Berinjela Empanada

14 2 0
                                    

Há um debate constante na Associação de Pequenos Restaurantes de se devemos cozinhar pratos vegetarianos ou veganos. Eu não vou muito nas reuniões, não sou fã desse tipo de coisa. O debate é sempre acirrado, os chefes mais jovens e modernos costumam defender a inclusão desses pratos com unhas e dentes, no entanto, a Associação ainda é dominada pelos chefes conservadores, que defendem o uso da carne em seus pratos. Acho que estamos em uma sociedade livre e democrática até onde se permite, logo eu faço os dois tipos quando quero.

Eu gosto de fazer berinjela empanada. Gosto de criar uma casquinha bem crocante, enquanto deixo o interior macio. Os clientes gostam de ouvir o som da casquinha se quebrando. Eu gosto do processo de empanar, é bem prazeroso observar a formação da camada crocante.

Yeosang uma vez disse que não se sente bem comendo carne, ele não é adepto do estilo de vida vegano ou vegetariano, mas seu estômago não compreende a força da carne. Logo decidi preparar essas alternativas. Ele precisa comer e ficar bem.

...

Em uma quarta-feira qualquer, algo inesperado aconteceu.

Quando o sininho tocou, me virei, um cliente novo entrou em meu restaurante. Ele vestia um casaco sobre uma camisa social típica dos escritórios que rodeiam o bairro.

-Boa Noite, o Senhor faz Gimbap de graça? Perguntou, indicando a placa, desconfiado.

-Uhum, só de quarta! Sorri. Ninguém acredita, com razão, em comida de graça.

O cliente sentou-se no banquinho e pediu um prato de Gimbap e uma garrafinha de Soju. Yeosang apareceu logo depois, e também se surpreendeu em ver outra pessoa no restaurante.

-Qual o seu nome, por favor, perguntei, educadamente.

O cliente retirou sua carteira do bolso e me entregou um cartão de visitas de um escritório de advocacia.

-Choi Jongho, servi um pouco de Soju em seu copo, ele inclinou a cabeça em agradecimento.

Desde tempos imemoriais, nossa sociedade possui hierarquia. Jongho é um conhecedor das leis e do sistema, apesar das visões do filósofo chinês Shang Yang, de que a lei deve ser entendida por todos, as coisas não funcionam exatamente assim. Os códigos que regem nossa sociedade podem ser confusos e complexos, logo pessoas como Jongho se colocam em um local acima na hierarquia por compreender essa linguagem codificada e misteriosa, como as inscrições nas tumbas dos reis do passado. Em meu trabalho de servir, aprendi que servir bem agrada a todas as classes, contanto que a pessoa não seja um babaca querendo problemas.

-Seonghwa, o que você fez hoje? Estou sentindo um cheiro interessante vindo da cozinha! Indagou Yeosang, com seu olhar de criança curiosa.

-Ah! Eu preparei umas berinjelas empanadas, quer provar?

-Claro! E uma água, por favor!

Servi a berinjela sobre uma tigela de arroz com legumes refogados e aproveitei o momento para observar os meus clientes. Enquanto Jongho comia, ele respondia algumas mensagens no celular, após esse ato da rotina contemporânea, ele retirou um livro de bolso e o abriu na mesa para ler. O livro era um clássico filosófico, desses utilizados nos tempos antigos para ensinar lições de vida. Yeosang tomou o seu remédio antes pegar uma tira de berinjela com os pauzinhos junto de um gomo de arroz. Eu aprecio o hábito que ele possui de fechar os olhos enquanto dá a primeira mordida. É tão fofo e respeitoso, como se estivesse rezando ou meditando.

-Chefe, chamou o Senhor Choi.

-Sim, Senhor Choi?

-Seu Gimbap é muito bom, tenho que admitir, um dos melhores que já consumi, eu gostaria de perguntar se o Senhor faz pra viagem?

-Hm, não é comum me pedirem para viagem, mas faço para alguns clientes, então posso fazer para o Senhor. Os tratamentos formais são de extrema importância com esse tipo de cliente. Jongho olhou para o cardápio do tipo, abriu sua carteira, retirou algumas notas e as colocou no balcão.

Peguei o dinheiro, o coloquei dentro de meu avental e depois procurei o troco no envelope que mantenho para essa função, entreguei e fui lavar as mãos para preparar o pedido pra viagem.

Eu gosto de montar pedidos, principalmente em colocar as coisas no lugar, como peças de lego. Levei o pedido para o advogado, que já havia se levantado e aguardava na porta. Ele fez uma reverência e desejou boa-noite para todos presentes, mesmo sendo apenas eu e Yeosang, que retribuiu o aceno.

-Ele aparenta ser alguém de posses, como diria minha mãe, comentou Yeosang.

-Mhm, concordei, Muitas pessoas ricas possuem essa áurea melancólica, bom, acho que é uma característica das classes elevadas.

-Sua é Berinjela está muito boa, Seonghwa! Elogiou. Isso aqueceu meu coração de forma inexplicável.

Ele bebeu um gole de água, apoiou o cotovelo no balcão e descansou o rosto sobre a mão.

-Hoje é um daqueles dias que não quero voltar pra casa, não tenho trabalho e nem cursinho, logo não há uma obrigação...

-Hm, Casa e Lar são coisas diferentes, como as palavras em inglês, House and Home.

Ele cobriu a boca e bocejou, exausto.

-Me desculpe...

-Sem problemas...se quiser, pode passar a noite aqui, eu tenho um colchão a mais, as vezes recebo uma visita, se quiser claro, só não repare que vivo em um cubículo...

Yeosang riu, acanhado, e respondeu:

-Aceito sua oferta, Chefe Hwa...  

Jantar das Quartas-Feiras - SeongsangOnde histórias criam vida. Descubra agora