A Barbada!

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– Então, eu disse a ele que era uma barbada.
– Corrida de cavalos?
– Não, a mulher gorda do circo. Pergunta idiota! Claro que era corrida de cavalos!
– E ele acreditou?
– Nasce um otário a cada minuto.
– Ei, bigode! Mais um aqui para o meu amigo. E não me venha com aquela porcaria do outro dia. Quero coisa fina... E pode ser um duplo!
O bartender, um homem calvo, já de meia idade, não respondeu. Com um olhar servil e submisso, embora afetado e desdenhoso, pegou a garrafa de uísque e encheu o copo.
– Conte-me mais, meu caro.
O outro já tinha tomado quatro doses. Estava com a língua começando a enrolar. Mas, não se fez de rogado e tomou o duplo de uma golada só, depositando, em seguida, com a violência típica dos ébrios, o copo sobre o balcão.
– Pois é, veja só você... Eu expliquei a ele que a corrida estava no papo, que não tinha como perder.
– Como foi isso?
– Ele apareceu lá na casa de apostas. Era manhã, o sujeito parecia inquieto. Alguma coisa o perturbava.
– E daí?
– Daí que eu puxei papo. Sempre tive faro aguçado para trouxas. E ele não era só um trouxa. Era um que estava desesperado.
– Uma oportunidade e tanto.
– Sem dúvida! Não demorou cinco minutos e já sabia mais da vida dele que o seu próprio pai. Estava endividado, iria perder a casa e precisaria morar com a mulher e os filhos debaixo da ponte.
– E resolveu apostar dinheiro que não tinha?
– Para você ver que há maluco para tudo neste mundo.
– E qual foi a lorota que você contou?
– A de que havia um sistema de "rateio": o resultado da corrida era combinado com antecedência, de forma que os "azarões" ganhassem de vez em quando e o cartel das casas de apostas ficasse com a maior parte do dinheiro dos otários que haviam apostado. E de que uma parte seria dividida entre os jóqueis. Bastaria ele, o otário, entrar no esquema e o ganho com o prêmio da aposta seria muito maior do que o que ele iria gastar.
– E ele acreditou nesta sandice?
– Ficou um pouco arredio no início. Ainda mais depois que eu expliquei que a aposta precisaria ser alta. Mas, sabe como é: o desespero cega a razão.
– Sem contar que só cai no golpe quem já é desonesto.
– Pois é. Mas, gozado, no caso dele, parecia ser só agonia mesmo.
– E ele caiu.
– Sim.
– E o que aconteceu depois que você fez a esperança dele em pedacinhos?
– O homem estava mal de saúde e eu não sabia. Teve um infarto fulminante e caiu duro, com o perdão do humor negro, no chão.
– Você teria feito isso se soubesse que o idiota era cardíaco?
– Sem pestanejar! Sabe como é... Sujeito precisa garantir o leite das crianças.
Ele não respondeu. Acendeu um cigarro, deu uma tragada e o observou demoradamente.
– O homem que você matou era meu irmão.
Como que por um passe de mágica (ou de glicose na veia), o efeito etílico desapareceu.
– Sabe, ele sempre foi um homem de bem. Nunca deu problema na escola, sempre tirou notas boas. Fez faculdade, MBA. Trabalhou em multinacional... Até que perdeu tudo em uma iniciativa própria de negócios. E isso o obrigou a pegar empréstimo em banco. Um dinheiro que estava com ele naquele dia.
Após uma pausa em que refletiu um pouco:
– Gozado como são as coisas... Era um negócio que tinha tudo para dar certo. Uma "barbada", como você poderia dizer!
O outro permaneceu calado.
– Já eu era bem diferente. Batia ponto na diretoria da escola. Mas, eu não me importava: era por uma boa causa. Meu irmão era o tipo "cara muito legal". E, para protegê-lo, eu tinha que arrebentar uns e outros de pancada. Acabei tomando gosto pela coisa.
Deu mais uma tragada no cigarro e continuou:
– Um sujeito com a minha habilidade e poucos freios não seria grande coisa na vida. Mas, dependendo do ramo, poderia ter lá sua serventia. Isso me ajudou a arrumar um "emprego" com o "Dr. Fausto". Você, um vagabundo desgraçado como eu, certamente conhece... Não é?
– Sim. – e transpirava medo.
– Pois é. Sabe, eu sempre achei o apelido dele, "Dr. Fausto", uma coisa meio idiota. Ele me explicou, uma vez, que tinha a ver com um alemão ruim das idéias que havia vendido a alma ao diabo. Porque alguém faz esta merda, e eu falo de vender a alma, não sei. Deve ser pela mesma razão que merdalhões como você se aproveitam do desespero de gente bacana e honesta como o meu irmão.
– Eu sou um imbecil.
– É mesmo. Mas, é um imbecil com autocrítica. Isso, eu respeito. Mas, não vai te salvar de pagar a dívida com o diabo aqui.
Suava frio. O homem à sua frente tinha dois metros de altura e parecia, ele avaliava, ser capaz de quebrar um tronco de árvore na perna. Ou talvez fosse só o medo mesmo falando ao pé do ouvido.
– Sugiro que você desista de pegar este canivete. Você não terá tempo de usá-lo e não existe uma coisa que me irrite mais do que um bundão metido a malandro, querendo dar uma de macho.
– Foi só impressão sua.
– Isso. Bom menino. Sabe, me dá até vontade de só quebrar todas as suas articulações, uma por uma, em vez de fazer isso e também furá-lo para vê-lo sangrar até morrer.
Seu copo de uísque ainda estava no balcão e ele o pegou e bebeu.
– Boa, bigode! Acertou em cheio!
– Obrigado, senhor. – um leve aceno de cabeça.
– Sabe, o meu irmão, era o tipo do sujeito que, de tão gente boa, lhe daria um emprego. Por isso, em homenagem a ele, vou lhe dar uma chance. Você me devolve o dinheiro que ganhou às custas da sua morte e eu deixo de aleijá-lo de todas as formas possíveis e imagináveis. E de, em seguida, matá-lo. O que acha?
– Meu patrão é amigo do seu. Ele sabe o que você está fazendo? – havia ganho alguma confiança e resolvera apostar tudo.
– Sabe. Aliás, ele mesmo deu um telefonema para o dono da casa de apostas. Explicou a situação. E, como o seu chefe devia um favor ao "Dr.", deu o sinal verde. Mas, no duro, você não tem lá muito cartaz com o velho Tião.
Engoliu em seco.
– Então, vou repetir: aceita o trato?
– E se eu não estiver mais com o dinheiro?
– Então, você está fodido.
Havia tanta frieza na voz dele quanto na do sujeito que vai ao açougue e pede um quilo de carne moída.
– Está bem. Você venceu, aqui está o dinheiro. E metendo a mão no bolso, retirou três maços de cem notas de cem e os colocou em cima do balcão.
– Preciso contar?
– Você já foi muito claro na sua posição.
– Ajuizado. Gosto disso.
– Posso ir embora agora? – e na pergunta, havia reunido toda a coragem de que ainda dispunha.
– Não.
Sacou um revólver e atirou no joelho do outro. Com um urro de dor, este caiu no chão e jatos de sangue brotaram aos borbotões.
– Nós tínhamos um trato! – e começou a soluçar.
– É verdade. Mas, sabe, você também tinha um com o meu irmão. Também o fez acreditar que estava oferecendo um lance imperdível, uma "barbada"! Juro: eu teria vindo atrás de você de qualquer forma. No entanto, se ele ainda estivesse vivo, certamente me pediria para poupá-lo, para só pegar o dinheiro de volta. Eu teria feito a vontade dele. Mas... Para o seu azar, ele morreu.
– Pelo amor de Deus, não me mata!
– Se você tivesse usado essa boca de merda para me pedir misericórdia em nome do meu irmão, eu o atenderia. Mas, sabe o que te fodeu de verdade? Vou explicar... Assim, você terá papo para bater com o demônio: você disse que faria a mesma coisa mesmo sabendo que o meu irmão era cardíaco.
– Por favor!!!
Levantou o revólver e mirou com calma no coração. Não havia mais nada a fazer.
– Vá para o inferno, seu filho da puta!!!
– Claro que vou. A gente vai se ver lá de novo. Mas... Você vai primeiro.

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