Isso aconteceu há oito anos. O emprego era o de recepcionista num posto de saúde; o consegui após fazer aquela prova da qual, assim como tantas outras coisas desinteressantes sobre a vida adulta, esqueci o nome – se estudei? Claro que não, passei por pura "sorte".
Eu estava nervosa. Por causa da minha ansiedade social, desde meu último emprego há quase dois anos, eu praticamente não saia de casa. Até tive pesadelos com como seria o tal primeiro dia no emprego. Sei que é ridículo, mas parecia-me impossível ter que enfrentar isso sozinha; mesmo assim, eu fui.
Lembro-me de estar sentada atrás do balcão com outra recepcionista mostrando-me o que eu deveria fazer...
Uma das primeiras coisas que ela me disse foi algo como "Efetiva, hein... Agora é só esperar pela aposentadoria".
Isso me marcou.
Começar um emprego já NO PRIMEIRO DIA pensando na aposentadoria? O que poderia ser mais deprimente para mim do que isso?!
EU, com todos o meu mundo de sonhos tão desesperadamente por mim cultivados desde a primeira infância...
Anos depois eu veria o protagonista do filme "Albergue Espanhol" ouvir algo parecido em seu primeiro dia no trabalho e, SPOILER, assim como eu, deixar o emprego no primeiro dia para se tornar escritor – também há uma cena muito tocante ao som de "No Surprises" do Radiohead da qual gosto muito...
Voltando àquela manhã, também lembro-me de irritar a recepcionista quando fui usar o teclado do computador e distraidamente usar os números na linha de cima – ao invés dos que ficam a direita como ela me indicara –, e de ouvir outros profissionais numa sala ao lado perguntando sobre mim e eu simplesmente me recusar a ir me apresentar de modo que duas enfermeiras vieram me ver.
Então perguntaram a minha idade (22) e seguiu-se o blá-blá-blá de sempre que já ouvi várias vezes sobre eu aparentar ser mais jovem – creio que metade pela minha aparência e metade pela minha timidez...
Além disso, lembro-me de de como fiquei surpresa de ver como muitas pessoas perguntavam à recepcionista sobre onde ficavam outros postos entre outros lugares. Eu me imaginei tendo que respondê-las com um humilhante "não sei" para cada uma de suas perguntas sendo que nunca fui chegada a passeios – mal conheço a minha própria cidade...
Enfim voltei para casa para almoçar; o curto caminho a pé sendo o suficiente para minha desconfortável sapatilha arruinar meus calcanhares...
Preparei um miojo barato, e, no sofá, sozinha, no silêncio do início de tarde, eu chorei, ciente de que não seria capaz de suportar um novo emprego que, já então, fazia-me sentir tão insignificante... Eu ainda voltei para o turno da tarde, mas, depois disso, nunca mais me atrevi a pisar naquele lugar.
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Reflexões de uma garota cansada
De TodoReflexões de alguém que se reconhece como não sendo a dona da verdade, consciente de que ninguém de fato o é.