Prólogo: Na Escuridão

9 1 1
                                    

O feiticeiro se viu preso naquele lugar.

Aquele putrefato porão onde o terrível cheiro de morte exalava pelo ar e sufocava o homem que lutava contra as influências malignas que faziam-se presente na atmosfera pesada da sala. Mas o cheiro de morte não era o único odor daquele cômodo, pelo ar o feiticeiro conseguia sentir também o iminente cheiro da guerra, a fétida essência da pestilência e a aterradora necessidade da fome. Todos estavam presentes durante a ascensão do garoto.

No porão, havia um espelho em frente ao homem com seu sobretudo preto, ele o reconhecera, de alguma forma o era familiar. Aquele espelho de madeira e acabamento refinado com pequenos arabescos dourados em suas pontas que ao invés de refletir sua imagem, refletia o passado daquele homem. As imagens que piscavam em sua mente ao olhar o vidro obscuro daquele objeto eram de seus amigos perecendo em seus braços naquele mesmo porão, agora destruído. Sem salvação. Sem a esperança de conseguir escapar da escuridão. Todas aquelas ilusões invadiam sua mente como o grito estridente de um trovão e refletiam tão angustiantemente como os flashes de um relâmpago.

Aquele espelho no canto da sala apoiado na parede mofada e repleta de infiltração era como um tecido, o tênue véu que separava o plano terrestre no qual o feiticeiro se encontrava da dimensão demoníaca que aqueles seres vieram. Ele os via através do vidro, via suas garras e seus rostos como borrões. 

Suas bocas abertas de maneira tão desproporcional ao rosto, eles nem ao menos escondiam mais sua natureza, não queriam mais se passar por humanos, eles sabiam que o feiticeiro os enxergava por quem eles eram… Na verdade, pelo o que eles eram.

Aquelas criaturas não-humanas que ameaçavam escapar para fora daquele portal enquanto batiam com toda a força no vidro que estava tão desvanecido que o simples bater de asas de uma borboleta poderia quebrá-lo. 

Ele sentia a pressão atmosférica ao seu redor se concentrando em sua cabeça e comprimindo seus neurônios que com dificuldade trabalhavam para pensar em uma forma de conter tudo aquilo, pois ele sabia que se aquele espelho quebrasse e o portal se abrisse, todos da cidade estariam perdidos, condenados. O mundo pereceria ao sucumbir às trevas que incessantemente e fervorosamente tentavam se livrar das amarras de sua dimensão condenada. 

Naquele momento, era apenas o garoto, o feiticeiro… E o destino dos cidadãos de Infinity Falls.

A atmosfera tremeluzente que precedia a tempestade que estava prestes a cair sobre a cidade estava tão palpável que poderia ser cortada com uma tesoura. Todas as milhares de vozes que sussurravam, falavam e gritavam na cabeça do feiticeiro tentavam o corromper, era isso que demônios faziam eles se agarravam aos seus traumas mais profundos para tentar te manipular e te condenar. O homem conhecia esses truques, essas artimanhas psicológicas e ilusórias que faziam de sua mente um parque de diversões. Eram estes mesmos sussurros que abriam cada vez mais as rachaduras nas paredes mofadas ao seu redor. 

Rachaduras que expeliam moscas e vermes que voavam ao redor do porão e se arrastavam na direção do homem em pé, estático, pois ele sabia que tudo isso não passava de uma alucinação. Essas criaturas não estavam lá de verdade. Era tudo uma tentação dos demônios, eles mexiam com a sua cabeça, faziam você acreditar que todas as razões que você tinha para viver eram triviais… Inexistentes.

 Seus sussurros eram cortantes. Suas vozes barulhentas. Seus gritos estridentes. Cada palavra de desalento destruiria mentes frágeis, despreparadas… Eles se alimentavam de pensamentos bondosos corrompendo-os e levando consigo mentes jovens como a do menino em frente ao feiticeiro.

O garoto estava estático. Não respondia a nenhum dos seus chamados. Ele via em seus olhos, estes que encaravam o vazio em seu peito, o vazio em sua mente, em seu coração e espelhavam esse eco para o exterior ao mudar a cor dos olhos do rapaz, que foram de castanho claro para totalmente escuros como o piche fervendo que existia nos fossos do submundo. 

O Diário de Investigações de Adam White - Volume 1 - A Cidade Dos DemôniosOnde histórias criam vida. Descubra agora