O ultimo dia

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Alice Gomes

- Alice Gomes, como você liberou seus poderes?
Eu não tinha uma resposta para isso. Na verdade, sempre surgem mais dúvidas.
Mas sobre uma coisa eu tenho certeza, esse dia foi um marco na minha vida. Eu, finalmente, descobri que sou uma Prodígio. Você deve estar querendo saber o que é um Prodígio, mas vou deixar isso para depois. Irei começar pelo começo, ou melhor, por quando as coisas começaram a mudar. Tudo começou naquele dia infeliz...
Antes da tempestade minha vida poderia ser resumida em uma palavra, previsível. Eu estava naquele momento da vida em que as coisas estavam dando certo. Claro que havia alguns inconvenientes, mas nada demais, tudo estava ocorrendo da maneira que imaginei e às vezes até melhor. Conseguia olhar para frente e visualizar o meu futuro com clareza, meus planos e minhas aspirações, tudo já estava definido.
Então, de uma hora para a outra, algo aconteceu e tudo mudou, como uma tempestade que, rapidamente, se forma em um dia quente e ensolarado de verão. As coisas saíram do meu controle de uma maneira tão rápida que não consegui reagir. Assim aquilo que tinha mais valor para mim escorregou pelas minhas mãos e voou para longe. Só me dei conta do que havia acontecido após sentir meu coração despedaçando-se, de uma forma instantânea e dolorosa, como se ele tivesse sido atingido por um raio.
A tempestade foi rápida, todavia as sequelas ficariam por um bom tempo. O futuro tornou- se tão incerto quanto uma serra, quando a neblina aumenta e não é possível enxergar um palmo à frente.
Naquele momento eu mal podia imaginar que essa tempestade estava prestes a se formar e transformar a minha vida por completo. Alguém tinha um propósito muito maior para a minha vida.

Acordei exausta. Provavelmente, já estou atrasada para a faculdade. Mas não posso faltar hoje por ser o último dia de aula.
Me espantei quando percebi que já era quatro horas e trinta minutos, eu tinha menos de quinze minutos para chegar ao terminal de ônibus. Levantei-me desesperada e me arrumei no mesmo estilo de sempre, blusa de moletom, calça jeans, all star azul e cabelo solto. Eu estava tão atrasada que mal consegui pentear minhas madeixas ruivas e quase esqueci meu grande companheiro, o meu óculos.
Peguei minha mochila e saí em disparada para enfrentar mais de duas horas até chegar à USP. Não é fácil estudar em uma cidade e morar em outra, mas não é isso que vai me desmotivar.
Horas mais tarde, despois de trânsito e metrô lotado, cheguei no campus e logo vi a Lisa vindo em minha direção, sorridente e alegre como sempre. O seu cabelo loiro claro parecia refletir os raios solares que o atingia, ele era iluminado, assim como sua dona.
- Oii. Bom dia! Eu estou tão contente. Tem coisa mais maravilhosa do que as férias? Você viu como o céu está bonito? Um azul tão...
- ...Vívido! – disse completando a frase de minha amiga.
Não sei nem se uma palavra como vívido poderia definir o céu naquela manhã, ainda não era sete horas da manhã e o céu estava tão azul que aparentava ter sido pintado, como em um quadro. Não havia nem uma nuvem, ou seja, nada de chuva e melhor ainda, nada de enchentes!
- Aliás, eu já te contei sobre… ARTHUR!
- O que tem ele? – pergunto, revirando os olhos.
Será que ela não consegue esquecer esse garoto por um minuto?
- E aí, Lili? - disse Arthur com um ar esnobe, aproximando-se de nós. - Como vão as preparações da festa? – perguntou, enquanto colocava o seu braço ao redor do ombro de minha amiga.
De que festa ele estava falando? A Lisa sabe que eu não sou muito de festa, mas é estranho ela não ter me contado, claro que isso pode ser explicado pela correria dessa semana...
- Ainda preciso resolver algumas coisas, mas não se preocupe. A festa vai ficar perfeita!
- Você tem certeza que vai dar tempo, Lili? - disse ele segurando as mãos dela. -  Eu estou contando com você, eu sei que só faz uns dias que eu te falei, mas a incompetente da Lívia só me avisou segunda que ia para Paris.
A partir daquele momento não prestei mais atenção na conversa. Os meus pensamentos falavam mais alto que os dois. Não acredito que a Lívia vai para Paris também! Será que o Gael sabe? Não, claro que não, eles nem são amigos. Mas, se eu não me engano, a família dela é amiga da dele. Enfim, coincidência ou não, isso não significa nada. Ou talvez signifique. Ela seria a garota ideal para o Gael... na visão dos pais dele.
- Você não acha, Lice? – disse minha amiga, interrompendo meus pensamentos.
- Oi? – disse, enquanto voltava à realidade.
- Esquece, Lili. Você não sabe que sua amiga vive no mundo da lua? Se você continuar dormindo assim, vai perder seu namoradinho.
- O que você quis dizer com isso? Quem você pensa que é para falar isso?!
- Quem avisa, amigo é – me respondeu, com desdém. - Tchau Lili, a gente se vê por aí.
Ele piscou para minha amiga e saiu andando, não antes de lançar um sorriso sarcástico para mim.
- Sério, o que você vê nele?
- Como assim? – ela pergunta indignada. - Ele é tão maravilhoso... – suspirou.
Observando os sintomas que ela apresentava, como o brilho nos seus olhos e os suspiros, ela só podia estar apaixonada ou melhor, iludida. Completamente iludida. Apenas uma pessoa tão boa como a Elisa poderia gostar do narcisista do Arthur.
- Você já viu que horas são? – Ela me perguntou, tentando escapar da conversa.
Realmente estávamos atrasadas.
- É melhor irmos para nossas aulas. A gente se vê na hora do almoço? – perguntei.
- Eu vou almoçar com os meus colegas, eles estão me ajudando a organizar a festa. Está ficando tudo perfeito, o tema é Las Vegas. Desculpa não ter contado antes, mas eu estou tão ocupada. Depois conversamos, tá? Beijos! – ela não estaria mais empolgada se estivesse organizando sua própria festa.
A Elisa tem anorexia, um distúrbio alimentar em que a pessoa vê seu corpo de uma forma distorcida, em sua visão está acima do peso, quando pode estar muito abaixo dele e isso faz com que ela não se alimente direito e faça exercícios de uma forma compulsória. Por isso eu cheguei a me questionar se ela usou “almoçar” no sentido de simplesmente passar o horário de almoço com os colegas dela ou no de se alimentar. Mas eu precisava dar um voto de confiança a ela, ela avançou tanto no tratamento e, de qualquer forma, tirando o horário de refeição da faculdade, eu nunca sei se ela se alimenta.
Acenei para a minha amiga e comecei a andar em direção ao prédio da Poli - ou Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para os que não são tão próximos – onde eu curso engenharia civil.
Durante as aulas, eu só consegui pensar sobre o que o Arthur disse. Provavelmente ele disse aquilo somente para me irritar, mas só para acabar essa paranoia, vou conversar com o Ga. Resolvi mandar uma mensagem para ele, mas ela não chegou. No horário do almoço procurei por ele no bandejão, onde costumamos almoçar, mas não o achei.
Após o final das minhas aulas, enquanto eu saia do prédio da Poli, avistei o Gael sentado em um dos bancos externos.
- Oi. Eu estava te esperando - disse o Ga, se levantando para me cumprimentar. - Ele não estava sorridente como de costume e os seus olhos, tão azuis e profundos quanto o mar, estavam sem o seu brilho típico.
- Oi. Está tudo bem? – perguntei preocupada.
Sua boca se mexeu, simulando uma resposta, mas ele recuou. Então, ele se aproximou de mim e me abraçou. Permanecemos assim, em silêncio, até ele ter coragem de me responder.
- Está tudo bem sim. Na verdade, não – ele se afastou um pouco para trás e olhou em meus olhos, mas ainda me abraçando. - A questão é que eu não quero ficar longe de você. Eu te amo tanto, Li. Você não faz ideia de como você é importante para mim – ele segurou minha cintura e me puxou para perto de si. Sua outra mão passou pelo meu cabelo, parando em minha nuca e então ele se inclinou, e me beijou, não da maneira doce de sempre, mas intensamente. Era o clássico beijo dos filmes, o beijo tão esperado, como se fosse demorar uma eternidade até nos vermos de novo. O que não fazia muito sentido. Nós ficaremos longe um do outro durante a viagem, mas ele já viajou outras vezes sem mim e em nenhuma delas ficou assim.
Após nossos lábios se afastarem, continuamos nos abraçando. O silêncio predominou a situação, mas meus pensamentos não paravam de falar. Afinal, o que aconteceu para ele estar assim?
- Eu vou te dar uma carona até sua casa.
- Tá bom. Aconteceu alguma coisa?
Ele não respondeu, apenas andou em direção ao estacionamento e permaneceu calado até entrarmos no carro.
- Como foi o dia, nerdizinha?
- Como foi o seu dia, playboyzinho?
- Não é justo, eu perguntei primeiro – ele disse sorrindo.
- Está melhor agora, que estamos juntos – olhei profundamente em seus olhos e segurei bem forte a sua mão, com seus dedos cruzados com o meus.
- Não diz isso, por favor.
- Por que? O que você quer dizer com isso? Eu fiz alguma coisa errada? Por favor, me diz o que está acontecendo.
Não me abandona. Eu não sei viver longe de você.
Ele segurou firme minha mão e seus olhos fitaram os meus.
- Sinto muito, de verdade, mas eu não posso mais adiar. É necessário... – ele respirou fundo. - Eu quero que você fique com o Companheiro – disse apontando para o seu violão, que estava no banco de trás.
- Claro, o Companheiro não vai querer ficar sozinho durante sua viagem.
- Eu deixei o nome de uma música dentro do estojo do violão. Depois pesquisa ela, tá?
Apenas balancei a cabeça em concorrência. Eu não estava entendendo o rumo dessa conversa.
- O que eu quero te falar é... o meu voo sai hoje às onze horas.
- O que? Eu achei que a gente teria mais tempo antes de você ir.
- Não se preocupe com isso.
Porque ele estava estranho daquele jeito? Será que isso tem relação com a Lívia?
Ele deu partida no carro, mas logo desligou, apoiando a cabeça no volante.
- O que foi, Gael? Me explica o que está acontecendo.
Passei a mão em seu cabelo da cor do chocolate, a fim de deixá-lo mais calmo. Pude escutar seus soluços e o choro abafado.
Ele se recompôs, enxugou as lágrimas discretamente e após um suspiro, tomou coragem para começar a falar.
- Acabou, Alice. – Declarou minha sentença, olhando no fundo dos meus olhos
Ele simplesmente soltou essa frase. Uma pequena frase, mas de grande impacto. Aquelas palavras penetraram em meu coração, ferindo-o cruelmente. Mesmo contra minha vontade, lágrimas começaram a jorrar de meus olhos. Esse era o fim.
Eu continuei ali ao seu lado, paralisada, sem saber o que fazer.
- Tudo que vivemos foi real, tudo que sentimos um pelo outro, nada disso foi ilusão. Apesar do nosso amor, não podemos ficar juntos, há coisas mais importantes. Acho que eu não tenho muito mais a dizer, além de te pedir perdão, mesmo sabendo que você jamais vai me perdoar. Sinto muito por ter feito você acreditar que eu era o amor da sua vida, eu não queria ter te iludido. Eu também queira realizar todos os nossos sonhos, o nosso casamento, os nossos filhos, aquela viagem para a Itália... – após refletir um pouco, ele prosseguiu - Sinto muito por estar causando todo esse sofrimento e obrigado por todos os momentos bons que você me proporcionou. Acho que isso é um adeus, nerdizinha.
O que ele disse não fazia sentido. O que poderia ser mais importante que o nosso amor?
Durante todo esse discurso eu não consegui falar uma palavra sequer, nem ao menos mover um músculo, apenas as lágrimas se moviam pelo meu rosto. Lágrimas que demonstravam a dor que não cabia em meu peito.
De repente, ouvi alguém se aproximando de nós. Olhei pela janela e vi que era a Lívia, inconveniente como sempre. Ela me olhou com uma mistura de deboche e soberba, e bateu na janela do carro no lado do Gael.
- Depois a gente conversa, Lívia. Tchau. – Ele disse após abaixar o vidro.
- Eu já estou indo, bebê. É que a gente combinou de ir no shopping antes da viagem, lembra?
Estava tudo mais que claro: eu perdi o amor da minha vida para a Lívia. Não consigo acreditar que ele me trocou pela garota mais metida e chata de toda a USP, além de linda e rica, claro. E os nossos “eu te amo", será que ele se esqueceu disso? Será que foi por dinheiro? Com certeza a ideia foi dos pais dele, eu sabia que eles não gostavam de mim, mas que o Gael faria isso, jamais.
- Você ficou louca? Você não devia estar aqui! - Seu tom de voz havia se alterado, eu nunca o vi desse jeito.
- Tá bom, tá bom. Eu já estou indo. Beijos, bebê! - Ela tentou dar um beijo nele, mas ele se esquivou. Depois saiu andando, não antes de me olhar com desprezo.
Isso não pode ser real, não pode...
Saí do carro e comecei a andar, ou correr, eu estava tão abalada que não sei dizer ao certo. Ouço um "Eu sinto muito!". Mas não tive coragem de olhar para trás. Além disso, olhar para trás... o que isso mudaria? Eu o havia perdido para sempre.
Eu estava com vontade de gritar, voltar até ele e me humilhar, implorando para que ele não me deixasse. Ele sabe que eu preciso dele.
Continuei correndo até minhas forças se esgotarem, então, caí no chão. Não me importei se todo o mundo me visse desmoronada. Eu tive vontade de ir embora desse mundo, mas me arrependi por pensar isso logo depois, não podia ser egoísta dessa forma, odiaria ser o motivo de dor para a minha família.
Permaneci ali desamparada até que senti alguém tocando meu ombro direito. Só pode ser o Gael. Eu não deixarei ele me iludir de novo!

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⏰ Última atualização: Apr 08 ⏰

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Os Prodígios: A Tempestade (amostra)Onde histórias criam vida. Descubra agora