"Pensem nas crianças, mudas, telepáticas
Pensem nas meninas, cegas, inexatas
Pensem nas mulheres, rotas alteradas
Pensem nas feridas como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueça da rosa, da rosa
Da Rosa de Hiroshima, a rosa hereditária..."Rosa de Hiroshima — Secos e Molhados
Nanquim, China
17 de dezembro de 1937
O vermelho vivo pintava as ruas, uma espessa camada de fumaça cobria o ar, tornando difícil manter os olhos abertos por longos segundos. Ruídos faziam-se presente no local, gritos agudos e estridentes, como se saíssem do fundo da alma, ressoavam pelos ares. Pessoas corriam de um lado para o outro, uns tentavam esconder-se, outros imaginavam que podiam lutar contra eles.
Lerdo engano, não havia escapatória, os homens armados eram como cachorros famintos, a dor e o medo alheio lhe enchiam a barriga.
Mães escondiam seus filhos, enquanto os pais eram gradualmente assassinados tentando proteger as famílias. Do outro lado da rua mulheres, meninas, idosas eram arrastadas pelos cabelos sem piedade, jogadas como sacos de entulho dentro de caminhões. Outras eram espancadas até a morte ali mesmo.
Os pedidos de socorro eram ignorados, 'por favor' ditos em vão. Era a primeira vez que algo assim acontecia em toda história da China, um ataque tão severo e devastador. A morte vagava pelo ar, todos aqueles corpos desfalecidos que decoravam as ruas, colocá-los apenas na casa das centenas era, no mínimo, errôneo.
Uma vasta névoa cinza cobria o céu, combinando ocasionalmente com as pessoas lá embaixo. Porém essa não era nem a pior parte, na verdade, todos aqueles cadáveres deveriam agradecer por terem tido um presente tão rápido como aquele. Afinal, a morte não é o pior dos sofrimentos humanos, não para aqueles que morrem.
E naquele momento, não havia nenhum ser divino que salvaria todas aquelas vidas, nenhum dos futuros traumas seriam obstruídos.
Uma garotinha corre pelos corredores da própria casa, os fios escuros grudaram na testa. As pernas curtas descem com rapidez pela escada, pulando alguns degraus pela pressa. Avistou a porta da cozinha bem a sua frente, com um único objetivo em mente, ela acelerou mais ainda. A pequena mão alcança a maçaneta, pula os três níveis, o que lhe causa uma queda, porém levanta rapidamente e prepara-se novamente para correr.
— Peguei você, garotinha má.
De repente sente como se seu cérebro pudesse sair de dentro da cabeça, o homem puxou-a para perto de si. A menina se debate, como uma pobre presa quando sabe seu fim. Tenta com todas suas forças libertar-se do aperto maníaco do mais velho. Pobrezinha, não havia escapatória.
— Achou que pudesse fugir, vadiazinha?! — O bafo alcança seu rosto, e à medida que ele aproxima a cabeça, ela continua tentando, mesmo sabendo que não haveria nenhuma chance nem milagre que a salvaria ali.
No exato momento em que foi jogada de qualquer jeito nos ombros do indivíduo, a menor mordeu a sua orelha com toda força e raiva que possuía. Instantâneamente foi atirada no chão de concreto, seus lábios proferiram um longo e profundo gemido de dor. Seus ossos ainda não estavam tão fortes, como em qualquer outra criança de dez anos. Decerto algumas costelas foram quebradas, contudo não foi o terrível desconforto que a impediram de rastejar pelo solo duro, tentando miseravelmente fugir.
Como em um pesadelo quando somos sugados mais para baixo, suas costas foram abruptamente viradas. Pôde enxergar o pescoço e parte da cabeça do homem completamente encharcados de sangue. Foi quando sentiu o primeiro forte impacto contra seu corpo estirado na rua.
— Desgraçada! QUEM VOCÊ PENSA QUE É, SUA PUTA?! — E mais outro.
Então outro, outro, outro, e mais uma sequência. Desferiu toda sua fúria contra a menina indefesa.
Ela havia conversado apenas uma vez com os pais a respeito da morte, quando teve que despedir-se definitivamente dos avós. Sabia mais ou menos o conceito, nascemos e morremos, estava ciente que chegaria sua hora algum dia. Só que não imaginava ser tão cedo, e de forma tão desumana quanto aquela.
A menina virou a cabeça para o lado, a dor consumia cada parte do seu ser, não só a física, mas também a mental. Culpava-se por não ter conseguido realizar o último clamor do pai, quando lhe pediu para fugir e não ser pega. Os fios cobriam seu rosto manchado de sangue, as lágrimas desciam por seus olhos, ao longe uma outra mulher recebia o mesmo destino. Lembrou-se da mãe, viu sua progenitora abrir os olhos pela última vez antes de ter um buraco no meio da testa.
Não sentia mais nada, era como se aos poucos estivesse perdendo os sentidos. A dor vagarosamente desprendia-se de si. Não sabia ao certo como as pessoas sabiam que estavam morrendo, porém ali teve certeza do que todos falavam. Seus olhos tornaram-se pesados e, cedendo ao silencioso pedido, fechou-os lentamente.
O homem parou, apenas alguns minutos depois de perceber que não havia mais vida naquele pequeno corpo estendido. Suspirou cansado, sentia a dor aguda latejar sua cabeça. Pressionou o machucado ao mesmo tempo que desviava da matéria agora inanimada.
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𝗦𝗲𝗴𝗿𝗲𝗱𝗼𝘀 𝗱𝗮 𝗖𝗼𝗿𝘁𝗲 𝗜𝗺𝗽𝗲𝗿𝗶𝗮𝗹
Romance3° livro da trilogia: Princesses in Love Em meio ao turbilhão da Segunda Guerra Mundial, no Japão em 1937, a morte do Imperador desencadeia uma série de eventos que abalam a família. Enquanto o país se firma como um império forte e brutal, uma escra...