Prólogo

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Pisquei uma, duas, três... parecia um pesadelo... aquilo era um maldito pesadelo e eu só queria acordar de uma vez. A gritaria ao redor simplesmente ficou silenciosa, assim como alunos correndo de um lado para o outro em completo desespero. No entanto, não movi um único músculo, enquanto meus olhos estavam fixos na imagem de Diego de frente para mim e um buraco enorme no meio da sua cabeça.

Ele me encarou com os olhos arregalados, talvez não estava esperando aquilo — na verdade, ninguém estava e a única coisa que as pessoas fizeram foi se desesperar. Diego piscou e em câmera lenta o vi despencar no piso liso da quadra da escola. Acima da sua cabeça um dos alunos ainda estava com uma pistola apontada — era Miguel, um de nossos colegas de turma.

Não sabia por qual motivo aquela tragédia se deu início. Diego não era santo, mas não merecia morrer daquela forma. Meu rosto estava coberto com seu sangue e pedaços do que seria o cérebro dele, porém não tive atitude de sequer me mexer. As lágrimas presas saíram e um zumbido havia passado rente aos meus ouvidos, ou talvez a bala que quase me acertou.

Se eu fosse um pouco mais alta, talvez fosse atingida, então minha pouca estatura me salvou da morte; nunca fui tão feliz de ter um metro e quarenta e nove naquele momento. Em meio aquele caos, ouvi ao longe a voz aguda de Mila, mas ela não estava longe e sim ao meu lado me sacudindo para correr.

Novamente encarei Miguel, que abaixou sua arma, correndo para os fundos, pulando o muro baixo da escola. Diego ainda permanecia no chão quando fui arrastada por Mila e ele nem teve tempo de me contar o que tinha acontecido no desenho que estava assistindo. Aquilo era um pesadelo.

Flores sempre foi um lugar calmo e qualquer desavença era resolvida entre os moradores do condado sem partir para a violência. Naquela época não entendi o que havia acontecido na nossa querida cidade e não era um assunto que papai costumava falar na mesa do jantar. Ele estava sempre muito exausto e estressado com alguma coisa, mas mentia dizendo ser apenas muito trabalho.

Papai não tinha todo esse trabalho em Flores — era uma cidadezinha do interior e as únicas ocorrências eram pequenos roubos de galinhas e brigas de vizinhos por causa das galinhas e cabras. Ele era policial e muito querido na comunidade, assim como meu irmão mais velho Luiz. Papai era conhecido por acabar com conflitos com uma boa conversa e muita simpatia, por isso a gente amava muito ele.

Hoje sei o que acabou com a vida do papai — não — acabou com nossa família.

Lembro com nitidez, que após o tiroteio na escola e a morte de Diego, as coisas na cidade ficaram estranhas. O padre Constance disse na missa que o diabo estava entre nós, porém o diabo era um homem e esse único homem tirou tudo de bom do nosso condado. Papai parecia ainda pior e por mais que tentasse mostrar que tudo ficaria bem, não ficou, nunca ficaria.

Foi em uma noite chuvosa, ele e Luiz foram atender uma ocorrência — mamãe passou todo o tempo encarando a janela, esperando os dois. Eu estava na sala fazendo a lição de casa, porém a escola havia anunciado que em breve fecharia, pois o prefeito pretendia criar uma casa de show no lugar e os alunos deveriam estudar em cidades vizinhas.

Devo ter dormido ali em cima da mesinha de centro, quando ouvi batidas na porta. Mamãe passou correndo da cozinha e quando atendeu, vi apenas ela caindo de joelhos no chão aos prantos; uma coisa ruim tinha acontecido. Acompanhei a mamãe até o necrotério e novamente me vi inerte, encarando os corpos acinzentados do papai e do Luiz, ambos mortos por tiros, quando estavam trabalhando.

Fora Mila a ficar ao meu lado todo o tempo do velório e dormiu na minha casa para não estar sozinha. Mamãe se isolou, mal falando comigo e afundada na própria dor. Ela amava papai como uma louca, foi seu primeiro amor e estavam casados há anos e sua morte a destruiu.

Padre_ Série: Desejo Profano livro 5 (D.O)Onde histórias criam vida. Descubra agora