Em algum momento devo ter pegado no sono enquanto contava o número de palavrões que nossos vizinhos falavam, porque acordo com meu celular tocando na cabeceira. Me movo tonta na cama, pego o celular, o nome de Sam pisca freneticamente, deslizo o dedo na tela. Nem tenho tempo de dizer alô antes que ele me interrompa.
- Aonde você tava Avery? Preciso falar com você agora! - afasto o celular da orelha, são 18h ainda. Dormi mais de três horas seguidas. Como é que vou dormir a noite?
- Oi pra você também, Sam. Aonde você quer se encontrar? - Pelo estado da coisa ele realmente precisa de mim. E estou sem fazer nada, basicamente matar dois coelhos com uma cajadada.
- No meu quarto. Você não respondeu a minha pergunta, aonde você estava? Te liguei mil vezes! - Reviro os olhos mesmo sabendo que ele não pode ver.
- Dormindo. Um belo cochilo de três horas.
- Que deprimente. Vou te esperar, se você não aparecer eu mesmo te busco aí.
Desligo a chamada. Pelo ou menos não fico sozinha. Levanto meio tonta, demoro um bom tempo tentando calçar os tênis. Pego uma mochila do armário de Crystal e ponho roupas para passar a noite com Sam. Não é o que parece, ele é gay, e sinceramente jamais ficaria com ele se não fosse. Sam é um tremendo galinha. Abro a porta, tranco e saio para a caminhada de 10 minutos até o prédio do Sam.
Nem preciso mandar mensagem perguntando aonde é o quarto dele. O próprio Sam está na frente esperando com os braços cruzados na frente do corpo se mexendo de um lado para o outro sem parar. A franja completamente bagunçada na frente do rosto. Assim que me vê corre até mim.
- Você nem sabe! - ele grita.
- Não sei mesmo, você não me disse ainda - Sam me empurra para trás.
- Meu colega de quarto joga lacrosse! Ele um prática esporte! - Pego a mão dele subindo as escadas para dentro do prédio antes que alguém da segurança nos leve para a diretoria por perturbar a paz. Sam abre a porta do quarto e vejo mais ou menos o que ele quer dizer. Um lado está com as paredes cobertas de pôsteres de modelos, e marcas de luxo. O outro repleto de jogadores e times que nunca ouvi falar.
- Calma, respira. A gente joga badminton, então a gente também prática um esporte, nem é tão ruim assim, aposto que ele é super legal.
Posso dizer que o único esporte além de corrida que eu gosto é badminton. E sou relativamente boa nisso. Quando tínhamos aulas na escola eu derrotava facilmente os alunos que eram melhores em todos os outros esportes. E inclusive sou aceitável jogando tênis.
- É só que a gente não tem troféus de badminton. E a gente não joga um esporte de hetero! Ele deve dizer cantadas de tio a torto e direito, Avery! - Quase dou risada, mas Sam me mataria.
- E como você sabe? Já conversou com o cara? - Ele nega. Vai para o lado do Jogador Profissional, arrasta uma caixa de baixo da cama, abre revelando uma serie de troféus gigantes.
- Você mexeu nas coisas dele? - me aproximo fechando a tampa da caixa - Sam, isso é invasão de privacidade, seu maluco! - ele dá de ombros me ignorando e voltando a fuçar na caixa.
- Nem aí. Preciso saber que tipo de atleta ele é.
Me sento na beirada da cama de Sam, jogo a bolsa longe no chão.
- Por que você não tenta conversar com ele? Vai que vocês viram amigos - Sam começa a rir na minha cara, encaro feio - Qual o problema?
- Avery, você está mesmo sugerindo que eu seja amigo de alguém que pratica esporte? Se eu correr um quilômetro caio morto no chão! - Dou de ombros fazer o que? Se ele não quer quem sou eu pra forçar a coisa.
Sam volta a mexer nas coisas do colega dele e eu me deito na cama com os pés pra fora mal encostando no chão. Achei essas camas dos dormitórios da NYU muito altas, e a inclusão para pessoas com menos de 1,60? É um vacilo.
Sam volta para a cama se deitando do meu lado. Ele suspira. Faço um carinho na cabeça dele.
- Vai dormir aqui hoje - assinto.
No fundo, sei o problema do colega de quarto de Sam ser jogador. Mas sei que ele nem quer se lembrar Da Noite. Nem eu mesma quero. Isso com certeza é uma forma de escapar do problema ao invés de encarar. Eu sei disso. Tenho uma mãe psicóloga.
Pego o controle da TV e ligo, troco de canais até Sam me parar.
- Deixa naquele filme ali. Vou pegar a pipoca.
O filme é (500) dias com ela. Uma comédia romântica dos anos 2000. Passamos assim a noite, Sam deitado no meu colo, nós dois comendo balas de gelatina e pipoca, assistindo filmes de romance. Essa noite entra pro curto hall das boas.
Estou caminhando pelo corredor de casa, minha mãe está chorando ao telefone, ela deve ter descoberto. Crystal ainda pequena aparece coçando os olhos de sono segurando o seu coelho de pelúcia favorito, a Senhorita Orelhas de Algodão, apertada nos braços. Me aproximo dela, com calma para não assustar. Uma sirene toca alta, Crystal começa a desaparecer aos poucos. Tento segui-la, meus pés estão presos no chão. Então percebo que a sirene é meu celular tocando do outro lado do quarto. Levanto rápido, atendo com as mãos tremendo do susto, nem olho para ver quem é.
- Alô?
- Irmãzinhamm! - Crystal grita com a voz arrastada. Ela está bêbada fato.
- Dá oi pra minha fofolete, Glenn! - Uma voz masculina murmura um oi no fundo.
- Crystal, quanto você bebeu? - Sam bate com força no colchão me mandando calar a boca. Ignoro ele completamente. Ela ri de um jeito desajeitado.
- 5 ou 6 Sex's on the beach's , e umas 3 ou 2 doses de vodka.
- Meu Deus, aonde você tá? - Ouço passos e o celular se movimentando, Crystal está andando. E se ela cair? Ou se perder?
- No campus
- Em que parte do campus? - Começo a colocar os tênis.
- Perto do nossoo quarto, relachaara! Opa, relaxar, não, fica de boaa! - Minha irmã começa a gargalhar por não conseguir falar direito. Ela para de repente, acelerando meu coração.
- Só tem um probleminha, esqueci a chave ou perdi, sei lá! Você viu a minha chave Glenn?! - reviro os olhos. Cutuco Sam, aviso que preciso ir atrás de Crystal, ele assente me dispensando.
- Fica na frente do nosso prédio, pode sentar na escadaria e me esperar, estou indo.
Ando a passos largos pelo corredor, com os olhos grudados na tela do celular. O porteiro me encara quando digo que preciso sair a essa hora. O Bigode, é assim que decido chamar o porteiro, libera a saída, não perco tempo. Desço as escadas da rua de dois em dois degraus, Crystal começa a me mandar várias mensagem com vídeos de gatinhos fofos, tento responder, mas bato em alguma coisa macia com força dando três passos para trás com o impacto. Uma coisa macia? Levanto o olhar, uma pilha de papel está voando e um cara de jaléco está parado me olhando com uma cara chocada. Ai meu Deus.
- Me desculpa mesmo, não vi você, foi sem querer.
Guardo o celular no bolso de trás, me abaixo ao mesmo tempo que o cara para juntar os papéis. Ele está estranhamente quieto, e penso que talvez não tenha ouvido meu pedido de desculpas
- Eu sinto muito, mesmo
- Você devia olhar por onde anda, ainda mais uma sem noção, sabia que é proibido sair dos quartos essa hora? - Fico parada olhando para ele com um papel na mão. Surpresa pelo ataque. Mas sei bem me defender.
- Não, eu não sabia, esse não é meu prédio, eu não vi você.
Ele solta um sorrisinho irônico que me dá vontade de dar um tapa nele.
- Isso não é problema meu, meu problema é uma maluca sair por aí derrubando meus trabalhos no chão - junto os papéis com raiva, o mais rápido que consigo
- Eu já disse que sinto muito - Entrego os papeis para ele, saio sem dizer mais nada. Deixo o babaca parado no escuro.
Corro até o oxigênio acabar, assim que chego a frente do prédio, Crystal está cochilando de bruços na escada, chego devagar e acordo ela. Ela acorda sorrindo.
- Eiii! Você demorou!
Sorrio, pego Crystal pela mão, ela se levanta e quase cai no chão.
- E você está bêbada igual um gambá.
Minha irmã ri totalmente tonta. Subimos as escadas, abro a porta, Crystal se joga na minha cama. Me viro para fechar a porta. Pego um copo no filtro e encho ele de água, pego um analgésico para a ressaca. Deixo tudo alinhado em cima da mesinha de estudos. Crystal solta um ronco alto, me viro, ela capotou de boca aberta. Me deito encolhida na cama dela de frente para a minha. Me cubro e adormeço sonhando com uma chuva de papéis caindo em mim.
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Tudo A Nosso Favor
RomanceAvery tem certeza que o amor é exatamente igual ela lê nas páginas dos livros. Burro e cego. Ela tem certeza que jamais vai deixar esse sentimento a deixar burra e sentimental. Era isso que ela planejava, mas ao ingressar na NYU em Nova York e co...