Quatro 24/02/90

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Eu não dormi na noite anterior. Eu tentei, mas o medo sempre vinha sussurrar nos meus ouvidos; você é uma grande decepção - causando-me arrepios e mais lagrimas. Foi uma longa noite de chuva dentro e fora de mim.

A Rosa acordou as 05h00 da manhã - horário de sempre - para cuidar da casa. Ouvi quando ela começou a preparar o café da manha e quando ela passou algumas tarefas para o João - o jardineiro.

Depois de algum tempo, ouvi seus passos subindo os degraus da escada até o meu quarto. A tempestade ainda estava sobre mim. A cada passo, meu coração parava por um segundo e voltava a bater com mais intensidade. Eu não sabia o que fazer. Eu não conseguiria fingir que não estava acontecendo nada. Nunca fui bom em atuar. Era mais fácil ficar calado no meu canto do que tentar fingir qualquer coisa. Na minha vida sempre havia sido assim. Por isso me afastava dos meus colegas de classe; simular ser um garoto legal a maneira deles estava fora de cogitação. Seria uma tragédia.

Mas a Rosa não era um dos meus colegas de classe. Então, eu seria mais desonesto ainda se me afastasse dela.

-Vamos acordar seu dorminhoco! - disse a Rosa adentrando meu quarto.

Com toda a coragem que cabia dentro de uma criança de onze anos, eu resolvi sair debaixo das cobertas e mostrar toda a dor que eu estava sentido.

A Rosa entrou em desespero quando me viu. Imediatamente foi até mim, verificou minha temperatura e me examinou compulsivamente, enquanto perguntava o que estava acontecendo, o que eu estava sentindo.

-O que houve Júlio? Responda! - disse ela em desespero - Você esta sentindo dor? Me fala! Onde esta doendo?

Baixei a cabeça e depois de alguns segundos apontei para o peito, para lado onde anos atrás, ela havia dito que ficava o coração.

-Eu vou chamar um médico - disse ela levantando-se depressa. Mas antes que ela pudesse chegar até a porta, eu falei baixinho.

-Eu já sei de tudo Rosa... eu sei que você sabe o verdadeiro motivo de eu não ser aceito pelos meus colegas de classe. Eu sei por que você estava com medo naquele dia. Você estava com medo do que pode acontecer comigo por eu ser assim...

A Rosa parou imediatamente. Ela ficou ali por alguns segundos, de costas para mim, depois se virou com os olhos cheios de lagrimas.

Naquele momento, os nossos olhos se encontraram pela primeira vez naquele dia, e quando isso aconteceu, eu percebi que tudo ainda estava ali, dentro daquele olhar afogado; o mesmo amor, a mesma mãe que eu ganhei depois que perdi a minha, a mesma Rosa, a Rosa.

Ela correu ao meu encontro e me envolveu no abraço mais intenso que ela já havia me dado até então. Enquanto ela me abraçava com toda força, eu fui percebendo que ela era meu ponto de ancoragem e nunca me deixaria afundar, não sozinho. Mas a questão era essa, eu não queria que ela afundasse por minha causa.

-Eu te amo Júlio... E nada, absolutamente nada vai mudar isso. Está me ouvindo? !

-Eu vim ao mundo para trazer tristeza Rosa... Foi assim quando eu nasci e será assim para sempre.

-Você não sabe o que esta falando Júlio.

-Eu não quero que você sofra por minha causa, Rosa. Isso tudo vai piorar. Você sabe que vai... E eu não quero que você esteja aqui quando isso acontecer.

-Não fale uma besteira dessas. Eu nunca vou me afastar de você Júlio. E eu tenho certeza que onde sua mãe estiver ela estará feliz pela criança linda que trouxe ao mundo.

-Uma criança doente - usei o mesmo termo que um garoto da minha escola havia utilizado dias antes.

-Você nem está com febre- disse ela tocando com as costas das mãos o meu pescoço- como pode dizer que é uma criança doente? - ela estava mais calma.

-Você não precisa mais se fazer de desentendida.

-Você não é um doente meu querido. É um garoto especial, um garoto lindo e inteligente. Posso dizer até que é um herói. Um herói que tem como superpoder ser mais doce do que a torta de chocolate que eu fiz para sobremesa.

-Você fez torta de chocolate? - disse tirando a humidade dos olhos.

-Sim, eu fiz.

-E você vai me deixar comer um pedaço no café da manhã? - torta de chocolate me roubava à realidade com a mesma facilidade que a Rosa a preparava. Os dias poderiam ser de chocolate para sempre.

-Só se você prometer escovar os dentes antes e depois de comê-la.

-Combinado!

-Eu te amo mais que tudo, meu menino.

-Eu te amo Rosa.

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⏰ Última atualização: Aug 18, 2015 ⏰

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Eu não sei voar - Romance GayOnde histórias criam vida. Descubra agora