FÉLIX, Point of view
South Korea - Seul.Não tem sensação pior do que se sentir observado. Principalmente quando se sabe quem o está fazendo. Meu perseguidor era o meu pai. Sempre foi. Analisava de longe, com os olhos de uma águia sagaz. E talvez o que me perturbasse mais não seja essa obsessão por mim, mas sim o porquê dela; é uma pergunta que nunca fui capaz de verbalizar. Mas também nunca deixei de refletir.
Acho que seu objetivo é me criticar. Procurar defeitos, sondar comportamentos. Pode até ser um hobby, me transformar num fantoche. Chega a ser doentio essa fissura pela perfeição, essa busca perene pelo impecável. Eu queria dar um fim nela, mas essa era a única coisa da qual eu tinha medo.
- Você riria disso há alguns anos atrás.
O vinho foi direto para o cérebro. Por um segundo, enxerguei um borrão de Hyunjin plantado na minha frente. Pisquei algumas vezes, olhei de soslaio para o outro lado da piscina e lá estava ele: rodeado de mulheres, me encarando sobre o ombro de uma. Pensei que estivesse usando os olhos para me sufocar, mas mais uma vez era a ansiedade escalando minha garganta.
Me senti errado por falar com Hyunjin. De certa forma, pareceu indecente olhá-lo por tanto tempo. Senti as rédeas imaginárias do meu pai apertarem meu pescoço, e me virei para Hyunjin.
- As coisas mudam - suspirei, mas o peso não esvaiu com o ar. Com os braços cruzados, encarei a água da piscina. - Não tenho mais cinco anos.
Ele ficou parado. Não sabia o que estava pensando agora, mas me permiti enxergar pela última vez seu rosto de cinco anos. A cara de quem adorava aprontar pro meu lado ou simplesmente me irritar; agora estava vazia, esperando as palavras colaborarem.
Que merda o tempo fez dessa vez?
- Sabe, Félix, eu...
- O que você quer, Hyunjin? - perguntei mais alto do que planejei. Meio que o deixei sem saída quando andei um passo à frente e o fiz se escorar na parede. Eu não queria, mas era preciso. Hyunjin também não era dos mais corajosos. - Eu espero que seja só um olá, porque, olha, meu dia está bom demais para ser verdade.
Que mentira, Félix.
Em um instante, seus olhos ficaram escuros, exatamente como os do meu pai. Ergueu o queixo, e eu não sabia de onde desenterrou tanta coragem. Foi como se, subitamente, tivéssemos trocado de lugar.
- Eu prefiro você sóbrio.
Realmente, não tínhamos mais cinco anos.
Quando Hyunjin saiu, pisando forte e engolindo os últimos resquícios de uísque naquela taça, não vi mais o meu pai. Como se tivesse camuflado nas sombras dos coqueiros e sumido. Senti náusea logo depois. Sabia que ia vomitar. Era quase a rotina que seguia ao falar com meu pai; ou eu chorava, ou eu vomitava. Mas eu não podia estragar a maquiagem.
Entrei pelos fundos da mansão, e o primeiro cômodo era uma sala imensa, com as luzes todas apagadas. Graças a luz vaga do sol, enxerguei o caminho que me levaria ao banheiro sem esbarrar em algum vaso de flor que custasse minha vida ou alguma coisa do tipo. Caí em cima da pia e coloquei tudo para fora. E com tudo, quero dizer meio litro de vinho e pedaços de um bolo de morango. Foi quase bom não ter comido nada durante o dia: não tive trabalho para limpar. Mas em compensação, meu estômago doeu como se uma cratera estivesse se formando nele.
Enquanto lavava a boca, ouvi passos do lado de fora. Fechei a torneira e esperei pararem. Segundo meu instinto, havia três pessoas na sala. Ao abrir uma fresta da porta, meu cunhado se enfiou em disparada lá dentro, batendo com tudo as costas na parede.
- Félix! - disse ele, ofegante, como se nos encontrarmos no banheiro fosse a condição para continuar vivo.
- Seungmin? Mas que...
- Seu irmão quer me apresentar para o seu pai. E o seu pai... É o seu pai - explicou. - Ouvi dizer que ele é homofóbico.
- Só um pouco as vezes - E nós rimos.
- Estava fazendo o que aqui? - perguntou, inclinando a cabeça para a pia.
- Eu... Hm... - Tentei pensar numa desculpa (Seungmin era um menssageiro fiél ao meu irmão, se ficasse sabendo que voltei a vomitar, não pensaria duas vezes para dizer a ele, então eu estaria sujeito à passar por mais uma série de perguntas que embora eu saiba que importam e fazem juz a sua preocupação, me deixam ainda pior), mas não foi preciso, porque o estrondo do lado de fora que fez até a porta tremer me interrompeu. - Quem mais está lá fora?
- Só Hyunjin, acho.
- Então vamos conferir - declarei, apagando as luzes e mais uma vez abrindo apenas uma fresta da porta, me certificando de não chamar a atenção de ninguém. - Vem, vem.
Seungmin se espremeu ao meu lado, e lá estávamos: dois intrometidos dando a própria vida para investigar a alheia, como sempre.
Hyunjin estava lá, e seu pai também. Estavam discutindo sério. O pai dele o havia encurralado na parede, com as mãos firmes em seu colarinho. De longe, vi Hyunjin empurrar sem sucesso os ombros do mais velho e pressionar os lábios; era o que costumava fazer para segurar o choro. Eu quis interromper, mas antes resolvi me perguntar porquê, e não houve resposta.
- Experimente me desobedecer de novo, e te faço se arrepender de ter nascido - Sua voz ecoou pela sala. - Ouviu?
Hyunjin não respondeu. Como escudo de aço, o mesmo olhar que me deu há minutos atrás reformulou em seu rosto, o pai virou a cabeça, rindo baixinho.
- Falei com você, porra! - E reverberou um tapa em sua bochecha, o impacto fazendo seu corpo enfraquecer e desequilibrar para a direita. - Pela última vez: você me ouviu?
Hyunjin balançou a cabeça.
- Palavras, Hyunjin.
- ... Sim, senhor. - Entredentes.
- Perfeito - Largou ele, ajeitando o próprio terno. - Recomponha-se, vão servir o almoço. Espero que não me envergonhe rejeitando a oferta do desfile. - E saiu.
— Que desfile? — Seungmin perguntou quando fechei a porta.
— O que eu propus para as duas agências, lá em Paris. — suspirei. — Estou cansando dessa rivalidade idiota.
— Paris... Vocês vão lá o tempo inteiro, né? Deve ser incrível ser rico.
Inconscientemente, sorri fechado e cruzei os braços.
— Isso não significa nada, Seungmin.
VOCÊ ESTÁ LENDO
𝐒𝐄𝐕𝐄𝐍, 𝗵𝘆𝘂𝗻𝗹𝗶𝘅
Fanfiction━━━ 𝐒𝐄𝐕𝐄𝐍 ⤷ 𝗹𝗼𝗻𝗴𝗳𝗶𝗰 | 18+ Ninguém é perfeito. Mas todos buscam a perfeição, conscientes de que será impossível alcançá-la. Justamente porque não sabem o que é perfeito, e o que não é. E nem quem pode determinar isso. Mas há os que se ac...