0.0 Prólogo

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How could you hurt a little kid?
I can't forget, I can't forgive you
Cause now I'm scared that everyone I love will leave me
Scattered 'cross my family line
Family line, Conan Gray

HANNAH

~ ♡ ~

Tenho espalhado no meu quarto alguns troféus e medalhas, todos ganhados em competição esportiva, a maioria deles em campeonatos de natação. Acredito fielmente que nasci para isso, a adrenalina de ir lá no fundo da piscina e depois voltar, a sensação de liberdade quando estou dentro da água, parece que o mundo fica em câmera lenta, só existe eu e a água. 

Eu e meu irmão fomos criados desde pequenos para sermos atletas, seguir o legado da família, dar orgulho. E por isso a maior parte da atenção e validação que recebemos é ligada a nossas vitórias, às vezes os ganhos nem eram por ter sido os primeiros, ter pais com influência na cidade é de grande ajuda. Para eles o importante é sempre ganhar, não importa como. Viver como a família perfeita, da qual os pais são bem sucedidos e os filhos sempre são os primeiros.

 É bem fácil agradar meus pais, é só aparecer com algo escrito "o melhor", "primeiro lugar em", "por ter se destacado". Igual na primeira vez em que meu pai foi agressivo comigo e só voltamos a se falar após chegar em casa com uma medalha que ganhei na competição escolar. É impressionante como o comportamento dele mudou comigo depois que eu vi ele traindo minha mãe na nossa própria casa.

Meus pais sempre discutiam, mas nunca foram agressivos fisicamente um com o outro, pelo menos eu e meu irmão nunca tínhamos visto. Até meus 10 anos meu pai nunca tinha sido agressivo fisicamente comigo, óbvio que ele brigava, me colocava de castigo, mas eu era a princesinha do papai, a protegida, e de um dia para o outro isso mudou. Tudo mudou. Os gritos que antes eram abafados por conta da porta fechada já dava para escutar em alto e bom som por que agora a briga não era só entre ele e minha mãe. O que antes eram só gritos agora eram objetos sendo quebrados no chão. O " Henry, as crianças ainda estão acordadas" virou o " Pai, já chega" após ele ter dado um soco no meu irmão como castigo por ter brigado na escola.

De um dia para o outro a família perfeita já não era mais tão perfeita assim. Não dentro de casa.
As vezes penso que as coisas seriam diferentes se minha mãe não tivesse descoberto sobre a traição. Ela diz que meu pai não ficou assim por minha culpa, mas é difícil de acreditar sendo que o mesmo diz que sim em toda discussão que temos. Ele diz muitas coisas quando discutimos e eu sei que a maioria tá certa. Dá última vez ele me disse que eu o julgo tanto que não percebo, mas somos mais parecidos do que eu imagino e isso vem me atormentando desde então. Quando eu era criança queria ser igual a ele, hoje o meu maior medo é ser igual a ele. Tenho a péssima sensação de que esse medo está se tornando real e não sei como mudar isso.

É difícil você se dar conta de que a pessoa que mais era para proteger a família é na verdade a pessoa de que a família tem que se proteger. Por várias noites fiquei acordada pensando em ir embora, uma opção tentadora e impossível no momento. O que seria da família perfeita se a filha perfeita sumisse? O caos que seria, principalmente quando me achassem. A única opção que me resta até eu me formar é apenas ficar o maior tempo possível longe de casa. Nisso meu irmão é mestre, faz dias que ele só vem para dormir. Sabe-se lá onde ele vai e com quem.
Costumo passar parte do meu tempo sozinha e tenho consciência de que isso em algum momento pode ser perigoso.

Gosto de ficar sozinha, não que eu tenha muita opção quanto a isso. 

Gosto da minha própria companhia, sair andando pela rua durante a noite, mergulhar e ficar o maior tempo que conseguir debaixo da água é libertador para mim. Seria mais libertador se os motivos para eu fazer isso não fosse fugir. Fugir por algumas horas, por que sei que quando amanhecer tudo voltará a ser o que é.

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