estar se acostumando com isso, talvez tenha ocorrido antes ou ele só tenha decidido aceitar, me surpreende estar tão sem abalo, ele parece me segurar em um alto patamar.
-Mas... E você? Como é ter esse bar-Digo, restaurante, boteco, não sei.
-É... Divertido... Sim, é, é divertido, eu vejo homens em seus melhores e seus piores dias, mulheres comemorando um amor novo e lamentando um perdido, em todos casos eu recebo, ouço, converso, foi assim que você parou sobre minha asa.
-Como assim?
-Bem, um dia uma muleka com um caderno e um lápis veio pedir, "histórias que bartender ouve", e continuou vindo aqui.
-Eu moro aqui?
-Sim.
... E depois disso, silêncio, acabamos por não dizer nada um ao outro e apenas terminar de fazer o que estavamos fazendo, e no fim da noite eu estava deitada em um sofá, olhando para a noite pela janela, mãos juntas, peito para cima e rosto para o lado. Eu sou Maire... Quem caralhos deveria ser Maire?
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Crônicas De Uma Idiota
Historia CortaUma escritora pensa em gatos mortos enquanto dorme.