Abismo

Capítulo Dois

Seu corpo balançava sutilmente de um lado ao outro, em decorrência da estrada de terra pela qual passavam naquele momento. Sentado confortavelmente nas almofadas coloridas de sua carruagem, Shen Jiu sentia a cabeça latejar mais conforme as horas se passavam. Viajavam a quase dois dias e, para sua sorte, ainda estavam a um dia e meio de chegar até a Província do Norte.

Se remexeu em seu lugar, sentindo as costas começarem a reclamar por passar tanto tempo na mesma posição. Definitivamente, ele não havia nascido para viagens tão longas quanto aquela. Resmungando baixinho, deslizou até a pequena janela da carruagem a abrindo apenas o suficiente para que pudesse ter uma visão do lado de fora.

Eles há muito haviam ultrapassado as planícies, a paisagem que outrora era verdejante e ensolarada agora dava lugar às altas e íngremes montanhas do desfiladeiro do qual se aproximavam.

Ignorando toda a paisagem que ele, com certeza, não estava com ânimo para apreciar, Shen Jiu espichou a cabeça para fora.

— Shang Qinghua — chamou, vendo o servo que andava no cavalo ao lado de sua carruagem lhe encarar. — Estou cansado, quanto tempo falta até nossa próxima parada?

— Sinto em lhe dizer, meu Príncipe, mas parece que não haverá paradas até que ultrapassemos o desfiladeiro.

O desgosto presente no rosto bonito de Shen Jiu era visível, as sobrancelhas franzidas e a boca fina se revirando em um pequeno bico faziam com que o jovem adulto parecesse uma criança birrenta aos olhos de Shang Qinghua.

Antes que pudesse demonstrar seu desagrado, uma voz grossa que se aproximava da carruagem chamou sua atenção. Montado em um cavalo de pelagem escura, o capitão da guarda que o escoltava olhava em sua direção com seus típicos olhos severos.

— Perdão por interrompê-los, meu Príncipe, mas peço para que volte para dentro da carruagem.

— Liu Qingge, qual o problema?

— O desfiladeiro é comumente conhecido por ser uma terra de ladrões. Não é seguro para Vossa Alteza que fique exposto dessa forma. — o homem respondeu de forma simplista.

Shen Jiu olhou para o homem silenciosamente, antes de retornar a dizer:

— Por que estamos pegando um caminho tão perigoso?

— Dar a volta pelo desfiladeiro nos renderia mais três dias de viagem, meu Príncipe. Vosso pai foi bastante claro em querer que fôssemos rápido em nossa viagem.

O príncipe mordeu o lábio inferior, irritadiço pelo comportamento irracional de seu pai. Oras, como o imperador ousava pôr em risco a vida de seu próprio filho em razão de seu próprio egoísmo? Completamente inaceitável!

Apertou as mangas de sua roupa luxuosa, ato que com certeza deixaria marcas no frágil tecido que vestia, sem mais vontade de conversar com qualquer outra pessoa. Se ajeitou em seu assento, voltando a se pronunciar com uma voz fria:

— Certo. Avisem-me quando formos tirar um descanso, eu gostaria de poder esticar as pernas um pouquinho.

— Claro, meu Senhor.

Sem mais palavras a serem trocadas, Shen Jiu se fechou novamente no interior de sua carruagem, maldizendo todos aqueles responsáveis por sua situação desafortunada.

[...]

Não sabia em que momento havia se rendido ao sono, apenas percebeu que adormecera quando acordou assustado devido a um estranho balançar na carruagem seguido de sons altos e gritos raivosos. Zonzo pela sonolência e sem entender o que acontecia, o príncipe deslizou pelo estofado até a pequena janela de madeira, abrindo-a em um súbito movimento.