• SUCULENTAS •

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Echeveria lauii

"Até as plantas tem família. Até elas tem a quem puxar. Até elas não querem se parecer com alguém"

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Freya Ricci estava atrasada. Como de praxe, ela entrou e saiu de casa mais de duas vezes para pegar algo desnecessário, mas que fora esquecido. De primeira, foi o lenço amarelo de seus jeans, depois, seu porta moedas da sorte e por último, a suculenta de exatos 20 centímetros de diâmetro.

A planta, dos três, era o mais útil, pois seu destino era o Centro de Botânica Cadára: rede de ensino e preservação da natureza. Também conhecido por ter o maior concurso de cactáceas de toda a região metropolitana de Cabrestante da Âncora. Aquela quinta-feira prometia ser o melhor dia da semana, pois após acompanhar os primeiros colocados dos dias anteriores soube de imediato: sua amada Genevieve ganharia o ouro no podium.

O rádio do Jeep amarelo anunciava uma garoa no fim da tarde, típica da primavera no litoral, mesmo que não houvesse nenhuma nuvem no céu e o vento estivesse tranquilo. A voz mecânica da apresentadora foi interrompida pela chamada de áudio.

"No volante" Disse sem tirar a atenção do parabrisa.

"Imaginei" A voz feminina falou distante entre ruídos do outro lado.

"Você tá cozinhando? São duas da tarde, Hilda"

"Nem todo mundo é desocupado, Fey" A irmã mais velha, que dirigia, fez uma careta pelo tom ácido gratuito, ficando em silêncio. O único som dentro do carro era produzido suavemente pelas bolhas da fervura. "Kyung quer falar com você"

"Meu avô não tem celular, não?"

"Ta me chamando de pombo correio? É reunião de família"

Finalmente os olhos castanhos claros olharam para a tela, vendo somente o contato Cortadeira sendo exibido junto a foto do sorriso banguela Rony, seu sobrinho.

"Cadê meu pai?" Perguntou, enquanto procurava por alguma vaga.

"No Brasil"

Freya prendeu seus cabelos castanhos e azuis no topo da cabeça, se encostando no banco. Queria chamar a irmã de todos os palavrões que conhecia, mesmo que detestasse xingar.

"Hilda, quando você quiser falar sério me ligue de novo, vou me ocupar"

"Eu não tô brincando. Papai nem terminou de pedir aposentadoria e já está mandando foto do Rio de Janeiro com nossa mãe... você veria se entrasse no grupo da família"

"E a empresa, Hilda Ricci?" Perguntou desacreditada, ouvindo um choro familiar.

"Seu sobrinho precisa ser limpo agora. Só aparece na casa do Kyung as dezenove"

Kyung. Hilda Ricci não tinha uma das melhores relações com o avô paterno, chamá-lo de avô seria uma das falsidades mais nojentas para si mesma.

Freya olhou para a planta meio azulada ao seu lado. Algumas flores nasciam e ela se conteve para não arrancar; as concorrentes só poderiam ser tocadas vinte e quatro horas antes da análise final. Abriu a porta, voltou-se para pegar Genevieve e sua bolsa, rumou até a entrada cheia de faixas do Centro e suspirou. Poucas coisas não poderiam ser resolvidas com um suspiro.

Suculentas, dormideiras e pés de caju ●《 KNJ 》Onde histórias criam vida. Descubra agora