Lizandra & Ele

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Querido G2.

Eu escrevi dezenas de cartas só pra chegar nessa, e eu ainda não sei oque te "falar", então não vou enrolar muito, vou direto ao ponto, direto a ferida. Posso até imaginar sua reação lendo essa carta, você provavelmente está se perguntando como eu tive a cara de pau de te escrever essa carta, afinal como uma pessoa saí pra visitar a mãe e não volta mais? Como uma pessoa some e não deixa rastro nenhum? Bem, eu não sumi, nem fugi, nem nada do tipo, eu apenas saí...

Quero deixar claro que não saí da vida de vocês, que seja lá oque você estiver pensando não é culpa de ninguém. A uns meses atrás eu vinha me sentindo muito mal, vinha vomitando constantemente, dores por todo corpo, tonturas rotineiras, um cansaço tão mais tão grande que era quase impossível me concentrar nas tarefas básicas. Cheguei a pensar que estava grávida, mas as seções de quimio e radioterapia me impossibilitaram de gerar um bebê, com o passar dos dias os sintomas foram de mal a pior até que eu finalmente tomei coragem e fui ao meu oncologista, para minha total surpresa e desagrado e tristeza e... Tudo de ruim, descobri que o tumor provavelmente havia voltado, logo corri para realizar todos os exames possíveis e depois veio a confirmação, o sarcoma estava de volta - Depois de 3 anos. - E dessa vez ele voltou pra me matar, voltou no último estágio, sem chance de cura, sem chance de vida. Meus dias estavam contados, meus meses estavam limitados, e eu já não tinha esperança nenhuma, também não queria dar esperança a vocês - Eu "disse" lá atrás que não havia fugido nem sumido, mas foi uma mentira, pra vocês e para mim. - Eu sumi sim, escolhi fugir, não queria que vocês nutrissem esperança por algo que já não havia saída, então pouco a pouco fui tentando concertar as coisas entre nós e quando vi que tudo estava em seu devido lugar, eu fui embora.

Viajei o mundo em minha companhia de balé, fui pulando de país em país, conheci diversas pessoas e aprendi sobre todos os tipos existentes de culturas, experimentei comidas novas e bebidas dos mais variados tipos, dancei, ri, chorei, abracei, me despedi, pulei de paraquedas, surfei nas melhores ondas, fiz snowboard, pratiquei todo tipo de esporte radical - Dos mais leves aos mais pesados, eu já estava morrendo mesmo, tinha que viver meus últimos meses de vida. - Eu velegei, eu voei, eu caí, eu mergulhei, eu fiz tanta mais tanta coisa.

Meus últimos meses de vida foram memoráveis, foram semanas incríveis que eu queria ter vivido com vocês, pensei que teria mais tempo, tempo para voltar e me despedir, de pedir desculpas e chorar nos braços de vocês. Escrevo essa carta lutando para sobreviver essa semana, hoje é segunda, véspera de Natal, estou sentada na cadeira da escrivaninha de meu quarto no Texas - Sim! Na casa de meus pais, viu só? No final de tudo eu vim visitar minha mãe. - Parei de andar na semana passada, depois que desmaiei a noite e acordei já não tendo forças nas pernas, sinto dor todo dia, vômito diariamente... Choro todas as noites também, porque não queria estar passando por isso, porque viajei por tantos lugares só pra tentar esquecer que estava morrendo, porque estou com medo... Porque estou preparado pra morrer.

Escrevo essa carta já cansada mas lutando pra sobreviver até o final de semana e terminar de escrever a última carta. Sinto falta de vocês, as vezes sonho com suas risadas, as vezes me pego discando o número de vocês só pra ouvir suas vozes... Quero que saibam que estou bem, me sinto em paz, obrigada por cada momento que cada um de vocês me proporcionaram, eu amo vocês, sempre irei levá-los em meu coração.

[...]

Querido Gianluca. Ei garoto! Oi g... Sou eu... Ora essa! Você sabe que sou eu!

Desculpa! Nunca havia escrito uma carta de despedida antes... Mas agora eu estou aqui e você está aí... E eu morri... Seria cômico se não fosse trágico... E meu Deus! Finalmente posso dizer isso! *Coçando a garganta.* Se você está lendo isso é porquê eu morri. Eu escrevi dezenas de cartas só pra chegar nessa, e eu ainda não sei oque te "falar", então não vou enrolar muito, vou direto ao ponto, direto a "ferida".