Parte I

6 0 0
                                    

  Não acho que posso me definir como uma pessoa anti-social, mas, com certeza como uma pessoa que prefere não se envolver com multidões em lugares apertados. Isso é meio impossível, já que o auditório da NYU está tão abarrotado de gente, que, se alguém cair pra fora da janela não vai ser nenhuma surpresa.
  Os filmes de Hollywood deviam dar um reembolso a todos que assistem aqueles filmes que se passam em universidades em Nova York. Com todos sorrindo, os pais orgulhos dos filhos. Cada aluno novo sentado em cadeiras, aquela musica motivadora enquanto o personagem principal anda pelo campus sorrindo olhando a paisagem arborizada.
Tudo isso é mentira. Uma completa enganação, então, obrigada por me iludir Disney.
   Estou presa na entrada, perto da porta, dividindo o mesmo ar com mais 20 pessoas. Se fosse uma louca por germes, teria desmaiado. Como tenho consciência dos milhares de bactérias no chão, prefiro repensar a idéia. Estou morrendo de vontade de ir ao banheiro, tenho medo de que se me mover muito a sala vai explodir. Aliás, tem um cara que está me sufocando com o braço no meu pescoço, acho que resta 1 hora de oxigênio antes de desmaiar. Está valendo a pena cada segundo.
   Não consigo ver muito além do peitoral de um cara gigante, escuto perfeitamente quando o reitor da universidade testa o microfone.   
  Minhas mãos começaram a tremer, e logo ficam molhadas, em parte por causa da grande quantidade de calor humano na sala, mas também por que esse é meu primeiro dia aqui, quem sabe quantas vezes vou voltar ao auditório, ou quem sabe da próxima vez eu esteja no palco dando uma palestra sobre a importância das telecomunicações? Tantas possibilidades, mal posso esperar!
- Quero dar as boas vindas aos novos alunos da NYU, espero que tenham um ótimo início de formação ou fim de uma  - O reitor faz uma pausa, alguém que não consigo ver, pergunta se os veteranos não precisam de boas vindas. - Ah, claro, e aos veteranos tenham uma ótima pior experiência como futuros acadêmicos e continuem mantendo seus professores abastecidos de café durante as aulas - Todos caem na risada. Mesmo não entendendo, sorrio, gostei dele.
- Brincadeiras a parte, nós, da NYU, desejamos a todos um ótimo ano acadêmico, que possamos ser produtivos e aprendermos juntos. Agora, sem mais enrolação, passo a palavra a nossa coordenadora geral, a Sra Navarro.
   A Sra Navarro começa a mandar os alunos para suas salas de conferências com seus devidos orientadores dos cursos, deveria estar saindo junto com a multidão para a sala 13, só consigo tentar procurar a minha irmã. O auditório esvazia depressa, então vejo os cabelos vermelhos de Crystal, a poucos metros de mim deitada em duas cadeiras. Mas que...
  Em poucas passadas chego do lado dela, dou uma cutucada em sua testa. Crystal se assusta dando golpes no ar.
- O que diabo você tá fazendo deitada em duas cadeiras? Literalmente tinha um cara batendo o cotovelo dele no meu pulmão.
- Anh... Foi a viagem, me deixou cansada, sabe mana, eu preciso descansar.
  Reviro os olhos. Sempre dando desculpas. Chuto suas pernas longas pra fora de uma das cadeiras e me sento. Estamos praticamente sozinhas, minha voz sai com um eco.
- Por que não está indo pra sua sala? Sabe, pra pegar cronogramas e coisas importantes  - Crystal se estica igual uma gata antes de responder lentamente
- Todo mundo do meu curso é chato e entediante.
   Ao contrário de o que todos pensavam Crystal não escolheu viver igual um ermitão, vivendo num trailer com um cara chamado Chad. Ela escolheu cursar relações internacionais. Em uma das melhores faculdades do país, em uma faculdade que nem os melhores da nossa escola conseguiram. Tenho muito orgulho dela. Mas as vezes a falta de motivação dela me irrita profundamente. Crystal parece sempre esperar por uma oportunidade de desistir.
- Como você sabe que eles são chatos?
   Duvido que sejam tão ruins assim.        A minha irmã tem mania de aumentar tudo.  Não dá para levar a sério tudo o que ela diz.
-Eles usam môcassim e calças sociais num calor desses. Aliás, um deles se chama Glenn. Quem se chama Glenn em pleno século XXI? Por Deus!
  Dou risada. Só ela pra fazer uma observação dessas.
- Melhor ter pensado nisso antes de entrar para a relações internacionais  não acha? - Crystal me dá um tapa na perna e eu sorrio.
- E você? Por que não está na sua sala?
   Preferia que ela não tivesse reparado nisso. Não é que eu esteja com medo, é que estou apavorada. Nunca gostei de estar em situações em que não sei o que fazer. Gosto de ter uma rotina. Planejamento. E, uma faculdade nova não me traz nada disso. Pesquisei cada cronograma, cada professor, tudo, para ser mais precisa. Não preciso de orientação extra.
- Eu já sei dos meus horários, não quero perder tempo. Mas estamos falando de você e a sua falta de planejamento.
   Quando penso que escapei de receber um sermão, Crystal solta um de seus clássicos olhares de "eu te conheço bem demais pra acreditar nisso" pra mim. Droga.
- Para de mentir pra você mesma, você tá com medo Avery, está apavorada.
   Sei que ela está certa e odeio admitir isso em voz alta.
- Estou mesmo, e daí? Que diferença faz se eu não for? Você não vai na sua.
   Quando escolhi cursar telecomunicações não pensei que eu precisava gostar de falar. Repito, não sou anti-social, só gosto da minha zona de conforto. E isso, definitivamente não é minha zona de conforto.
- E daí que, eu sou a despreparada que faz tudo correndo, e você, a que ama planejar. Você estudou anos pra estar aqui. Agora levanta essa bunda da cadeira e vai pra porra da sala de conferência 13, Avery.
    Dou de ombros. Mesmo que pareça uma ofensa, ou, várias delas, Crystal está me elogiando. E ela tem um pouco de razão. Me esforcei bastante. E em respeito e ela e a mim, levanto da cadeira. Preciso fazer diferente. Não ser a Avery do ensino médio. A que tinha medo de se arriscar.
- Eu vou, eu vou, satisfeita? - Crystal confirma e sorri. Mando um beijo no ar, Crystal retribui voltando a se deitar nas cadeiras.
   Prendo a respiração antes de colocar a mão na maçaneta quando paro na frente da porta de madeira. Mesmo de porta fechada consigo ouvir o murmúrios dos alunos dentro da sala. No três, digo comigo mesma, dois, um. Abro a porta com um rangido alto. A mulher com microfone na mão para de falar, ela me olha com um sorriso amável no rosto. Imediatamente peço a quem quer que esteja ouvindo que uma montanha caia na minha cabeça. Todos olham para mim fixamente. Sorrio constrangida sentindo um rubor subindo pelas minhas bochechas. Fecho a porta atrás de mim, procurando um o lugar vazio o mais rápido possível. Por que eu vim para começo de conversa?
- Você que acabou de chegar, qual seu nome? - Sinto meu corpo afundar na cadeira, mas minha voz sai firme.
- Avery Hope - Tento ignorar os olhares curiosos e me focar na mulher loira. Ela sorri amavelmente e ajeita seus cabelos com o pulso.
- Sou Chris Porter, a sua orientadora. Vou dar a sua primeira orientação do ano, não chegue atrasada no primeiro dia, Avery, e atrapalhe a sua linda orientadora.
   Solto uma risadinha. Me sentindo relaxar aos poucos.
- Anotado, Chris.
   No restante da recepção, Chris fala tudo o que já sei sobre as matérias, e as datas importantes. Ao final, saio bem de fininho,  Chris parecia estar brincando mas não quero arriscar levar uma bronca por ter me atrasado. No geral, vir aqui foi uma perda de tempo. Mas vale a experiência.
   Ao sair do prédio principal já tenho meu destino. Vou encontrar Sam na cafetería do campus .
  Conheci Sam no fundamental, era nosso primeiro ano na escola J. F Kennedy no Arizona. Na primeira aula do semestre que era educação física, entramos no ginásio quase vazio e Sam disse "Aqui daria para sobreviver a um apocalipse zumbi fácil."  A partir daí nunca mais nos separamos. Viramos uma instituição "Sam e Avery, os inseparáveis".
  Entro na Starbucks, é fácil achar Sam e seus fios loiros, dou um tapa nas costas dele.
- Chegou cedo, que milagre! Tá passando bem amigo? - sento e Sam me mostra o dedo médio. Nossa amizade é tão linda!
- Como foi? - nem preciso perguntar sobre que ele está falando.
- Cheguei atrasada, a minha orientadora provavelmente me odeia, e todos os meus colegas devem me achar uma irresponsável. Sabe, o de sempre. E você?
   Sam começa a contar como foi tudo maravilhoso. Ele vai ser estilista, desde de sempre Sam me pedia opinião sobre seus desenhos de roupas mesmo eu não entendendo nada de moda nem desenho. Fiquei tão feliz quando descobri que ele tinha entrado para a NYU, as duas pessoas que mais me importo vieram pra cá comigo. O que mais eu posso pedir?
- O meu orientador é tão gato! Ele deve ter uns 40, e não tem aliança! - Reviro os olhos. Que nojo.
- Meu Deus, ele deve ter idade para ser nosso pai Sam. Que horror.
- Horror nada, se o nome dele não tá na minha certidão de nascimento... Tanto faz.
  Eu sei, parece que a gente não tem nada ver um com o outro, mas eu juro, tem sim.
- Você vai na festa dos novatos? - A garçonete aparece para anotar nossos pedidos, pedimos a mesma coisa que pedíamos na nossa Starbucks da escola. Um café gelado de caramelo e uma fatia de bolo de chocolate pra mim, e um chocolate quente com croissants para o Sam.
- Que festa? - Ergo uma sombrancelha e Sam assente olhando pela janela - A dos cartazes espalhados por tudo que é canto? 
- É, essa mesmo - Nossos pedidos chegam e tomo um bom gole do meu café.
- Ah, não, nem pensar. Tenho uma vida toda de caixas pra desfazer. Por que? Você quer ir?
  Acho que dizer que quero ir talvez seja uma palavra meio forte demais... tá mais para querer conhecer pessoas, sei lá. Ninguém me conhece aqui, é como recomeçar do zero. Seria legal ter amigos além do meu amigo de infância e da minha irmã.
- Não sei, talvez? Só pra ver como é, mas se você não vai, tudo bem.
   Dou uma bela mordida no meu pedaço de bolo, me sujando inteira de cobertura.
- Meu Deus, parece que não come a dias, sua morta de fome! - mostro a língua. Está tão bom que me esqueci dos bons modos, agora me dei conta de que não como desde de que Crystal e eu descemos do ônibus no campus. Isso foi há umas 6 horas atrás.
- Me deixa comer. Você não vai querer esses croissants aí? Por que não quiser...  - Sam enfia um deles na boca depressa.
- Hum... Já comi, acabou. - Sam tenta dizer de boca cheia e caímos na risada.
   Na saída agarro o braço do Sam e andamos assim.
- Vai pra aonde agora? - Começo a mexer na franja dele, separando o cabelo loiro no meio.
- Pro meu dormitório, dobrar roupa numa sexta-feira. A sua irmã não vai nessa festa? Pede pra ela te levar.
  Penso enquanto andamos, um casal cis olha diretamente para a saia rosa choque que Sam está vestindo, ele não percebe o olhar hostil, mas eu sim. Encaro os dois fixamente antes de sorrir com deboche. O casal desvia o olhar.  Babacas preconceituosos.  Reconsidero ir com Cystal, mas me lembro de como ela bebe e como eu sempre acabo ficando a noite toda na festa sendo que o combinado é voltar as 23h. Nem queria ir tanto assim mesmo.
- Não obrigada, prefiro tomar um copo de veneno. Não tenho nada pra fazer, já arrumei tudo, vou passar o fim de semana lendo.
  Viramos uma esquina, reconheço a árvore torta do mapa que achei na Internet, estamos indo em direção ao dormitório 2B. O meu e da Crystal.
- Sua nojenta! Eu cheio de coisa pra arrumar e você esfregando na minha cara a sua organização, que sacrilégio - Dou uma risada um pouco alta, chamando atenção de alguns alunos. Dou de ombros. Que culpa tenho se as pessoas não gostam de dobrar como eu?
- Se quiser posso ir te ajudar a arrumar, daí você fica me devendo uma - Sam revira os olhos.
- Pior que um acordo com o diabo, prefiro ficar com a minha alma. Na verdade vou ter que fazer isso sozinho um dia, e você não pode me ajudar com tudo. Preciso me virar - Finjo encolher os ombros - Só pra saber, você já ligou pra sua mãe, Avery?
   A resposta é : tentei, mas como sempre, caiu na caixa postal. Nenhuma novidade até agora.
- Ela não atendeu.
- Quanto tempo faz desde que você ligou pra ela? - Dou de ombros. Não importa se eu ligue a cada 10 minutos, a resposta vai ser a mesma "Deixe seu recado após o sinal". Então pra tentar?
- Foi assim que pisei no campus - Sam aperta meu braço de leve percebendo a mentira - A última vez que falei com ela foi quando a Crystal e eu saímos de casa.
   Paramos em frente a meu dormitório, fico de frente pra Sam.
- Já vai? - Ele assente.
- É, vou viver a maior aventura da minha vida - Sam finge um entusiamo que não consigo evitar rir - dobrar roupas! Viva! 
   Abraço ele e sigo para dentro do prédio.
  Quando abro a porta do meu quarto, Crystal está na cama lutando contra a meia calça roxa de renda resmungando de raiva. Fecho a porta atrás de mim, atiro a chave sobre a cabeceira atrás da porta. Tiro os tênis me jogando na minha cama.
- Aonde você tava? - Crystal para de tentar puxar a meia calça ofegante - Isso devia ser objeto de tortura sabia? - solto uma risada mal contida.
- Fui tomar café com o Sam na Starbucks aqui perto
- Samguessuga de novo - não me contenho começando a gargalhar - , não vai ser como no ensino médio né Avery?
   Crystal tem um implicância tremenda quando o assunto é Sam Stone. Tudo começou no segundo ano do médio, Sam tinha ido muito mal naquele ano em absolutamente todas as matérias, se ele não tirasse notas muito, mais muito altas nas provas, ele iria repetir de ano. Então ajudei ele, passando uma colinha na prova, em um sistema avançado, a gente esperava a professora dormir e só mostrava com os dedos, arriscado eu sei. Ninguém descobriu no final,  como conto tudo pra Crystal ela começou a dizer que Sam só quer ser meu amigo para ganhar cola. O que não faz sentido, já que ela mesma já pegou cola minha muito mais do que o próprio Sam.
- A gente tá na faculdade, nem dá pra passar cola e ele vai fazer moda
- Que bom.
   Crystal termina de se vestir depois de desistir da meia calça, indo só de shorts muito mais curtos do que eu  usaria e uma camiseta branca do Bon jovi. Ela prende os cabelos para cima, passa um batom vermelho na frente do espelho da nossa pentiadeira.
- Estou saindo, não me espera hoje a noite - Olho as horas no celular, ainda são 15h.
- Que festa é essa que começa as 15h da tarde?
- É uma festinha antes da festona - Ela começa a andar para a porta e para com a mão na maçaneta  - Quer que eu fique com você?
Por alguns nanosegundos cogito dizer que sim, que não queria ficar sozinha no meu primeiro dia aqui. Mas, olho para ela, e vejo que minha irmã está pedindo com o olhar para ir. Balanço a cabeça.
- Vou ficar bem, pode ir, se diverte bastante.
   Crystal começa dar pulinhos de alegria, ela corre até minha cama me beija várias vezes no rosto.
- Obrigada, te amo mana! - Ela sai correndo porta a fora e me deixa sozinha no quarto.

Tudo A Nosso FavorOnde histórias criam vida. Descubra agora