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"Your lips, my lips

Apocalypse

— Cigarrets After Sex."


A primeira vez que eu o vi tocar foi no casamento do Shorther, e devo ser honesto com o fato de que não prestei muita atenção, isso porque eu já estava bêbado antes mesmo da festa começar. A segunda vez foi em uma apresentação que Shorther insistiu que eu fosse, já que, primeiro, sua esposa não poderia comparecer, segundo, ele tinha um ingresso sobrando e, terceiro, piano e baixo são quase a mesma coisa — de onde ele tirou isso?

É engraçado pensar sobre isso agora porque não consigo entender como não prestei atenção nele na primeira vez. Como não me dei conta da vibração no ar, da velocidade com que seus dedos se movem ou em como seu corpo se curva de forma sútil em direção ao piano. Em como ele fecha os olhos por um breve segundo a mais quando atinge partes da música que gosta ou como sua respiração se altera insanamente quando para de tocar. Em como seus olhos brilham, seus lábios se apertam e um sorriso minúsculo surge no canto de sua boca. Tipo, como eu não me dei conta disso antes?

Mas mais importante do que isso, agora, o que eu realmente gostaria de entender, é como caralhos eu não me dei conta do erro enorme que iria cometer antes de tê-lo cometido.

Afasto o rosto devagar ainda sentindo o calor e a surpresa da boca de Eiji formigar sobre a minha própria. Seus olhos castanhos me encaram espantados por um breve momento.

— Eu... — gaguejo quando seu semblante se fecha de forma abrupta.

— Nossa aula acabou — interrompe ele, se afastando de mim, colocando-se de pé, encarando o lado oposto da sala.

Merda, merda, merda! Onde eu tava com a porra da cabeça?!

— Eiji, eu...

Nossa aula acabou, Liam — sibila de forma áspera, fazendo com que meu estômago afunde enquanto ele segue em direção a porta do loft.

— Eu sinto muito — gaguejo enquanto agarro minha mochila, indo atrás dele —, sinto muito mesmo, eu não tive a intenção de... — tento explicar no caminho para fora da casa, mas a porta se fecha antes mesmo que eu tenha chance de formular uma frase completa.

Encaro a madeira escura sentindo minha sanidade escorrer por entre meus dedos, transformando meus membros em geleia.

Onde caralhos eu estava com a cabeça? Como isso aconteceu? Eu não consigo sequer lembrar do momento em que o beijei! Mas que porra!

Jogo minha mochila sobre o ombro e me afasto da porta, descendo as escadarias do edifício até as ruas geladas de Nova Iorque. O vento frio e a neve atingem meu rosto com força e só então me dou conta de que meu casaco ficou para trás.

— Merda — resmungo, correndo em direção ao carro, batendo a porta com violência enquanto me afundo no banco do motorista.

Meus lábios formigam e eu levo os dedos gélidos até eles, soltando um suspiro longo. Eu o beijei. Caralho, eu beijei mesmo ele. Outro suspiro. Afogo o rosto entre as mãos, lutando contra o turbilhão de sentimentos que se formam em meu peito, e então puxo meu celular do bolso:

"Ainda está no consultório?"

"Sim. Por quê?"

"Estou indo para aí"

"O que aconteceu?"

Afundo o celular de volta no bolso da calça e ligo o carro, dirigindo sem muita atenção. Meus dentes batem com o tremor que se instala em meu corpo e eu respiro fundo, tentando não pirar completamente. Estaciono algumas ruas abaixo do lugar certo e literalmente corro em direção ao edifício, passando pela recepção quase que em um risco, ignorando completamente o elevador livre parado no andar. Sigo pelas escadas o mais rápido que consigo e só paro de correr quando já estou em frente à porta de vidro, onde o nome do Shorther se estica em uma linha curva sob o símbolo da psicologia.

A Música em VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora