"Pelas roupas rasgadas mostram-se os vícios menores: as vestes de cerimônia e as peles escondem todos eles."– William Shakespeare
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Eu gosto de cereja.
Não só quando a tornam uma bola de açúcar artificial, mas a frutinha em si, me ensinou que coisas pequenas também podem ser amargas tanto quanto deliciosas. Querendo ou não, em certo momento, me conformei e finalmente assenti de que eu poderia ser uma cereja. Agora eu sou uma cereja.
Literalmente.
Os fios arruivados nunca me foram uma vontade insana dos muitos resultados de surtos internos por qualquer problema que tenha me afligido repentinamente. Mas eu gostava.
Ele gostava.
E se assim quisesse, assim seria.
No espelho do retrovisor na clássica em escarlate e preto, as íris verdes corriam junto as pupilas por como o molejo de minha franja serpenteava o ar e cobria, vez ou outra, os lumes adornados de uma leviana sombra marcante e a armação do óculos de sol.
Me encontrava encostado na motocicleta de alguém que eu nem mesmo conhecia, no estacionamento de um barzinho de gangues morimbundo beira estrada qualquer.
Na boca, o pirulito de cereja com um fino palito branco pendia entre meus lábios cobertos de gloss, emitindo propositalmente, ou não, um biquinho só para ter o prazer de chupar de forma tão despudorada.
Estava ansioso. Inquieto e sem paciência eram as palavras corretas. Eu odiava esperar e Jungkook já estava demorando.
Faziam horas! Talvez, apenas minutos... Mas eu não estava contando.
Eu só queria não estar embaixo de um sol de 40° graus, esperando plantado quando podia muito bem acompanhá-lo na negociação que estava fazendo!
— Maldito dia para escolher vestir couro — resmunguei baixo, chutando uma pedra no chão de terra vermelha e batida.
Nos ombros, o peso da jaqueta escarlate de couro o qual Jeon havia comprado para mim e, "misteriosamente", apareceu no dia seguinte personalizada com um "A" de "Anarquia", circulado nas costas grafitadas em tinta preta, pesava, mas eu me recusaria a tirar.
Foi ele quem me deu.
Havíamos saído do chalé, seguindo a estrada pra sair da floresta e mudar drasticamente o clima só para atravessar algumas cidades desérticas e finalmente estar quase próximos a terra natal de Jungkook.
Ele ainda obtinha aquela ideia irredutível na cabeça em relação ao seu amiguinho de infância e não havia muito o que eu podia fazer. Mas isso não me foi tão desnecessário quando me lembrei de que estávamos próximos a um local que a tempos eu queria voltar. Era só Jungkook sair por aquela porta que iríamos finalmente voltar para a estrada e assim seguir caminho.
Mas mais uma vez os ponteiros não pareciam correr quando me peguei olhando pela décima vez para a mesma revoada de abutres, perseguindo e cercando uma lebre do deserto parecendo tão velha e à beira da morte quanto a minha vontade de viver.
Me perguntava: "Por que não mata logo? É só matar! Eles não sabem matar?"
Mas a arte de assistir a presa agonizar até o último súbito de vida e apodrecer para então ser dilacerada como se não tivesse alguma importância a não ser um mero saco de comida para vermes, pareceu, por aqueles quinze minutos inteiros, menos tedioso que o velho bêbado e babão, dormindo e se pendurando na cadeira da varanda de entrada do bar.
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𝘽𝘼𝘿 𝘽𝙇𝙊𝙊𝘿
FanfictionUma alma quebrada pode ser o maior entretenimento de outra que jamais existiu.