1 - como um camaleão

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1996

  Há coisas sobre mudanças que vão muito além de empacotar umas caixas e ir para uma nova cidade. Mesmo depois de ter passado a vida inteira em um lugar, você sabe que as novidades vão ser difíceis, mas você não sabe de verdade até acontecer. É muito mais do que se acostumar com os novos rostos, a tinta da parede amarelo creme e sem graça, o balanço no quintal ou o aroma diferente do ar. Talvez te contem sobre a solidão. Nos filmes, livros e numa conversa há muito tempo esquecida com um amigo distante do qual você não se lembra nem do sobrenome dele. Como era? Park? Kim? Lee? Um desses sobrenomes super populares que você acaba confundindo com frequência. Você não sabe de verdade, é apenas uma ideia no fundo da sua cabeça a qual você não dá importância. E você pode até pensar que os filmes e os livros estão exagerando, e que é fácil se adaptar, basta querer. Mas há algo sobre a solidão e sobre não se encaixar que é como um nó na garganta que você engole seco e segura a vontade de chorar.

  Claro, há aquelas pessoas que se encaixam em qualquer lugar, se camuflando entre nós como camaleões, e sem que você perceba, ela já é parte de você. Há também outro tipo similar, que é tão extrovertido que com certeza mais de metade da cidade a conhece, até mesmo você a conhece. Como não conheceria? Eles são tão bons nisso que você sente que eles não pertencem a um lugar específico no mundo, mas que o mundo inteiro os pertence. A questão é que você pode fingir ser um deles e pode se dar bem em situações como essas. Uma mudança vai ser um processo difícil, mas você atua tão bem que quase convence a si mesmo que é como eles, que o mundo é seu e que você está se saindo bem, mas existe aquele lembrete mental antes de dormir. Sua mente está exausta e você não tem mais energia sobrando, está sobrecarregado e estressado, até mesmo seu corpo dói. Então você percebe que tudo não passou de uma atuação, e que você não se sente parte desse lugar. Você não é um deles.

  E Beomgyu nunca foi um deles. Não era um garoto extrovertido, tampouco conseguia se infiltrar nas panelinhas e se adaptar como um camaleão. Mas também não podia ser completamente invisível. É o que acontece quando você se muda para uma cidade pequena onde o maior entretenimento são as fofocas de corredores. Sendo filho do diretor do único colégio de ensino médio na cidade, em menos de 48h os burburinhos já preenchiam os corredores da Baekyeon High School, e Beomgyu não fazia ideia de como descobriram que era filho de Choi Wooshik. Talvez o progenitor tivesse comentado formalmente com um professor, mas ao invés de facilitar para o garoto se enturmar entre os colegas, parecia ter criado uma barreira de proteção ao redor dele, e ninguém se atrevia a se aproximar do jovem. Não sabia que tipo de pessoa era seu pai na escola, mas não devia ser uma flor que se cheire. De outra forma, como podia ser um repelente ambulante de gente?

  Bufou, fechando a porta do armário com força. Assustou-se com uma figura parada ao seu lado, causando um susto no garoto também. Ele tinha cabelos escuros, o que descobriu ser um padrão naquela escola. Todos os estudantes tinham cabelos naturais e com cortes perfeitos. Ainda estava surpreso por não ser obrigatório o uso de uniforme além das ocasiões formais, já que até mesmo seu antigo colégio da capital exigia o traje. Seu pai comentou que era obra do grêmio estudantil, conseguiram um baixo assinado há menos de dois anos para a façanha.

  — Choi Beomgyu, certo? — o garoto perguntou, apressado, sem o encarar diretamente nos olhos. Viu só? Repelente humano. Beomgyu também não o encarou diretamente, focando na blusa listrada que ele usava. Assentiu, timidamente. — Olha, o seu pai... Digo, o diretor Choi está te chamando na sala dele. — ergueu os olhos, finalmente. Não podia deixar de notar o sotaque local de Gyeongsang. O garoto a sua frente parecia ser mais velho e tinha bochechas gordas, com feições semelhantes a um coelho. Ele sorriu, para a surpresa do novato. — Me chamo Choi Soobin. Sou monitor, e estou no terceiro ano.

everything sucks | yeongyu - beomjunOnde histórias criam vida. Descubra agora