Maria.

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Esperei um tempo para voltar, não estava pronta para falar com João ainda. Enquanto isso, fui juntando os galhos para ascender uma fogueira, para quando achássemos comida. Ao voltar, João estava esfolando um coelho marrom claro, mas tinha tanto sangue que ele poderia muito bem ser branco. Aproximei-me dele sem encará-lo e joguei os galhos ali. Depois de um momento, ele disse: - Sei que o certo seria voltar Maria, mas, quando ele confiou em mim para cuidar de você, disse que faria e não vou quebrar essa promessa. Vai dar tudo certo.

Teria sido mais tocante se ele não tivesse tentado apertar a minha mão com as dele cobertas de sangue. Contudo, foi um erro ter demonstrado meu nojinho porque ele, calmamente, deixou a carne do coelho ao lado da madeira que usava para se apoiar e olhou na minha direção, inocentemente. Meio segundo depois ele deu um grito de animação e veio para cima de mim. – Não João! Eu tentei fugir, mas ele já tinha me alcançado e sujado todo o meu rosto e meu vestido de sangue. Por mais mórbido que era aquilo, eu não conseguia parar de sorrir e de dar gritinhos quando ele começou a fazer cócegas. – Pare... seu peste...pare! Eu já estava quase sufocando pelas risadas. Ele parou quando finalmente consegui empurrá-lo para longe, nós dois uma bagunça de sangue e risadas.

- Você estragou o vestido, seu bobão. Como vou conseguir lavá-lo aqui?

- Bem feito, quem mandou você ser fresca? Ele estava aliviado por termos deixado o assunto de nossos pais de lado, então também queria fazer o possível para deixá-lo despreocupado. Comecei a tirar o vestido e João fez uma careta antes de virar as costas e voltar para a carne.

- Acho que tem água no tacho lá dentro. Se não der para lavar tudo, vamos ter que fazer o caminho mais longo para o rio, já que não podemos passar pela aldeia. Quando terminar a carne e ascender à fogueira, vamos lá buscar.

-Não acho seguro sairmos ainda. Vou lavar o vestido para não manchar, mas não vou gastar tanta água, pode deixar.

Fui andando e entrei na cabana e percebi que João não olhou para mim com a anágua nem uma vez.

O vestido deu trabalho, mas consegui retirar a maior parte das manchas que João deixou. O cheiro da carne no ar fez meu estômago roncar e me dirigi porta afora, com a capa por cima da roupa fina de baixo. João estava mais confortável agora, comendo o que parecia ser uma perna. Ele segurou o pedaço dele com a boca e pegou um pedaço do graveto onde o coelho estava e estendeu para mim. Comemos em silêncio, ouvindo só os sons da floresta e de nossa própria mastigação. Depois de um tempo, comentei: - Tinha bastante água estocada na cabana, acho que não vamos precisar sair tão cedo.

- O problema não é só a água. Não sabemos por quanto tempo vamos ficar aqui. Temos que arrumar a cabana que está caindo aos pedaços, junto com a mesa e a cama. Não dá para dividirmos ela para sempre. Você vai ter que dormir no chão.

-Haha, até parece! Mas você tem razão, temos que arrumar as coisas. Vamos ver os materiais que temos disponíveis e tentaremos consertar.

-Vou começar pela porta, ela range demais. Vou tentar extrair seiva das árvores para untar as dobradiças. Ele começou a se levantar, quando falei: - Precisamos fazer uma outra cadeira também já que só há uma.

- Claro Maria, mas vamos fazer as coisas mais importantes antes.

- Não fale assim comigo João, você não é a autoridade por aqui, fique sabendo. Eu sei quais são as prioridades e sei que teremos tempo de realizar todas elas. Só estou apontando o fato de que temos só uma cadeira quando somos dois. Ele se forçou a ignorar meu comentário e foi tirar o óleo das árvores.

De volta à cabana, tentei arrumar da melhor maneira possível. Ajeitei os móveis, porém não os troquei de lugar visto que estavam muito frágeis. Achei outras roupas de cama que precisavam de sol para retirar o cheiro de guardado. Varri de forma superficial o chão pois não queria dar a entender que eu era dona de casa enquanto João seria o provedor, já que ambos de nós caçávamos muito bem. Assim, continuei a arrumar até que ele voltasse.

João e Maria.Onde histórias criam vida. Descubra agora