Enquanto os primeiros raios de sol acariciavam as paredes envelhecidas do quarto que há poucas semanas pertencia as irmãs Celeste e Angeline, ele dava os primeiros sinais de que hoje seria o seu último dia habitado por Celeste. Angeline não pertencia mais aquele mundo. Angeline foi livre, livre da obrigação de honrar o nome da sua família, livre de casar-se com o homem que sua irmã amava, mesmo que Angeline não entendesse bem a razão para tal amor. Angeline foi livre, pois se fez livre para seguir o seu coração.
A união de Guilhermo, um exímio estrategista ao cartel Beltrán era a última esperança para que ele não fosse exterminado. Guilhermo assumiria a liderança da Beltrán com o casamento, e traria um novo tempo para o cartel, que estava quase sendo extinto com a morte da três dos quatro fundadores. O manteria vivo. Angeline era a moeda de troca perfeita desde o início, pois Guilhermo amou Angeline, de tal modo que ele jamais imaginou que amaria e de uma forma que ele jamais seria capaz de amar novamente, mas Angeline não amou Guilhermo de volta. Celeste sim.
Os passos eram altos, a agitação dos preparativos enchia cada pedaço daquele quarto de solteira, enquanto Celeste se maquiava delicadamente, ansiosa pelo momento que subiria ao altar. Duas semanas antes da cerimônia havia ajudado sua irmã caçula a fugir com o homem pelo qual ela havia se apaixonado, e para quem tinha entregado sua virgindade. Mesmo que não houvesse mais amor, um casamento com Guilhermo Madero nessas condições, fadaria toda a família Beltrán a morte.
— Eu não posso me casar com ele, Celeste. Eu amo Henry, irei com ele para o outro lado do mundo, e jamais nossos pais haverão de saber de mim novamente. — Angeline no auge de seus dezessete, quase dezoito anos declarava de forma irreverente, enquanto sentia a angústia de ter que se casar com Guilhermo. Ela era revolucionária. Fugir, era a maior revolução que ela poderia fazer por si mesma. Fugir por amor, como repetia todas as noites enquanto planejava a fuga.
— Ele não gostou de mim, irmã, se tivesse gostado, eu me casaria com ele — falava Celeste, se sentindo triste, pois de fato, ela sempre teve olhos para Guilhermo, em cada um dos jantares que frequentava o via e suspirava por ele. Além de amá-lo, era a filha mais velha, com seus vinte e dois anos, se considerava mais apropriada para casar-se com Guilhermo, não só ela, como seus pais também, tanto que a proposta inicial era para que Guilhermo tomasse Celeste como esposa. Mas os olhos dele brilhavam por Angeline desde que as famílias entraram em um acordo, quando a moça ainda tinha quinze anos, e assim foi feito, o casamento ficou marcado para o dia seguinte ao aniversário de dezoito anos de Angeline.
E tudo teria dado certo nessa união. A família e o cartel Beltrán estavam em decadência, Guilhermo Madero era um homem que estava disposto e tinha poder e influência o suficiente para ajudar o cartel a voltar aos tempos de glória, além do que, o cartel ainda mantinha algum respeito internacionalmente, mesmo que dentro do México todos soubessem que eles estavam prestes a cair devido aos golpes sofridos e as perdas, ainda assim, era um cartel com um nome forte, que poderia ser reerguido, bastava apenas um homem com poder, ferocidade e influência o bastante que fosse capaz de reerguê-lo. Guilhermo Madero era esse homem.
Mas nenhuma das duas famílias havia previsto o que iria acontecer, uma visita de Henry Poirot ao México, interessado em um acordo de comercialização de drogas com o cartel de Sinaloa, um simples acordo comercial, que mudaria os destinos das três famílias para sempre.
Henry sabia que Angeline era prometida a Guilhermo quando a viu, Angeline soube que Henry era casado quando se apresentaram, mas isso não impediu que o desejo e o amor entre os dois crescesse e se espalhasse como um vírus quando se conheceram por acaso em um passeio da jovem para comprar o seu enxoval. Henry se aproximou e o cortejo foi feito, foi amor à primeira vista. Toda a desgraça havia se iniciado. Ambos se entregaram a paixão desenfreada de seus corações, alimentando-se do prazer dos corpos um do outro, e depois disso, Henry sabia que não seria capaz de deixá-la para trás.
Ele bolou um plano, e com a ajuda de Celeste conseguiram planejar e executar a fuga de Angeline, duas semanas antes do casamento. Ela e Henry fugiram para a Inglaterra, onde construiriam uma vida feliz, ao menos, era nisso que Celeste acreditava. Elas demoraram anos até conseguirem se falar novamente. Sua irmã estava indo atrás do amor e do homem que amava. Ela faria o melhor que pudesse agora para fazer Guilhermo amá-la também.
Celeste seria paciente, o conquistaria aos poucos. Havia muito amor dentro de si, amor o suficiente para os dois, se assim fosse preciso.
Quando a fuga de Angeline foi descoberta, Guilhermo investigou e tentou atacar a Inglaterra, mas as defesas já estavam preparadas, a distância geográfica, e a necessidade de assumir o cartel para dar andamento aos acordos comerciais o obrigaram a retornar. Celeste foi dada no lugar de Angeline, acreditando em sua inocência que sua doçura e seu amor seriam capazes de fazê-lo esquecer da irmã.
Um sorriso ansioso brotou nos olhos de Celeste quando finalmente estava pronta para a cerimônia.
— Abuelita — Celeste exclama com um sorriso largo que não é correspondido por sua avó, pelo contrário, em seu rosto há profunda tristeza, pois a idosa sabia o destino que aguardava sua neta, pobre menina, pensou, desejando e pedindo aos céus que a vida dela pudesse ao menos ser uma vida digna. Ela conhecia o ódio reprimido em Guilhermo, e a sabedoria da idade lhe dizia que aquele ódio seria distribuído em doses homeopáticas.
— Seu noivo já está no altar, chegou a hora querida — a voz macia e baixa transmitia com clareza a tristeza em sua avó querida, o clima não era diferente entre seus pais, por mais que Celeste tentasse animá-los com o casamento, nenhum deles era capaz de comemorar, diferente de quanto Angeline era a noiva.
— Eu vou resolver tudo, Abuela, mamá e papá também verão!
— Espero que sim, niñita — respondeu carinhosamente, sentindo que talvez, essa fosse a última vez que veria sua neta, logo a idosa soltou um longo suspiro cansado — espero que sim.
Celeste tratou de não se incomodar com o clima de enterro de sua família, ela sentia que estava onde deveria estar. E seu sorriso alegre e triunfante a acompanhou por todo o caminho até o altar, tentando ignorar os hematomas que começavam a sarar no corpo do pai que a levava de cabeça baixa até lá. Isso não ia se repetir, Celeste pensava, era apenas a raiva do momento. Os homens eram violentos quando contrariados, ainda mais no meio em que ela vivia. Celeste já sabia disso muito bem, mas ela acreditava que poderia mudar a situação, estava dedicada e decidida a isso.
Guilhermo pegou sua mão e a trouxe até o altar, seus olhos frios como gelo não intimidaram Celeste, sua determinação era potente, ela estava disposta a tudo para mostrar o quanto o amava, e o quanto seria uma esposa excepcional para ele. Os votos frios também não intimidaram Celeste. Ela tinha convicção do que queria e de como deixaria a situação ao seu favor.
— Puede besar a la novia — a determinação do padre fez o coração de Celeste se acelerar de expectativa, não seria o seu primeiro beijo, mas seria o primeiro com o homem que lhe arrancava suspiros desde a adolescência. Ela o observou com parcimônia enquanto ele se aproximava dela girando o rosto até seus lábios tocarem a ponta de sua orelha. Celeste estremeceu.
— Eu sei que você a ajudou. Eu não vou esquecer, e farei questão de te fazer lembrar, por todos os dias da sua vida. — Sussurrou Guilhermo de forma pausada no ouvido de Celeste, antes de beijá-la o beijo de Judas.
Pela primeira vez desde que Angeline fugiu, Celeste sentiu medo, e não deixou de senti-lo por mais nenhum dia durante sua curta vida.
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Beijos e até semana que vem!!!
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O Carniceiro
Romance🔞🔞DARK ROMANCE 🔞🔞O CARNICEIRO🔞🔞 Dário Madero é a personificação do medo no México, liderando o temível cartel Beltrán Levya ao lado de seu irmão gêmeo, Gael. Conhecido como o 'Carniceiro', Dário carrega um legado de sangue e poder, mantendo in...