Os pais de Clarke se separaram há muitos anos. Tanto que ela nem ao menos se lembrava das feições de seu pai, já que era pequena demais e desde então, eles nunca mais se viram. O que restara era apenas um vislumbre dele.
Sua mãe Lauren se casou novamente alguns anos depois, porém Erick sofreu um acidente de moto e infelizmente faleceu. Foi tudo tão repentino que ambas mal tocavam no assunto mesmo depois de terem se passado dois longos anos.
Quando Arthur as deixou — isso é o que a menina presumiu durante todo esse tempo —, Clarke tinha três anos e agora, aos dezoito e prestes a ingressar na faculdade, ela se sentia ainda mais só nessa nova cidade para qual se mudara com sua mãe. Era uma cidadezinha no meio do nada da Grã-Bretanha, mais precisamente na Cornualha chamada de Truro, uma ilha com ar pitoresco e noites tão frias que era comum avistar geada pela manhã.
Lauren havia recebido uma proposta para ser professora de História medieval na faculdade Truro and Penwith College, onde Clarke cursaria paleografia. Era tudo tão novo, tão diferente da agitação de Londres que por muitas vezes, a menina ficava entediada.Era terça feira e Clarke estava atrasada para a primeira aula, que era de chinês arcaico com o professor Grimmes. Olhou as horas no celular e arregalou os olhos verdes, estava ferrada. Nunca tinha se atrasado tanto na vida, entretanto, tomou um banho às pressas e lavou os cabelos castanhos claros, quase num tom loiro escuro. Praguejou enquanto descia a escada correndo por não conseguir secar o cabelo adequadamente.
— Eu sei, eu sei. Não precisa me olhar com essa cara. — Disse para sua mãe, que a olhava enquanto estava sentada à ilha da cozinha tomando seu café pacientemente, mas que como uma boa professora, também detestava atrasos.
Clarke pegou só uma maçã verde e roubou uma mordida da torrada com manteiga de sua mãe.
— Quase a deixei ir de ônibus. — Bufou e se levantou, arrumou a blusa de seda perolada e a saia lápis preta. Pegou sua pasta em cima de uma das outras três cadeiras e se virou, prestes a sair. — Podemos ir?
Lauren era uma mulher muito bonita, mas não só isso, ela era elegante e alta. Seus cabelos eram ondulados e castanhos, porém só um pouco mais escuro que os de sua filha e os olhos eram de um azul cristalino.
— Sim, mãe. Já estou pronta. — Clarke apressou-se em dizer. — Passa as chaves do carro, professora Wemyss. — brincou, abrindo a porta que dava para a garagem. A casa delas era uma propriedade antiga — mais precisamente de meados de 1865, que pertencia ao reitor da faculdade, porém havia passado por algumas reformas até os dias atuais. Era a maior casa da rua, com uma varanda evidente e que ostentava uma pintura meticulosa em um tom tosco de verde e a porta da frente era de mogno escuro.
— Você detesta dirigir, Clarke. O que é que te deu? — Implicou Lauren, já entrando no lado do carona do SUV preto.
— Sede de independência, mãe. —Piscou e ligou o carro, abriu o portão da garagem e saiu devagar.
Lauren riu, era quase absurdo ouvir a filha dizer aquilo, já que desde sempre tivera liberdade para fazer o que bem entendesse, claro que dentro das regras. Não se recordava de impor nenhuma regra sobre ir e vir, exceto a do toque de recolher que era à meia noite.
— Ah, por favor, você sabe bem que a todo momento teve liberdade. Sempre teve um excelente senso de responsabilidade, por isso a deixo fazer o que quer fazer, filha. — Ponderou Lauren, visivelmente afetada.
Clarke riu, adorava implicar com sua mãe. Parou no sinal vermelho da Avenida Finley, na altura da travessa Greenlow. Já estavam bem perto do campus da faculdade.
— Mãe, eu só estou te perturbando. — Disse, ainda rindo e olhou brevemente para sua mãe, que semisserou os olhos, revelando uma falsa raiva.Assim que chegaram, Clarke estacionou o carro na vaga de sua mãe, que era bem próxima à entrada principal.
— Suas aulas irão demorar hoje? — Questionou à menina assim que saíram.
Clarke pegou a mochila estilo carteiro de couro preto que estava jogada no banco de trás.
— Não, mas a minha professora de inglês saxônico, a senhora Jung quer que a gente visite o museu mais tarde. Parece que inaugurou uma exposição do Rei Arthur e ela disse que é importante sabermos mais a fundo quem ele foi realmente, e bom, como influenciou positivamente a Cornualha. — Deu de ombros enquanto andava lado a lado de sua mãe.
Lauren esbranqueceu-se ainda mais que o habitual, ficando tão pálida quanto uma folha de papel. — O que foi, mãe?
Antes que sua mãe pudesse responder, alguém tocou o braço de Clarke gentilmente. Era Griffin.
—Bom dia, professora Wemyss. Oi, Clarke. — Ele sorriu e apressou-se em dizer logo a seguir: — precisamos ir, o senhor Grimmes odeia atrasos, lembra?
Griffin era alto e seu cabelo era num tom loiro escuro, sempre bem despojado num penteado para trás, olhos cinzentos e ligeiramente grandes, prestes a fisgar sua atenção. Ele era inteligente e educado, mas não só educado; ele era polido.
Em alguns momentos, Griffin se expressava com tanta compostura que quase soava formal demais, antiquado demais. Mas ele era muito bonito. Era tão atraente que todo seu floreio ao falar, tornava-se charme.
— Sim. Certo. — Clarke concordou. Entregou a chave do carro para sua mãe.
— Sempre é um prazer vê-la, senhora Wemyss. — Griffin coetejou e como um bom cavalheiro, beijou a mão de Lauren, que pareceu não se importar.
Clarke olhou para aquilo com estranheza e observou o grande corredor, esperando que mais alguém estivesse olhando para toda àquela situação, contudo, todos estavam interessados em viver suas próprias vidas.
— Vamos, Griffin. — O puxou gentilmente pela manga da jaqueta jeans propositadamente rasgada em algumas áreas. — Até mais tarde, mãe. — Sorriu ao se despedir.— Chegaram na sala com quase quarenta e cinco minutos de atraso. Parabéns. — Ironizou o professor Grimmes, olhando em seu relógio de pulso.
Franklin Grimmes não sabia expressar sua frustração naquele momento. Via tanto potencial em ambos os dois alunos, que bufou ao tirar os óculos, estava visivelmente frustrado. Os outros olhavam atônitos para os dois, como se estivessem prestes a revelar algo, mas que não tinham permissão.
— Sentem, vai. Logo. — Parecia não só frustrado, mas bravo.
Clarke e Griffin não sabiam quantificar quantos pedidos de desculpas deram até suas carteiras.
Franklin recolocou os óculos de lentes redondas e passou as mãos pelo suéter de lã verde musgo, como se quisesse desamassá-lo. Já estava na casa dos seus quarenta anos, porém não aparentava ter mais que quarenta e um ou quarenta e dois anos. Seus olhos eram verdes escuros, quase do tom de seu agasalho e ele tinha a estranha mania de respirar alto, como se quisesse sempre se fazer presente no ambiente. Grimmes tinha um perfeito controle de sua turma, além de seu conteúdo, que era pra lá de interessante. Griffin o achava brilhante. Mas para Clarke, ele tinha um ar triste e cansado, já que estava sempre com a barba por fazer. Era um homem consideravelmente bonito, mas ainda assim, de certa forma, triste.
— Bom, estávamos falando da estrutura fonética do chinês da dinastia Shang, senhor Gwalchavad e senhorita Wemyss. — Pigarreou. — Mas antes, gostaria que me revelassem uma coisa interessante. — Grimmes se curvou brevemente e pegou uma pasta na gaveta de sua mesa.
A classe ficou completamente em silêncio. Franklin se apoiou na mesa, ficando de frente para os alunos. A sala parecia um anfiteatro, como se fosse uma sala de cinema, porém com grandes mesas dispostas nos cinco degraus e fileiras de cadeiras acolchoadas que acompanhavam tais mesas. Logo à frente, havia a lousa e a mesa do professor. No teto, na parte de trás tinha um projetor, caso necessário e seis alto falantes, três de cada lado da sala, já à frente, acima do quadro, um aparelho de ar condicionado. Do lado esquerdo, uma janela de tamanho considerável que mostrava o grande lago e o jardim da propriedade, onde muitos alunos gostavam de tomar sol no verão.
— Pois bem... — continuou ele. — de qual cor é essa pasta, senhor Gwalchavad e senhorita Wemyss? — Inqueriu Franklin, chacoalhando no ar o objeto notoriamente de cor vermelha.
— Vermelha, senhor Grimmes. — Os dois disseram em uníssono.
Os outros alunos começaram a rir e Franklin estalou sua língua, deixando aparente toda sua reprovação.
— Turma, de que cor é esta pasta?
— Verde. — Afirmaram com tanta certeza que foi a vez de Griffin rir.
Clarke se voltou para trás, olhando a turma. Estava completamente perdida.
— Senhor, a pasta é vermelha. — Ela reafirmou.
Todas as pessoas ali riram novamente, menos os dois.
— Tem tanta certeza assim, senhorita Wemyss? — Desafiou Grimmes. — Pois bem. Senhorita Ori. — Apontou ele, como se escolhesse aleatoriamente a menina ruiva que sempre ocupava a primeira fila em suas aulas. Meneou as mãos, como se não desse importância e sorriu. — Qual a cor da pasta então? —Franziu os lábios, a desafiando.
— Verde, senhor. — Ela fora categórica.
— É irrefutável que a pasta é verde, senhores. Logo, não há o que discutir. — Grimmes encerrou.
Clarke levantou a mão, para a surpresa de todos.
— Desculpa a petulância, mas não sou daltônica, senhor Grimmes. É vermelha.
Griffin segurou o braço de Clarke e meneou a cabeça em negação.
— O que foi, senhor Gwalchavad? — Implicou o professor, tirando seus óculos novamente e limpou as lentes no suéter. — O que acha da pasta? — Franklin se aproximou deles.
— Ela é verde, senhor. — Cedeu.
A turma zombou, estavam aos gritos naquele momento. Clarke não acreditou no que acabara de ouvir. Griffin estava alucinando como todos os outros?
Grimmes mexeu a cabeça e recolocou os óculos.
— Todos quietos. Parem. — Ordenou Franklin calmamente e todos pararam imediatamente. — Continuando... — Olhou atentamente para Clarke, que prestava atenção. — É evidente que a pasta é vermelha. — Afirmou e piscou para Clarke, parecia estar orgulhoso. — O que acabaram de presenciar é a fragilidade humana diante da pressão do ambiente, senhores. — Estalou a língua novamente, desta vez olhando para Griffin. — Jamais achei que você cederia. É uma pena.O resto da aula transcorreu tranquilamente, ninguém conseguia mal piscar os olhos ou perderia algo bem relevante, que seria importante algum momento mais tarde.
— Preciso que tragam na próxima aula uma redação de no mínimo uma página, frente e verso inteiramente escrita em mandarim ou chinês arcaico. O tema é a importância das dinastias que se estabeleceram na China até os dias atuais. Caso precisem de leitura de apoio, separei na biblioteca os livros: A ascensão das dinastias em meio as guerras de unificação da China, por Zegers Zhu e Um dilema chinês: uma visão filosófica sobre as dinastias chinesas, por Parvati Yuko. — Grimmes fechou sua pasta e terminou de apagar toda a lousa. — Ambos são bilíngues, por isso vão notar que são livros consideravelmente volumosos. Até sexta, pessoal.P.S.: CAPÍTULO NÃO FINALIZADO, É APENAS UMA AMOSTRA DO MESMO.
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As Crônicas Do Dragão
FantasyClarke Wemyss é diferente, porém ela nem sabe de todas as suas distinções. Ela possui um passado que não conhece direito e sua mãe, Lauren a esconde de seu povo há bastante tempo, mas agora que seu pai morreu, Clarke precisará assumir seu verdadeiro...