Querido Pai, como está? Não lhe escrevo desde que saí com Charlotte naquele dia chuvoso, então, acredito que não esteja muito contente.
O senhor, assim como o resto da família merecem um esclarecimento sobre o porque de termos saído sem avisos; tenho que lhes desculpar também... Imagino que Charlotte não pediria desculpas, então peço em seu nome.
Lembro-me bem de quando eu e Charlotte decidimos tudo. Ela acabara de receber a notícia que iria se casar com o Sr.Souza; não estava contente. Havia acabado de se trocar, seu outro vestido estava sujo de barro, meu tio nunca gostou que ela se sujasse, muito menos que ela fosse caminhar pela plantação.Ela olhou para mim com uma cara de descontentamento:
– Me recuso! – Gritou ela, furiosa.
– Charlotte, não há o que fazer, seu pai está falido, o Sr.Souza levará a família de volta aos tempos de ouro! – Disse eu, tentando fazê-la aceitar.
– Não me importo. Não me casarei com o Sr.Souza!
– E que outra escolha você tem Charlotte?
– Bem... Eu... Eu vou fugir!
– Você vai fugir sozinha!? Não vai conseguir sobreviver um dia nesse mundo!
– Quem disse que irei só? Você virá junto!
– Não me meta nessas suas tramóias! Eu sou muito ocupada! Não posso fugir. Você não vai fugir, para início de conversa.
– Vamos sim! Basta juntar algumas economias por algum tempo e então partiremos. Sempre quis conhecer a Europa.
– Você não vai!
– Vou sim!Eu sabia que ela não daria o braço a torcer, por isso, desisti de convence-la a não fugir. Eu sabia que ela realmente tentaria botar esse plano em ação, por isso eu fui junto para que ela não se matasse, eu acreditei que iríamos voltar logo que ela percebesse a loucura da idéia, o que seria algo em torno de uns 15 minutos, mas já fazem 5 anos desde a nossa partida.
Ela havia se antecipado e pego a maior mala que tinha em casa. Não ligava se seu pai faria falta dela ou não; Encheu a mala de roupas, de dinheiro, livros e alguns cadernos e lápis, ela nunca perdeu a mania de desenhar tudo o que via.
O dia em que saímos foi um dia chuvoso, a estrada da porta de casa até o final da fazenda de meu tio havia virado o puro barro, por isso ela usou botas e uma roupa simples; tivemos que atravessar a plantação para não nos sujar tanto, minhas roupas ficaram sujas, mas Charlotte estava apenas com um arranhão na panturrilha e manchas de barro nos joelhos.
O velho Eufrásio estava passando com a charrete quando chegamos à saída da fazenda, nos levou até a cidade. Acreditou em nossa lorota de que iríamos à feira local. Fomos à estação de trem e compramos passagens para o comboio que ia ao Rio de Janeiro.Já eram 12:30 quando o trem partiu, a aquela hora já havia parado de chover. Eu estava aflita sobre a situação, mas Charlotte estava entusiasmada e determinada a conhecer o mundo, ela estava fazendo mais do que fugir de um casamento arranjado, ela estava realizando seu sonho de conhecer o mundo:
– Tem certeza de que quer isso Charlotte? Agora não tem mais volta.
– Não estamos fazendo nada de errado, estou apenas pondo à mesa uma exigência e um sonho: Não vou me casar e vou conhecer o mundo.
– Seu pai nunca gostou dessa sua teimosia.
– Não me importo com o que meu pai pensa, quase sempre fiz o que ele queria, mas quando me recusava a fazer algo eu era a "teimosa".
– Seu pai não é um homem tão ruim assim.
– Isso é verdade, mas estou farta de uma vida tão entediante.
– Não fale assim Charlotte.
– Falo como bem entendo.
– Pois bem, não questionarem mais então.E assim se iniciou tudo... Não imaginava que ela iria tão longe quanto estamos agora... Mas ela sempre foi valente e era apenas uma questão de tempo para que toda essa valentia a fizesse se rebelar dessa forma exagerada.
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Minha Prima Charlotte
Short StoryUma jovem moça envia uma carta para seu seu pai relatando sobre uma grande viagem que fez junto de sua prima Charlotte, no interior da Europa no periodo Pré-Primeira Guerra Mundial.