Parte I

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- Benjamin Tobias Hudson. - olhei o papel nas mãos, como se precisasse me certificar do meu próprio nome. A minha frente uma mulher olhava para trás, certa de que era eu quem estava sendo solicitado, mas a minha constante distração tinha me tirado daquele momento, embora soubesse sua importância.

- Sou eu! - respondi de onde estava, sem me mexer um único centímetro, recebendo um olhar de confusão da mulher atrás do balcão de vidro.

Nas paredes daquele lugar haviam fotos de ex-militares que perderam suas vidas em serviço do país. Heróis da nação, como sempre seriam conhecidos e lembrados. Aquele certamente seria o meu destino, se eu não estivesse saindo de do exército. Apesar de parecer, eu não encarava como uma decisão sensata completamente. A duvida ainda pairava na minha cabeça.

No entanto, não havia lugar para homens "mortos" no exército. Me lembrava de ter ouvido aquela frase de um dos recrutas no meu primeiro ano nas forças armadas.

Não há lugar para homens mortos no exército.

Para mim não havia feito tanto sentido no começo. E demorou até que eu entendesse que, na verdade, ele se referia a outro tipo de morte. Que, naquele momento, eu enxergava como sendo a pior.

- Sr. Hudson, está tudo bem? - respirei fundo, me culpando novamente por estar distraído, me aproximei da mulher e lhe estendi o papel com a enorme assinatura do Coronel Wood. - Vinte e quatro anos?

A mulher não tinha um dos braços, mérito da guerra, provavelmente.

- É isso aí! - respondi, tentando ser o mais descontraído possível.

- É bastante tempo para desistir. - não era uma simples desistência, mas não disse nada.

- Não é mais o meu lugar. - ela assinou o papel e apontou para uma porta do lado esquerdo com a palavra "Psicóloga" escrita em letras grandes.

Olhei para trás, onde uns quatro pares de olhos me encaravam e caminhei rapidamente sem dizer mais nada.

A psicóloga, como todos, quis saber o motivo da minha saída. Quando na verdade o questionamento principal seria por qual motivo eu deveria continuar. Por qual motivo qualquer pessoa deveria dar a sua vida em guerras que nunca teriam fim, cujos inimigos no fim das contas eram exatamente iguais aos nossos comandantes.

Apesar de tudo, por mais de vinte anos, o exército foi a minha vida, esta que não tinha mais sentido nenhum depois daquele dia.

Depois de pegar a minha dispensa, dirigi para a casa dos meus pais, um trajeto de mais de cento e vinte quilômetros, os quais eu percorri num piscar de olhos. Era como se o tempo não passasse mais da mesma forma. As placas pela cidade pareciam as mesmas de anos atrás. Com os mesmos anúncios, até o rádio parecia tocar a mesma música. Tudo o mesmo, menos eu.

Parei o carro num posto de gasolina, faltavam poucos quilômetros, mas precisava parar para comer alguma e ir ao banheiro. Assim que desci do carro um homem veio na minha direção. Respirei fundo, tentando parecer normal, ao menos uma vez na minha vida.

- Bom dia! - eram duas da tarde.

Não respondi, passei por ele entrando na loja de conveniência. O lugar estava vazio, e uma música calma tocava no rádio. Peguei pacotes de batata frita e biscoitos, e para beber uma garrafa de água.

No caixa uma mulher com uma expressão nada amigável me estendeu a mão para pegar as coisas que eu tinha comigo. Deixei em cima do balcão, dando a ela o dinheiro. Aquele lugar não me parecia bom, como se algo de ruim fosse acontecer a qualquer momento. Algo inexplicável. Mas aquela sensação me acompanhava há muito tempo, independentemente do lugar.

Minha CuraOnde histórias criam vida. Descubra agora