Capítulo 1

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Olho em minha volta. Já faz um tempo que estou do lado de fora de casa, sentada no gramado. Encaro os diversos banners e cartazes com o rosto do rei Oliver.

"Pfff, rei", eu penso. Ele tem a mesma idade que eu. "Por que ele é rei?", uma pergunta feita muitas vezes pelas crianças. E eu tento responder, sem fazer questão de realmente explicar, dizendo "Porque ele não passa de um adolescente com uma autoconfiança exorbitante." Nós dois temos somente 17 anos, e ainda assim ele conquistou tudo isso.

A história é o seguinte: quando o rei fez 15 anos, ele resolveu mudar tudo. Aparentemente ele nasceu com todos os poderes imagináveis do nosso povo. Levitação, teletransporte, absorção de luz, controle das sombras, telecinese, telepatia, e todas as outras centenas que existem na nossa sociedade.

Como se isso não bastasse, ele ainda tem uma aparência incrível – bom, dizem que ele tem. Eu não concordo com as opiniões alheias. Não é porque ele tem um tipo de heterocromia que ele se torna automaticamente bonito. Mas essa foi uma de suas armas para conquistar o trono – sua beleza.

E é assim desde então. Ele no poder, sem fazer a mínima ideia de como controlar um país – porque ele é um adolescente. Não acredito que nosso reino seja uma monarquia absolutista, mas do jeito que as coisas vão, estamos seguindo esse caminho indesejável.

Volto para a vida real. Eu costumo vagar muito em pensamentos.

Observo a rua na frente da minha casa. Tem algumas carroças passando por cima do paralelepípedo desgastado com o tempo. As construções depois da calçada também são antigas, mas ainda são habitadas.

Eu moro no centro histórico de Lesande, então todos os prédios são velhos e estão desgastados. Mesmo que a história deva ser preservada, acredito que restaurar as construções não mudaria tanto – mas ninguém quer gastar dinheiro com isso. O rei prefere investir no Exército para poder conquistar os outros reinos mais fracos à nossa volta. Mesmo que isso seja inútil, visto que nosso governante tem todos os poderes possíveis, e pode torturar quem quiser para conseguir qualquer coisa.

Volto para dentro de casa, pois acho que vai começar a chover. E eu estou certa. Poucos minutos depois, gotas grossas começam a atingir a janela da sala de estar. Subo as escadas em direção ao meu quarto, e passo pela minha mãe no caminho. Cumprimento ela, que voltou da loja mais cedo.

Meus pais têm trabalhos diferentes entre si. Minha mãe trabalha como designer e costureira em uma loja de tecidos, roupas e vestidos no novo centro de Lesande, usando sua telecinese para ajudá-la em seu ofício, enquanto meu pai trabalha para o governo em uma ferraria, fazendo armaduras e espadas para o Exército, usando sua manipulação de metais. Nunca ganharam salários exorbitantes, mas podemos viver uma vida muito boa em Portduo.

Estou muito cansada, e como começou a chover demais lá fora, decido dar um cochilo. Vai ser pouco tempo, não vou dormir tanto. Tenho que acordar bem antes do jantar.

Deito-me de lado na minha cama. Tento acalmar minha mente e relaxar, mas não consigo. Continuo vendo o rosto do rei Oliver toda vez que fecho os olhos. Mas me obrigo a fazer isso, porque estou muito cansada.

Decido que mais tarde preciso fazer algo a respeito, mas por agora, vou descansar.

*

Acordo atordoada, sem fazer ideia de que horas são. Espero não ter perdido o jantar. Desço as escadas e olho em volta na sala de jantar. As luzes estão acesas, mas não encontro meus pais em lugar nenhum. Decido ir procurá-los.

Dou uma olhada no quarto deles, mas não os vejo. Então, saio de casa, esperando encontrá-los sentados na grama, como costumavam fazer quando eu era pequena. E lá estão eles.

- Vocês já jantaram? – eu pergunto.

- Ainda não – responde minha mãe. – Estávamos esperando por você.

Que bom. Estou mesmo morrendo de fome.

- Estávamos falando sobre a época em que você era pequena e ficava correndo de um lado para o outro com o seu amigo.

Amigo? Não me lembro dessa idade, mas tenho quase certeza de que sempre fui uma garota sozinha, sem ninguém.

- É verdade – diz meu pai. – Aquele garotinho loiro, não é? Qual era o nome dele mesmo, Emily?

- Uhm, não tenho certeza. Talvez Oliver?

Não. Não pode ser. Mas eu quero só ter certeza.

- Esse tal de Oliver faz aniversário no mesmo dia que eu?

- Sim, sim – responde minha mãe ao se lembrar. – Vocês até comemoraram alguns juntos! Chamaram amiguinhos da escola.

Eu só conheço um Oliver que é loiro e faz aniversário no mesmo dia que eu. E esse garoto está sentado no trono neste exato momento, governando o reino no qual eu nasci. Não existe chance de eu ter sido amiga – e próxima – do rei. De jeito nenhum. Eu me recuso a acreditar. Aquele garoto mimado, que matou o governante antigo pra conquistar o poder? Eu passo. Com certeza.

- Que cara é essa, Maya? – pergunta meu pai.

Droga. Eu não percebi que estou fazendo careta. Volto meu rosto ao normal, mas não resisto ao impulso de perguntar:

- Vocês sabem que o atual rei se chama Oliver, faz aniversário no mesmo dia que eu e é loiro, não sabem?

- Nossa, é verdade! Não tinha reparado!

- Pai! Você trabalha para ele! Você deveria saber essas coisas! – Penso por um segundo. – Isso quer dizer que eu já fui amiga do atual rei?

- Melhor amiga! – Corrige minha mãe.

Eles não fazem a menor ideia, não é mesmo? Isso quer dizer que, se eu me lembrar dessa época, eu posso usar as informações para chantagear Oliver e conseguir uma vida ainda melhor para nós! Poderíamos nos tornar nobres e meus pais não teriam que trabalhar mais! Mas isso vai ser um pouco difícil, porque não me lembro de quase nada, e tenho certeza que meus pais, menos ainda.

Mas ainda não consigo acreditar. Melhor amiga do rei. Entretanto, tenho que esquecer isso por enquanto.

- Vamos jantar? Estou com muita fome, e não consigo esperar mais – mudo de assunto. Mas mesmo enquanto voltamos para dentro, não consigo parar de pensar na conversa que acabamos de ter.

Depois da refeição, digo boa-noite aos dois e me dirijo ao quarto. Deito-me na cama e fico revirando meus pensamentos. As descobertas dessa noite ainda estão frescas na minha cabeça.

Decido esquecer tudo para ter de sono. Me viro para o lado e fecho os olhos, tentando me livrar da imagem de Oliver – o mesmo problema que tive mais cedo, e consegui resolver.

Mas mal sabia eu que sonharia com os profundos olhos castanhos de dois tons diferentes, com os fios loiros os emoldurando.

A Chama da MagiaOnde histórias criam vida. Descubra agora