-Júlio, meu querido, você precisa participar mais das aulas, interagir com a turma... – disse a professora Luíza - Não revire os olhos enquanto eu estiver falando, por favor, eu só quero o seu bem.
-Eu estou bem, professora – respondi com pouca convicção.
-Está mesmo?
Não, eu não estou, droga! Eu só quero que isso tudo acabe logo e que eu possa me livrar das pessoas desse lugar o mais o rápido possível. Eu não aguento mais ser o merda da piada de todos os dias, eu não aguento mais todos os bilhetes com a palavra bicha que deixam na minha carteira sempre que me distraio por um milésimo de segundo, eu não aguento.
Por mais que a professora Luíza estivesse com as melhores intenções para comigo, eu sabia que tudo que eu a confidenciasse, chegaria aos ouvidos do meu pai. Seriam pontos, vírgulas e palavras diferentes, mas ela contaria. O impacto seria o mesmo. Não existe eufemismo capaz de amenizar o fato de que o seu filho é gay e está sendo perseguido por causa disso.
-Estou – disse de cabeça baixa.
-Eu sei que você esta cansado de me ouvir falar isso – ela segurou minhas mãos entre as suas - mas eu só quero que você seja feliz. Você não pode crescer assim, isolado das pessoas. Você só tem onze anos e parece que brigou com o mundo. Você é um aluno incrível, não deixe que nada o empeça de viver, sorrir, brincar.
[]
-Tudo bem professora, eu prometo que vou tentar me enturmar. Obrigado pela preocupação. Agora eu tenho que ir. Eu tenho um sanduíche me esperando na minha mochila, e a senhora sabe como a Rosa é braba, ela me mata se eu deixar algum vestígio dele dentro da bolsa.
[A Rosa entrou na minha vida horas antes de eu vir ao mundo e horas antes do coração da minha mãe parar de bater. Minha mãe soube que nós não teríamos muitas chances de nos conhecer no mesmo momento em que descobriu que estava gravida, dada à situação; Ela descobriu ainda muito nova que não poderia engravidar, por problemas hormonais – nunca me contaram mais detalhes. Por alguma ironia do destino, eu consegui vencer a primeira etapa do diagnóstico. Eu não me sinto um herói por contrariar exames médicos. Longe disso. Eu me sinto mal, muito mal. Mesmo tendo entrado nessa guerra inconscientemente e a escolhe de levá-la até o fim tenha partido da minha mãe. Eu prefiro acreditar que não existe um fim].
[Quando o ar invadiu meus pequenos pulmões, a minha mãe já havia partido há alguns minutos; silenciosa e serena segundo a Rosa me contou. A Rosa também me disse que dentre os trinta partos que ela participou, nunca viu um primeiro choro tão duradouro e melancólico quanto o meu].
-Sim, eu a conheço muito bem, pode ir. E saiba que eu fico feliz em saber que você vai tentar se aproximar da turma e nos dar a honra de conhecer esse Júlio lindo que existe dentro de você. Até daqui a pouquinho, meu querido, aproveite o intervalo.
-Até, professora.

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Eu não sei voar - Romance Gay
Romance-Dorme, eu estou aqui... e vou continuar aqui para sempre.