Capítulo 001: Este Inverno

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Era o inverno mais frio de que Sirius se lembrava. O tipo de frio que faz sua respiração criar nuvens de condensação e que congela seus dedos quando ele tenta tocar piano. Pouco importava os dois pares de meias grossas que estava usando; elas não eram suficientes para impedir que o frio incrustado nas pedras do castelo chegasse até seus ossos e arrepiasse sua pele desconfortavelmente. Ainda assim, não era suficiente para obrigá-lo a sair de seu poleiro da janela e voltar para cama. A cadência dos flocos de neve caindo do lado de fora, e o tilintar suave que faziam quando tocavam o vidro o estavam hipnotizando, como a melodia de uma música bem executada em um instrumento, ou o deslizar suave das penas em pergaminho novo. 

Sirius sempre odiou o inverno. Era uma estação amaldiçoada que só fazia deixar a casa de seus pais ainda mais fria, além de trazer visitas inconvenientes e comemorações que perturbavam a pouca paz que ele conseguia ter no Largo Grimmauld. Tudo parecia se tornar mais afiado naquela época - as expressões de seus pais, os feitiços lançados em sua direção, as palavras ditas na intenção de machucar.

Desde que chegou a Hogwarts, no entanto, Sirius passou a apreciar o inverno. Ele amava o assovio dos ventos cortantes nas torres do castelo, a adorável monotonia de um mundo monocromático, a sensação de abraço que os suéteres grandes e fofos com um leve cheiro de mofo lhe causavam, e como seus dedos se aqueciam com xícaras de chá preparadas por mãos cuidadosas.

— Você está acordado.

Sirius desvia os olhos do vidro embaçado. Suas mãos estão tremendo agora, mas não é culpa do frio. Isso vem acontecendo há algum tempo - as batidas aceleradas de seu coração, o formigamento nas pontas dos dedos, a dor que oprime seu peito toda vez que ele olha para Remus.

— Desculpe, Moony — diz baixinho, embora só estejam os dois no dormitório. James e Sirius foram para casa, sedentos para estarem junto de suas famílias. Como não foi intimado a voltar para o Largo Grimmauld, Sirius optou por ficar em Hogwarts, assim como Regulus. Já Remus disse que preferia passar o Natal com Sirius a ter de aguentar os olhares complacentes de seu pai durante quase três semanas. Claro, Sirius sabia que havia razões para que Remus permanecesse na escola, mas não deixou de se sentir feliz com isso. 

— Por quê? — Remus perguntou, sentando-se diante de Sirius. A parte de baixo de suas coxas cobriram seus pés, trazendo algum calor. Não havia a menor possibilidade de ele, com suas pernas longas e magras, conseguir acomodá-las naquele espaço minúsculo, então as esticou à sua frente. Ele havia acordado durante a noite para calçar mais um par de meias, Sirius percebeu. Mas não era só isso: Remus era tão quentinho, não importava qual fosse a temperatura do lado de fora.

— Eu acordei você.

— Não mesmo. Há quanto tempo está acordado?

Sirius deu de ombros, tentando soar displicente. Nunca funcionava com Remus, mas ele estava tão acostumado a fingir que era difícil se desfazer disso.

— Há uma hora, eu acho…

— Mentiroso.

Era mentira. Sirius havia acordado há mais de duas horas. Ele não sabia o que fazer quanto a isso. Seus hábitos de sono eram horríveis, como se uma parte dele nunca conseguisse descansar de verdade. Havia algo que o puxava para a consciência toda vez, como a gravidade puxava objetos para o chão. Ele passa a maior parte das noites vagando entre seus próprios pensamentos e os cômodos da sala comunal, desejando que as coisas sejam diferentes.

Mas em vez de falar sobre isso, Sirius volta a atenção para a janela. A neve aumentou, e agora todo o parapeito está tomado de branco.

— Você acha que ainda há espectros da neve por aí?

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