Não há ninguém no bosque, apenas os órfãos perdidos, que nunca se entendem. O bosque é congelante - a existência tirita - e abraçarem-se seria uma grande ideia, sobretudo de noite; porém, a desavença que eles nutrem, orgulhosa e estúpida, não lhos permite.
Só não morreram ainda por pouco, mas vão morrer decerto.
O que os leva às turras é a questão do pai, isto é, do pai que não há mais, se é que houve. Um, o mais velho, segura tê-lo visto uma vez
"Foi beijar-nos, depois partiu; não o viste porque que era já de noite, e dormias!", brada ao irmão.
O caçula, por seu turno, não acredita tais palavras; retruca:
"Quem me garante que não estavas, também, dormindo, e somente sonhavas?!"
"Ora, não teremos pai, nossa mãe nos fez só?!"
A memória da mãe, que morreu protegendo-os, volta de repente como um golpe no mesmo lugar, a ambos.
Por minutos cultivam silêncio profundo, minutos que talvez durassem para sempre, não fossem os únicos no bosque, e um puma se achegasse deles sedento de seu sangue. É quando acantoam seus rancores e projetam fuga do animal.
O plano é um sucesso; despistado o felino, eles até riem de como quase não conseguiram. Contudo, olham-se e, ao atinarem que se reuniram na alegria, franzem de novo o cenho. Um faz questão de falar rudemente ao outro, apressando-o.
Cá para nós, o primogênito vê no irmão um insensível: não concebe que ele atribua à simples fantasia a existência daquele homem, tão extraordinário que não partiu sem deixar de beijá-los; apenas por que a mãe jamais falou-lhes dele e por que tarda a buscá-los.
Quanto ao mais moço, teme pela sanidade do irmão, insulado consigo naquela eternidade, perdido a ponto de achar qualquer caminho o ideal ,mesmo os que deem ao abismo. O pai não voltará, segundo ele, porque nunca existiu, nunca os beijou antes de sair para onde fosse. Do contrário, não haveria permitido que a mãe morresse daquela forma: teria, sim, derrubado a porta e dito:
"Voltei! Estava perdido neste bosque infinito, mas nem ele me pode deter! Não tenham mais medo, eu trouxe a força, não precisam mais ser fortes, eu o seja!"
Dormiram naquele mesmo local, e a madrugada foi mais fria que a anterior, já que estavam ainda mais apartados.
Não morreram por pouco aquele dia, mas vão morrer. É certo.
