Mais um dia de trabalho, espero que não seja um dia triste.
Mesmo assim entro no hospital com o maior sorriso no rosto, usando um uniforme mais colorido possível cheio de personagens que as minhas crianças gostam, com o cabelo arco-íris e tiara de unicórnio, afinal, eu sou a Dra. Unicórnio. Trago felicidade a todos os que precisam.
Ontem mais uma bela garotinha deu entrada no hospital, e todos os departamentos pediátrico foram assinados, o porque? Abuso.
Essa garotinha de apenas 10 anos de idade foi violentada de todas as maneiras existentes. Depois da prisão da mãe, que a vendia entroca de drogas, a menina óbviamente foi tirada da custódia da mãe e encaminhada instantaneamente para o hospital. Recebeu todos os cuidados que precisava, o que foi extremamente bom.
Depois de todos os exames feitos foi descoberto que a garotinha tinha câncer no colo do útero. Como não tenho muita experiência com esse tipo de câncer estou trabalhando duro para achar uma solução.
Confesso que estou nervosa, mas chegar lá com uma fisionomia igual a de todos não vai ajudar em nada na recuperação dela.
Hoje vai ser nosso primeiro encontro, espero que dê tudo certo que ela confie em mim.
- Melissa? - digo batendo na porta - posso entrar?
Ela faz que sim com a cabeça.
-Eu sou a Dra. Pamela e vou cuidar de você, tá bom?
Ela não diz nada.
- Você é muito linda sabia? Quantos anos você tem?
- 10.
-Nossa! Que grande você é. Eu tenho 30 anos. E a sua coleguinha de quarto tem a mesma idade que você, já conversou com a Clara? Ela é muito legal, acho que vocês duas vão se dar bem.
Os pais de Clara me olham mas não dizem nada.
- Bom, você sabe porque eu tô aqui?
- Pra cuidar de mim?
- Isso! Mas você sabe o que eu vou fazer?
Balança a cabeça indicando que não.
- Tem um dodoi na sua barriga, e eu preciso cuidar, você sabe o que é?
- Não.
- Então, tem um órgão dentro da sua barriguinha que se chama útero, e nele tem um câncer. Um câncer do mal, e eu preciso tratar a sua barriguinha pra você ficar melhor.
- Dra. Pamela - diz tímida - porque eu tenho esse câncer?
Meu sorriso se desfez. Como que vou explicar? Como que vou dizer que tudo que fizeram com ela causou isso? Como posso manter um sorriso no rosto enquanto falo disso?
- Você sabe que as pessoas mas fizeram com você né? - acena que sim com a cabeça - esse dodoi que vc tem na sua barriga aconteceu por causa disso, e ele tá aí já faz um tempinho, por isso temos que tirar ele daí bem rápido. Entendeu?
- Sim.
Consegui.
- Agora eu vou ver esse câncer mal, vou ver com essa máquina que eu trouxe junto comigo. Ela se chama ultrassonografia, e é perfeita pra ver o que tem dentro da sua barriguinha. Posso dar uma olhada?
- Vai doer?
- Não, não vai. Só esse gelzinho que é um pouco gelado. Ele vai me ajudar a ver tudo. Posso colocar?
- Pode.
Coloco o gel na barriga dela e passo a maquina pela barriga dela. O câncer está maior que eu pensava. Tava conseguindo manter o sorriso até que vejo algo que não me passaram.
Salvo as imagens para mostrar aos outros encarregados no caso.
- Pronto terminamos. Agora eu tenho que ir, mais tarde eu volto tá?
- Dra. Pamela, posso falar com você?
A mãe de Clara me pergunta.
- Claro, por favor.
Saio da sala e ela me segue.
- O que queria me dizer senhora Dias?
- Você acha mesmo que tinha necessidade de falar aquelas coisas?
- Eu tinha que explicar a situação pra minha paciente senhora, mas porque me diz isso? Sua filha não sabe do que aconteceu com a Melissa.
- Mesmo assim, você não acha que ela ficou curiosa pra saber o que as " pessoas más " fizeram? E ainda por cima falar pra essa garota...- interropo.
- Falar o que? Pra Melissa conversar com uma garota da mesma idade? Alguém que pudesse ajudar a esquecer do que aconteceu com ela mesmo que seja por pouco tempo? Olha senhora, sei que está preocupada com sua filha, mas não acha que essa menina tentaria deixar esse assunto de lado ao máximo possível? E se você tem medo que sua filha pergunte o que as " pessoas más " fizeram, explique de uma forma que a senhora ache melhor e explique o porquê ela deveria evitar esse assunto. Se for só isso, já vou indo. Até mais tarde Senhora Dias.
Saio andando em direção à sala da diretora do hospital.
- Com licença senhora, preciso falar urgentemente sobre o caso da Melissa.
- Nossa, mas é claro. O que aconteceu?
- Essa menina está grávida!
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Agora eu entendo vocês... Me desculpem.
DiversosAmo crianças, e elas me amam. Por isso sou pediatra. Confesso que no começo eu pensei em desistir mas persistir com essa ideia foi a melhor coisa que eu já fiz. Descobri na minha residência que ver crianças sofrendo nem se compara com adultos...