O mundo ao redor de Bianca parecia envolto numa tempestade de neve, uma imensidão clara e embaçada que passava o sentimento de uma memória distante e quase irreconhecível. Tudo que ela sabia era que, neste plano de incerteza e irrelevância, existia apenas uma coisa que parecia se destacar.
Na mão, residia uma caixinha de suco de manga, que, no topo, era perfurada por um canudo listrado dobrado para baixo. Do pequeno buraco do canudo, uma singular gota de coloração alaranjada lutava para escapar de seu confinamento, ficando mais próxima de fazer isso conforme a pressão da mão de Bianca aumentava. Com delicadeza, ela apertou o suficiente para que aquela gota de suco, e somente ela, conseguisse cair e manchar o que poderia ou poderia não ser uma mesa. Bianca genuinamente não se importava se fosse ou não. Ela apenas conseguiu sorrir ao fazer aquela pequena interação no mundo, por mais insignificante que parecesse.
Entusiasmada para ver aquilo novamente, repetiu o processo. E então repetiu mais uma vez. E novamente outra. O tempo não parecia passar. Ele nem mesmo parecia existir.
Aquilo, entretanto, não duraria por muito tempo. Como o aumento gradual do canto de uma cigarra, algum som abafado pareceu aumentar cada vez mais, rompendo o véu que bloqueava o mundo de fora e enfim ecoando nos ouvidos de Bianca como uma voz aguda e ligeiramente ofendida:
— Você tá sequer ouvindo o que tô falando? – disse a voz.
Num piscar de olhos, Bianca não estava mais naquela imensidão vazia. Estava onde estivera pouco antes disso, sentada em uma das longas mesas brancas do refeitório da escola. E, assim como antes, três meninas com uniforme escolar estavam sentadas ao seu lado, uma delas, a dona da voz que a despertara de seu transe, tinha os braços cruzados e a encarava com um olhar furioso.
— Então? – questionou a garota, erguendo a sobrancelha. – Do que eu estava falando?
— Hã... – Bianca gaguejou, tentando lembrar do que quer que aquela menina havia dito a ela e falhando miseravelmente. Com um sorriso trêmulo, decidiu mudar sua estratégia e apostar na sorte, que era acompanhada pela frágil esperança de que não seria odiada por errar seu chute. – Meninos?
A menina do outro lado da mesa franziu a testa e logo acenou a cabeça para as outras duas amigas sentadas ao lado, que se levantaram junto com ela. Com o queixo erguido, deu um último olhar para Bianca.
— Não pensei que você era esquisita assim – disse ela antes de caminhar para longe.
Não demorou para que a atenção do resto dos alunos da mesa em que estava e dos alunos da mesa adiante se voltassem a ela. Demorou menos ainda para que começassem a cochichar e rir entre si. Bianca, envergonhada, abaixou o rosto e pegou sua caixinha de suco, saindo do refeitório em direção ao pátio ensolarado e menos lotado.
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Nada-Típicas
Ficção AdolescenteDuas meninas atípicas encontram conforto uma na outra e desenvolvem uma relação nada-típica.