Uma certa pessoa uma vez me disse que sonhos são realizações de desejos que tanto queremos. Posso interpretar dessa forma, mas também interpreto que eles podem ser nossos maiores medos, o que causam os pesadelos. Sonhos são estranhos, nossa mente nos confunde através deles, sentimos tanto desejos quanto confusões.
Essa noite eu sonhei que estava em uma floresta, não sabia onde ao certo eu estava, não sabia se era seguro ficar ali, mas eu continuava andando, minhas pernas não paravam, eu não conseguia controlá-las. Eu estava sozinha, não tinha medo, continuei em frente, minha intuição me levava para algum lugar, estava procurando algo.
Escutei pássaros, vários pássaros. Eles estavam assustados e voando em uma só direção, ao contrário da minha. Eu estranhei, mas continuei andando. Não queria parar.
Sussurros. Parecia que tinhas pessoas sussurrando um pouco mais distante de mim. Fui na direção das vozes, perto de umas pedras espaçosas, mas nada encontrei, não avistei ninguém. Os sussurros continuaram.
- O que é isso? - Perguntei em voz alta.
Não fui correspondida, as vozes aumentaram e falavam em outra língua.
- Onde estou?
- Domina formosa, veni ad sedem tuam.
As vozes falaram repetidamente essa frase, eu não tinha uma compreensão do que elas estavam dizendo, apenas corri, dessa vez minhas pernas me obedeceram. Corri na direção oposta desse lugar. Virei a cabeça para trás por um momento, para ver se tinha algo atrás de mim. Confusão. Fiquei totalmente confusa quando minha cabeça retornou e eu fui olhar para a frente. Eu tinha voltado para as pedras, como se eu nunca tivesse saído do lugar em que estava. Corri novamente na direção contrária, as vozes continuaram, estavam me acompanhando, pareciam que estavam dentro da minha cabeça, em minha volta, por tudo. Eu estava com a respiração ofegante, o espanto me trasbordou e fez com que eu gritasse.
- Saiam! Saiam de mim! - Parei, me ajoelhei e coloquei as mãos em volta da minha cabeça, tentando tampar os ouvidos, para que as vozes parassem.
Elas não estavam parando. Pareciam que estavam se agravando cada vez mais. Me senti sufocada, não sabia o que fazer, estava com o meu corpo pesado. Não conseguia me mexer.
- Scis quid sit, expergiscere!
Eu me contorcia, gritava, estava sufocada, minha mente estava em uma escuridão, não enxergava mais nada, só ouvia as vozes, os sussurros.
- Surge puella!
- Acorde! O que você está fazendo? Acorde, Esther! - As vozes cessaram, eu estava enxergando um clarão agora, e ouvia a voz de Henrique em minha volta.
Acordei em um ambiente que não era meu quarto, era frio, eu estava no meio da rua, meu apartamento estava muito longe, a uns dois quarteirões de distância, tinha uma luz forte vindo em minha direção, era uma lanterna, Henrique estava segurando-a vindo perto de mim. Como eu tinha vindo parar aqui?
- O que está acontecendo? - Perguntei com o coração acelerado. Eu estava descalço e com uma camisola. Estava desnorteada.
- Acordei e você não estava na cama, ouvi um barulho vindo da porta e fui ver o que era, me assustei - olhei para ele em choque ainda, ele estava com os olhos arregalados - você estava descendo as escadas, te chamei e você não correspondia. Percebi o sonambulismo.
Estava com os olhos arregalados, ouvindo o que ele estava falando.
- Eu não lembro de nada, eu estava sonhando e... – parei de falar, de repente veio a sensação de sufocamento quando minha mente retornava ao sonho que tive, parecia tão real.
- Você começou a andar rápido, como se tivesse com pressa para chegar em algum lugar. Fiquei intrigado e fui atrás. Você foi muito longe, tive que impedir e te acordar.
- Meu deus. Como consegui fazer isso?
- Parecia que você sabia aonde estava indo.
Estava muito frio, um vento congelante passou por mim, em uma velocidade que fez meu corpo se arrepiar. Me abracei, segurando firme meus braços, tentando cessar o frio.
- Vem aqui. - Henrique se aproximou e colocou seus braços em volta de mim, em meus ombros. Segurou minha cabeça com uma das mãos, me acolhendo para seu peito.
- Fiquei preocupado, e com um pouco de medo também, confesso – uma risada abafada saiu de sua boca.
Olhos cor avelã me encaravam, sua mão apertando levemente meu ombro.
- Eu estava sonhando, era um sonho muito aterrorizante. Não conseguia controlar meus movimentos, não conseguia fugir.
- O que diabos você estava sonhando? – Comecei a contar para ele, mas fui interrompida antes de continuar. – Espera, depois você me conta todos os detalhes. Para você ter saído da cama e ter ido no meio da rua, deve ter sido algo intrigante.
Assenti com a cabeça e me aproximei dele. Não sabia expressar o que estava sentindo, eu estava aflita, com a emoção do sonho bombeando em mim ainda. A confusão estava eminente em meu rosto, não sabia bem o que dizer, a única coisa que saiu da minha boca foi:
- Desculpa. Não queria fazer isso, não queria te acordar.
- Tudo bem. Você está bem. Você nem estava acordada. – Fomos nos mexendo, e começamos a andar. – Vamos para casa, aqui é perigoso, e se ficarmos mais um minuto aqui, vamos morrer congelados.
Assenti e dei um sorrisinho para ele enquanto apertava meu corpo no dele enquanto caminhávamos, minha cabeça estava zonza.
.................
O cheiro forte de erva doce foi se espalhando pelo ar, eu segurava uma xícara quente de chá com as duas mãos enquanto me ajeitava no sofá cor creme. Henrique me ofereceu um cobertor enquanto se acomodava ao meu lado. Colocou em minha volta e acariciou minha coxa.
- Está melhor?
- Estou. Obrigada - Dei um sorriso de canto.
- Quer me contar o que houve?
Concordei com um gesto de cabeça. Abaixei a xícara.
- Estava em uma floresta, sozinha... - contei a ele tudo o que tinha acontecido, cada detalhe, não tinha como esquecer.
Aquele sentimento de sufocamento tinha passado, mas ainda me lembrava da sensação de não conseguir respirar. Foi terrível. Que bom que era só um maldito pesadelo.
- Que sonho mais estranho, - comentou Henrique, continuando o carinho que estava fazendo em minhas coxas - você acha que isso pode ter algum significado?
Sempre que sonhávamos algo de diferente, fora do normal, buscamos respostas, tanto ele, quanto eu. Esse sonho eu não fazia a menor ideia do que significava, minha vida está tão parada ultimamente, não sei que tipo de sinal ou previsão poderia ser.
- Acho que não deve ser nada. Se for, mais sinais virão. – Coloquei a xícara na mesa.
- Me avise se mais sinais aparecerem – Henrique falou, se levantando e pegando nossas xícaras que estavam em cima da mesinha de estar – está tarde já, vamos voltar para a cama.
Segui ele e fomos para o quarto. Foi uma longa noite, não conseguia fechar os olhos e dormir, toda vez que os fechava, imaginava o sonho que tive momentos antes. Nunca pensei que teria medo de sonhar, mas ali estava eu, evitando fechar os olhos, não queria dormir, não queria sonhar com aquilo de novo.
Ao meu lado Henrique estava deitado de barriga para baixo, em um sono profundo, ele sempre dormia como uma pedra. Enquanto olhava em direção a janela com as cortinas abertas, eu conseguia enxergar as luzes dos postes lá fora. Pensamentos afundaram em minha mente. Tentei me desvencilhar deles, foquei nas luzes dos postes, minhas pálpebras pesadas foram se fechando. Apaguei por completo.
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Um novo lugar
SpiritualitéComo saberemos se vamos levar a nossa vida do jeito certo? Existe algum manual? Depositamos a nossa fé em algo e esperamos que aconteça? Ou simplesmente sentamos e esperamos? O que é certo fazer? São esses questionamentos que muitas pessoas se fazem...