Certa vez quando eu era menor uma senhorinha de meia idade me parou no trem. Ela era mais o menos da minha altura, não lembro muito de sua aparência, mas sei que seus cabelos eram tão loiros quem mal dava para notar seus cabelos brancos. Na hora eu estava tão distraída com o pingente que ganhei que nem notei sua presença, até ela falar comigo.
— Que cabelo bonito. — disse a senhorinha.
Olhei ao meu redor com dúvida se era comigo que ela estava falando.
— Espera, você é a filha do Owen, não é? — ela insistiu.
— Está falando comigo? — pergunto.
— Sim.
— Me desculpa, estava tão distraída que nem ouvi. Pode repetir? — pedi para a senhora repetir mesmo que eu tenha ouvindo a maior parte.
— Falei que seu cabelo é lindo. — ela disse enquanto mexia nele.
Meu cabelo é loiro, não tão claro, mas não tão escuro, com leves ondas. Eu gosto muito do meu cabelo, mas daria tudo para ter herdado o loiro platinado da minha mãe que está ao meu lado lutando contra o sono.
— Muito obrigada, seu cabelo também não é nada mal, na verdade não é nada mal mesmo, é lindo, tão loiro, tão liso... — antes mesmo que eu terminasse de falar ela vê a minha mãe ao meu lado.
Algo me diz que ela já me conhece, não só eu, mas toda a minha família.
— Sabia! Eu estava te conhecendo de algum lugar, tinha até lhe perguntado se era a filha do Owen. Bom, minha memória não está tão ruim assim.
Meu pai é o prefeito aqui de Massachusetts, em Boston, todos o conhecem, mas não de verdade.
— Ah, você conhece meu pai. — a senhora percebeu que eu fiquei sem jeito quando falou do meu pai, então tentou mudar de assunto, mas já era tarde de mais, pois minha mãe a interrompeu dizendo:
— Vamos Alysson, precisamos descer aqui. — quando viu a senhora deu para ver o seu sorriso animado. — Jack! O que faz aqui? Meu Deus que coincidência!
De onde elas se conheciam?
— Eleanor! Quanto tempo, como vão as coisas? E o Owen como vai? — de novo ela fala sobre meu pai.
Minha mãe sempre soube mentir muito bem, tanto que continuou com seu sorriso de orelha a orelha.
— Está tudo ótimo. Ah, e o Owen vai muito bem. Tchau Jack, nós precisamos ir. Foi um prazer te reencontrar. — disse minha mãe segurando na minha mão já pra irmos embora.
— Tchau, querida.
O ônibus estava demorando muito naquele dia, eu e minha mãe já estávamos preocupada com o horário, pois ia dar a hora do almoço e meu pai ia chegar do trabalho. Isso significava que se ele chegasse em casa e não tivesse comida pronta, eu e minha mãe seríamos espancadas.
— Mãe, já são 11:23. — não queria acabar preocupando ela, mas tem hora que eu preciso fazer isso. Eu realmente não queria deixá-la nervosa, mas não queria mais ainda ser espancada. Só queria que meu pai entendesse que não era nossa culpa, que não era nossa intenção, deixá-lo sem comida, mas não tínhamos o que fazer quando o assunto é esperar ônibus. Não podíamos escolher o horário em que o ônibus chega, nem a hora em que queríamos chegar em casa.
— Eu sei filha, mas não temos o que fazer em meio a essa situação. — disse ela. — E se comprássemos comida? A gente compra e pega um táxi. Acho que só assim para chegarmos.
E foi exatamente assim fizemos, chegamos em casa antes dele, então deu tempo de colocar em uma travessa pra ele não desfiar de nada.
— Alysson, vai arrumando a mesa, enquanto eu vou esquentando a comida. — minha mãe gritou da cozinha.
Exatas 2 horas e 27 minutos depois que preparamos tudo, ele chegou. Pelo seu jeito de anda ele estava bêbado. Tão bêbado que caiu na sala. Minha mãe foi o ajudar a levantar. Mas ele gritou com ela.
— Vem almoçar Owen. — chamou minha mãe.
— Será que você pode cuidar da sua vida, merda. — gritou meu pai, tão alto a ponto da minha mãe se assustar.
Por mais que eu amasse o meu pai, eu o odiava profundamente, eu o odiava tanto que preferia nunca ter o conhecido.
Quando meu pai terminou de almoçar ele se levantou e pegou o seu prato, o que me fez estranhar, pois sempre quem leva seu prato é minha mãe, ele sempre fez questão disso, mas hoje não fez. Então palpitei que fosse por causa da embriaguez.
Eu e minha ame estamos sentadas no chão da sala assistindo enrolados, como sempre fizemos, mas fomos interrompidas com um estrondo de pratos quebrando. Então logo veio a minha mente: meu pai. Demos um pulo do chão e corremos até a cozinha para ver o que de fato tinha acontecido. E eu estava certa, toda a louça que estava na pia, agora está no chão.
— Você é uma imbecil! — gritou meu pai indo para cima da minha mãe.
Do que ele estava falado? O que minha mãe fez dessa vez?
— O que aconteceu desta vez, meu bem?
— Você comprou comida pronta! Sua merda, não tem nem capacidade de fazer uma comida!
Naquele momento algo inesperado acontece, e bom, dessa vez, vai ser difícil para minha mãe disfarçar.
Meu pai normalmente não a acerta onde pode deixar marcas visíveis. A última coisa que deve querer é que as pessoas da cidade descubram que bate na mulher. Já o vi chutá-la algumas vezes, estrangulá-la, golpear suas costas, sua barriga, puxar seu cabelo. Sempre que ele bateu no rosto de minha mãe, foi sempre um tapa, acredito que para minimizar as marcas.
Mas eu jamais o vira fazer o que fez naquele dia. Ele a puxou para o sofá, quando fui atrás ele estava com a mão em volta de seu pescoço. Ela se debatia para se livrar, e eu fiquei paralisada. Minha mãe continuou implorando para que ele saísse de cima dela, e então ele bateu em seu rosto e a mandou calar a boca. A primeira coisa que pensei foi em chamar a polícia. Minha mãe já havia me avisado para nunca chamar a polícia. Disse que a carreira de meu pai correria risco. Porém, para ser totalmente sincera, naquele momento eu não ligava para isso. Não ligava se ele era prefeito ou se todos os amigos não conheciam esse seu lado terrível. Eu só queria ajudar minha mãe, então vesti o casaco e fui até o closet pegar um sapato.
Quando saí do closet, a posta do quarto se abriu.
Minha mãe entrou e rapidamente fechou a porta, trancando-a. Jamais vou me esquecer de como ela estava. O lábio sangrando. O olho já começando a inchar, e um tufo do cabelo caído sobre o ombro. Ela olhou para mim assustada, reparando na minha roupa e nos meus sapatos.
Não me importei com isso. Eu estava preocupada com ela, nada mais. Eu me aproximei, agarrei suas mãos e a levei até minha cama. Afastei o cabelo de seu ombro e de sua testa.
— Eu vou chamar a polícia, tá bom, mãe?
Seus olhos se arregalaram de forma exagerada, e ela começou a balançar a cabeça.
— Não, você não pode fazer isso. — respondeu entre choros. — Ele está bêbado, Alysson. — argumentou minha mãe. — Ele escutou a porta se fechando, então foi para o nosso quarto. Ele parou. Se chamar a polícia vai ser pior. Deixe ele dormir, e isso vai passar, amanhã ele vai estar melhor.
Fiquei arrasada, mas percebi que dever ter sido porque ela é assim: varre pra baixo do tapete tudo o que a magoa, e nunca mais toca no assunto.
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A um passo da verdade
RomanceAlysson cresceu em um lar turbulento, cresceu vendo coisas traumatizante. Agora que a sua vida mudou completamente da noite pro dia resolve correr o risco de se apaixonar, deixando escapar todos os segredos da sua infância turbulenta com seu pai.