Prólogo

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Eu gostaria de um lugar onde minha reputação não me perseguisse.

Meus olhos percorrem a cidade, notando os comerciantes fecharem suas portas às pressas, os olhares apavorados das mulheres, puxando seus filhos contra o peito, os protegendo. A poeira espessa que sobe graças ao galope dos cavalos nubla o dia perfeitamente ensolarado, sendo como uma névoa em um dia seco. No entanto, ela não é suficiente para impedir que eu note os olhares julgadores, a forma que Fort Worth, uma cidadezinha no interior norte do Texas, se torna como uma cidade fantasma, com todos seus moradores correndo para dentro de suas casas.

Enquanto para os negociantes de gado, que lucrarão milhares nas famosas negociações por cabeças que ocorrem na cidade, a nossa chegada com o rebanho inteiro é um milagre, tornando Fort Worth em seu oásis particular, para aqueles que não estão envolvido na negociação o lugar se torna um meio acre do inferno, como os mais enfurecidos com o que a vila se tornou costumam a chamar.

A cidade, que marca uma das paradas da trilha Chisholm, graças aos seus currais, que abrigam desde gado até ovelhas, se torna uma espécie de feira ao ar livre para a venda dos animais conduzidos do sul do Texas, onde o valor da cabeça é desvalorizado, até o norte, em que vale quase cinco vezes mais. A trilha é cruel, dois meses tendo que atravessar rios, riachos, planícies irregulares e, na pior da hipóteses, ter que entrar em conflito com os nativos de territórios que a trilha cruza. Chegar até aqui sem perda de cabeças, é motivo suficiente para os cowboys comemorarem sem limites, infringindo a lei, entrando em conflito com xerifes, virando noites e noites nos saloons, gastando os poucos dólares que ganhamos para atravessar o percurso. A cidade se torna um caos, por isso os moradores nos odeiam.

A má fama dos cowboys se estende de norte à sul, nós não somos bem vindos nas cidades, muito menos queridos. É raro achar uma pensão decente que aceite me hospedar, no entanto, dói um pouquinho quando a quinta senhora atrás do balcão do pequeno hotel me olha dos pés à cabeça, murmurando com desdém:

— Não aceitamos homens como você aqui, por que não procura uma cama em um bordel?

Eu não a julgo, provavelmente já teve que vivenciar vários golpes, com cowboys passando dias hospedados e não pagando depois, após terem gastado todo seu pagamento pela travessia na cidade mesmo, com álcool, meretrizes e cigarros.

— Vamos procurar um lugar tranquilo, Lewis — eu murmuro ao meu cavalo, o puxando suavemente pela guia, conforme volto a colocar meu chapéu sobre a cabeça.

O lenço cobre meu nariz e boca me protege da poeira que ainda paira pela cidade, o garanhão e eu caminhamos por uma hora, até encontrar uma região tranquila na agitada cidade, um campo com a grama extremamente verdinha, cintilante ao fim da primavera. Eu prendo o animal à árvore, desabando deitado no chão sob a copa, deitando minha cabeça sobre meu chapéu, enquanto resmungo, sentindo cada célula do meu corpo tremular em dor, minhas costas destruídas após dois meses montado sobre a sala, saindo dela apenas nas raras vezes que encontrávamos um lugar seguro para parar junto às centenas de animais, sendo acordado bruscamente quando um decidia tentar fugir, mal tendo tempo de acordar completamente antes de pular sobre Lewis, meu laço em minha mão sendo como uma extensão do meu braço, girando e girando no ar algumas vezes até cair com perfeição sobre a cabeça ou patas do boi fujão, que era cercado por outros cowboys até ser completamente capturado.

Eu gostaria de ser como eles, quer dizer, os outros cowboys. Gostaria de encontrar alegria em um copo de bebida, derreter como cera de vela toda carência ao redor do meu coração com o calor de algum prostituto. No entanto, em todas vezes que tentei, apenas me senti pior, porque além de não ter felicidade, não tinha também a pouca quantia que poderia juntar às minhas outras economias.

Se não tivesse a reputação ruim inerente aos cowboys, que me segue por aí como uma sombra, eu poderia ter um quarto de pensão agora, com uma cama quentinha, um banho com água aquecida e comida fresca. Se eu não vinhesse de uma linhagem de tantos que viveram e morreram sobre sua sela, talvez eu pudesse ter uma vida comum: com uma família, abraços calorosos e noites dormidas com algo além de estrelas.

Eu não quero parecer ingrato, sempre fui incentivado a ter orgulho da minha profissão. As histórias e canções folclóricas sobre as aventuras vivenciadas nas travessias de gado, a forma que somos representados como um orgulho nacional, que domou a selvageria do sul após a Guerra Civil, recolhendo o gado selvagem, enfrentando o clima hostil e conflitos com nativos, faz com todos ao meu redor pareçam mais que felizes com sua profissão. No entanto, eu sou diferente, sempre fui.

As travessias parecem me maltratar dobrado, a tristeza é minha única companheira, junto ao desejo incriminado por uma vida um pouquinho melhor: não quero fortuna como alguns, nem terras ou fama. Eu gostaria apenas de uma família, mãos suaves ao acariciar meu rosto, beijos molhados e sussurros apaixonados. Sei que a carência é normal entre os cowboys após meses em uma travessia, no entanto, o meu tipo de clamor por carinho é maior, do tipo que não pode ser curado por noites em um prostíbulo, agarrando uma meretriz como se estivesse bebendo o primeiro copo de água em dias. Eu sinto a necessidade de algo mais duradouro, dias, semanas ou meses até criar uma conexão, até me apaixonar pela pessoa, para assim nos conectarmos na cama.

Gostaria de tempo para decorá-la, explorá-la da mesma maneira que faço com o pôr do sol: distinguir todos seus tons, suas sutilezas, os detalhes em sua pele que meus olhos gastariam longas e longas horas observando. Eu não quero um amante carnal, quero uma musa, alguém que possa passar o resto da minha vida admirando.

No entanto, é aí que está a ironia: cowboys não amam, não podem sequer cogitar. Minha única amante é a estrada, a única certeza que tenho é que hora ou outra voltarei para ela, montando em minha sela e deixando qualquer um para trás. Artistas possuem musas, cowboys amantes de uma noite.

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