Me levantei antes da luz da manhã tingir os céus de laranja, quando você é filho dos administradores de uma pensão você está sujeito a este tipo de tarefa, uma vez que as coisas precisam estar em ordem quando seus clientes acordam. E não digo que são muitos, também não são poucos, Tian é uma cidade localizada entre duas grandes cidades e muitos param para descansar ou poder estar perto da cidade sem precisar estar no meio do caos de uma metrópole. Porém com as novas tecnologias esse caminho se tornou mais curto, diminuindo nossa clientela, meus pais até encontraram uma atividade para conseguir uma grana extra.
Porém hoje é um dia diferente, teremos clientes, eles reservaram alguns quartos para cinco dias e pagaram bem por isso, o que animou até mesmo a vovó. E em meio a toda esta agitação eu fiquei encarregado de limpar os quartos e receber os novos clientes quando estes chegassem, o que não demorou muito, pois assim que terminei de arrumar o ultimo dos quatro quartos escutei dois carros estacionarem, esperei na porta para recebe-los e guia-los aos seus respectivos quartos. O primeiro a entrar foi o pai, um homem alto e carrancudo, logo em seguida uma mulher elegante com feições espertas como as de uma raposa, depois uma senhora que parecia ter mais de duzentos anos, acompanhada de perto por três rapazes gêmeos com cara de quem pratica bullying com você, não muito mais velhos do que eu, e por fim uma garota de cabelos azuis e expressão de tédio passou por mim escutando música alta em seus fones.
Guiei todos para seus respectivos quartos e fui para a cozinha ajudar meus pais, na verdade buscar mais tarefas, minha mãe é uma famosa cozinheira e ela e meu pai tomam conta desta parte.- Mãe, terminei o meu serviço, tenho algo mais para fazer?
- Acho que no momento não Rayel - Minha mãe disse e então teceu alguns comentários baixos para meu pai sobre a falta de educação dos novos hospedes - Sua avó foi tentar arrumar alguma informação sobre o que podemos fazer de almoço.
- Não creio que essas pessoas sejam fáceis de agradar - Eu disse baixinho - Eu vou me retirar então.Escutei minha mãe cochichar mais alguns comentários sobre como aquelas pessoas eram mal encaradas e se valia a pena esse estresse e sai da cozinha. Me sentei na sala e fitei o local, tentando me lembrar de alguma coisa que havia planejado para aquele dia, mas como não lembrei de nada fui me sentar no meio fio da calçada de onde podia ver um grande campo verde. Uma vista verdadeiramente bela, pouco apreciada pelos visitantes, mas que podia trazer calma e se você souber esperar, ventos frescos e com cheiro de lavanda, este era meu point de descanso e meditação. Dessa vez entretanto meu momento foi interrompido por passos ecoando no concreto da calçada, olhei para trás e a garota estava lá, parada no portão, decidindo sobre se juntar a este mero mortal ou dar meia volta.
- Posso me sentar? - Por fim ela se aproximou e perguntou.
- Fique a vontade, não vou oferecer nada para a senhorita - Eu disse sorrindo simpaticamente - Eu só sou garçom do portão para dentro.
- Então o que faz aqui deste lado? - A garota guardou os fones no bolso.
- Procuro algum sossego, e talvez memória, a minha anda muito ruim - Eu disse rindo - Cada dia é um esquecimento diferente.
- Quem sabe um passarinho te conte - A garota disse com um leve riso - Não esperava que você fosse fazer graça nesse momento.
- Eu posso ser bastante humorista as vezes - Olhei para ela e reparei mais em seus aspectos, olhos tristes porém brilhantes e ela parecia realmente interessada na conversa, sorri - Só não conte para eles - Apontei para dentro da pensão - Já tenho muitas funções aqui.
- Esperava que você fosse mais quadrado - Ela olhou de canto de olho para mim com um risinho.
- E eu esperava que você fosse rabugenta, talvez arrogante e mimada - Dei de ombros.
- Eu posso ser essas coisas - Ela lançou um olhar desafiador - Depende da pessoa que você é.
- Olha, eu posso ser redondo, triangular, talvez até meio hexagonal se você preferir - Sorri para ela procurando criar um laço - O que você achar mais legal.
- Que tipo de conversa é essa? - Ela riu.
- Estou tentando ser divertido, aqui não tem muitas pessoas com quem eu possa fazer amizade - Resumi.
- Amizade é? - A garota ponderou, e disse finalmente - Me chamo Ryla.
- Eu sou Rayel.
- Olhe, me desculpe parecer deste jeito, eu fui criada em um lugar rigido, tradicional e frio, e perto deles, preciso manter a compostura.
- Eu sinto muito, e apesar de querer de dizer "Poxa, deixe-me te ajudar", eu sei que seria em vão, mas espero poder ser de boa companhia ao menos - Suspirei e olhei o horizonte.
- Você tem razão, eu mesma não sei como me ajudar, quem dirá alguém que acabou de me conhecer - Ryla suspirou e seguiu meu olhar para o mar.
- Você tem um sonho? - Perguntei tentando melhorar o clima.
- Um sonho... Ser feliz, ter uma companhia fiel, poder aproveitar as pequenas coisas, talvez me sentar mais vezes em um meio fio e conversar - O sorriso de Ryla se tornava cada vez mais brilhante.
- Um bom sonho... Eu também espero um dia poder sentar e olhar uma paisagem desta, relaxar conversando e tomando um suco.
- Espero que se realize - Ryla se levantou e limpou a roupa - Então, eu vou me retirar, não conte que essa conversa aconteceu certo?