Boazinha demais para mim

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"É importante que você seja gentil, doce, amável, bondosa, cortês e dedicada. Enquanto para muitos, esse é apenas um estágio natural da vida, para você, a escola é política", disse o Rei a Terra, sua filha. Enquanto ela fitava seu reflexo no espelho, duvidava se seria capaz de lidar com o mundo além dos jardins floridos de privilégios.

A chegada dos filhos da nobreza, criados e educados em palácios, à Escola Comum foi um dos eventos mais aguardados da estação. Este era o lugar onde todos os cidadãos, exceto os nobres que recebiam tutoria particular, eram instruídos sobre estratégias de guerra, desenvolvimento de habilidades, história, lendas, feitiços e até mesmo habilidades artísticas. Na estação anterior, durante o verão, surgiram divergências entre grupos de oposição e a coroa devido aos privilégios concedidos aos nobres. Isso causou grande revolta, uma vez que um dos princípios fundamentais daquela sociedade era a igualdade de oportunidades. Diante da indignação generalizada da população em relação à crescente desigualdade e à crise política em Alba, a corte decidiu adotar uma estratégia de paz. Para acalmar a reação pública, a medida tomada foi colocar todos os filhos da nobreza na Escola Comum, decisão posta em prática logo na estação seguinte.

O coração de Terra batia com tanta força que gerava pequenas ondulações de vibração em seu peito. Ela não foi apresentada como princesa; todos sabiam que os novos colegas pertenciam à nobreza, mas desconheciam exatamente seus títulos. Devido aos frequentes ataques praticados por grupos revolucionários, a nobreza optara por proteger a identidade de seus filhos. A decisão de enviá-los à Escola Comum era o movimento mais audacioso em anos, representava o uso de suas armas mais valiosas.

A aura dos féricos é visível e é ativada pelas emoções, os fortalece, é um mecanismo de defesa. No entanto, também revela toda a vulnerabilidade que as emoções podem provocar. Com apenas 13 anos, Terra não conseguia camuflar seus sentimentos. Uma luz intensa irradiava dela, impossível de ignorar. Para muitos, era evidente que ela era a princesa. As tensões políticas tornaram o primeiro dia de Terra ainda mais difícil. Os professores, muitos dos mais fervorosos apoiadores da revolução contra a coroa, notaram sua identidade e começaram a lançar insultos contra a monarquia, o rei e, por extensão, a própria princesa. A situação era quase insuportável e parecia não ter fim.

"Oi, você não está bem, né?" disse um colega de classe, mas não obteve resposta. Seja gentil, lembrou Terra das palavras do pai, "Tá tudo bem, só não estou muito animada", continuou ela. "Não é o que seu rosto diz", respondeu o garoto. "Ah, que isso, não precisa se preocupar, eu estou bem", insistiu a princesa. "Você está mentindo, nobreza. Isso não é legal por aqui. Ninguém mais aceita mentiras vindas da nobreza". Lágrimas começaram a brotar nos olhos de Terra. "Ei, calma, é brincadeira, não chora não, odeio ver os outros chorando, sou fada da água, eu choro junto", tentou consolá-la. Essa frase arrancou um sorriso tímido de Terra. "Qual é o seu nome?" perguntou ela. "Viko", respondeu. Um silêncio se seguiu por um momento. "Agora você me diz o seu, nobreza", ele disse. "É Terra", ela respondeu. "Criativo", disse ele rindo. "Deixa eu adivinhar, você é de ar?". Terra riu novamente. "Você está sendo muito gentil, obrigada. Eu nunca saí de lá", confessou ela. "Vai ser bom para você, você vai ver", afirmou o rapaz, continuando, "Agora vou te ensinar a disfarçar essa aura, presta atenção..."

...

*A música está muito alta e Leroy precisa gritar*

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*A música está muito alta e Leroy precisa gritar*

"Olha só quem está ali!", grita Leroy, animado. "Sabe, pensei nisso no caminho... Seria muito engraçado se a Terra encontrasse o Viko lá na festa". Fayra pergunta a Terra, "Você vai falar com ele?", mas não recebe resposta. Viko está de mãos dadas com uma moça loira, sorridente. Ele parece muito bem...

"Ele namora ela?" perguntou Lill

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"Ele namora ela?" perguntou Lill. "Sim, ela é incrível!!!" respondeu Leroy, balbuciou mais baixo ao se virar para Terra, "Desculpa, amiga.". E continuou para Lill, "Ela é a vocalista da banda que vai tocar aqui.". "Nossa, chocado", comentou Lill. 

Terra não sabia bem como reagir. Aquilo significava alguma coisa? Fazia tanto tempo, tinha sido alguma coisa em algum momento? Terra tinha dificuldades em entender o que os outros sentiam por ela; para ela, era como se sentisse tudo sozinha. Isso a deixava ansiosa. Será que era só ela que se sentia assim por estar diante dele?

A garota loira subiu no palco e começou a primeira música, uma canção sobre corações partidos. Terra saiu da casa.

Lá fora, o barulho abafado da música permitiu que ela ouvisse o som dos próprios batimentos, mais alto do que o normal. Ela olhou para as casas fechadas, para a rua quase deserta, notando um grupo de três pessoas compartilhando um cigarro na outra esquina, rindo alto. A vida lá fora parecia simples. Por alguns segundos, Terra desejou ter vindo antes, ter experimentado a tão proibida liberdade humana. Toda a degradação que lhe foi contada parecia tão fascinante naquela noite. Os humanos eram autodestrutivos e belos ao mesmo tempo. Teria valido a pena? Ela seria realmente tão feliz como imaginava que estaria em sua versão alternativa como humana?

Ela ouve ao fundo a voz da vocalista anunciar uma participação especial no show, "Senhoras e senhores, aplausos para ele, Victor, o meu namorado gato". Ele subiu no palco, enquanto algumas pessoas gritavam e aplaudiam, pegou um violão emprestado de um dos companheiros de sua namorada e, coincidentemente ou não, cantou uma música que falava sobre uma garota doce, boa demais, certinha demais para o poeta... brilhante como uma manhã de sol, doce como uvas, bonita como o vinho, e que talvez, só talvez, se ele esperasse o suficiente, a veria amadurecer, "fermentar como o vinho" dizia a canção, que continuava afirmando que até lá, ele (o poeta) preferia a amargura de um whisky puro, um café preto às 3h da manhã, ela era boazinha demais para ele.

De uma maneira estranhamente intensa, aquela música lembrava Terra do que ela mesma havia significado para Viko pouco antes de ele partir, as instruções recebidas pelo pai sobre sua conduta ecoavam todos os dias na sua mente e elas estavam mais altas do que nunca agora: ""É importante que você seja gentil, doce, amável, bondosa, cortês e dedicada. Para você, a vida é política".

Terra precisava voltar para casa!

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