Maria.

893 18 0
                                    

Conforme o tempo passava, a lembrança dos meus pais mortos foi reduzida a um breve desconforto no fundo da minha cabeça. Eu tentei não me deixar consumir pelo luto e pela mágoa, não só por João, mas por mim também. Agora nós dois íamos precisar ser fortes para sobrevivermos e nos defendermos de possíveis ataques. João estava se adaptando a vida nova bem mais rápido do que eu, isso era fato. Ele caçava e montava tantas armadilhas que ás vezes, tínhamos café da manha, almoço e jantar, somente roedores. Nós não falávamos daquele dia. Contudo eu notava, notava quando João achava que estava sozinho, mas eu o observava de longe ele parar o que estava fazendo e começar a contemplar o nada, com os olhos marejados. Isso me parte o coração, mas nunca parecia o momento certo de comentar alguma coisa e então o tempo passou e não falamos sobre isso.

Um dia, em particular, João estava muito alegre e misterioso, não respondia a nenhuma das minhas perguntas, sobre qual o motivo dele estar daquele jeito. Não queria dar o gostinho a ele de parecer que estava curiosa, mas por dentro eu me corroía de interesse. O dia foi passando e sempre que me dirigia a ele, ele virava e me encarava por dois segundos, depois soltava uma risadinha. Até que não aguentei mais todo o suspense e perguntei: - O que há João? O que é tão engraçado? Ele riu novamente, o que me irritava até os nervos e não respondeu. Eu não sabia que estava tão nervosa até gritar com ele: - É muito divertido mesmo tudo isso! Eu tendo que dar um duro danado em tudo o que faço e só poder contar com uma pessoa e essa única pessoa só sabe esconder as coisas de mim e não me conta o que está acontecendo!

Soltei uma bufada de desgosto e ele, todo tranquilo, disse: - Deixe de ser dramática Maria. Não está havendo nada, que coisa. Foi o cúmulo. Decidi ignorá-lo o resto do dia e ele também não venho me pedir desculpas pela tarde. Fingi que aquilo não me magoou. No começo do anoitecer até decidi deitar mais cedo. Quando estava quase adormecendo, João passou a mão em minhas costas dizendo: - Maria, está acordada?

Não respondi. Ele continuou: - Maria me desculpe ter falado daquele jeito com você. Tenho uma surpresa. Para me desculpar. Está lá fora.

Ele sabia que eu estava acordada, então quando me levantei e nem olhei para ele, parecia já esperar por isso. Sai da cabana e ele me guiou para "os fundos". Ao chegar lá, deparei-me com o cenário mais bonito e acolhedor que já tinha visto. Entre o espaço de uma árvore e outra, João tinha construído um banco simples, mas grande o suficiente para nós dois. Tinha ascendido uma fogueira e espalhado flores pelo banco e pelo chão, criando um cantinho muito aconchegante naquele momento. Meus olhos brilharam de encantamento. Ao ver minha reação, sorrindo, falou: - Me desculpe de novo por ter sido grosso com você, mas precisava mantê-la afastada para poder criar essa surpresa. Queria fazer algo especial hoje. Feliz aniversário!

Eu ia brigar com ele, dizer que não precisava ter me deixado mal por isso, mas quando ele disse "feliz aniversário", queria me bater pela minha estupidez. Mas não fiz isso. Na verdade eu comecei a rir, então o riso foi crescendo até uma gargalhada alta sair de mim. Eu estava, simplesmente, muito feliz. João me disse para sentar e testar o banco, vindo sentar ao meu lado em seguida, é claro. O lugar estava perfeito, tudo estava perfeito e eu ria como uma boba. – Hahaha... Não acredito que esqueci. Não acredito como, apesar de tudo, você lembrou! Está tudo perfeito João, eu amei!

- Mas eu ainda nem te dei seu presente.

Os olhos dele estavam brilhando pela luz da fogueira e aquilo me esquentou por dentro de uma maneira que não consigo explicar. Ele estava radiante. Confiante. Lindo. Ele pôs em meu colo uma caixinha. Abri o embrulho e não acreditei no que vi: era o colar de nossa mãe. O em formato de lua, que é maravilhoso.

-João, oh meu Deus! Como você... Ele se ofereceu para por no meu pescoço e quando nos voltamos um para o outro de novo, estava nervosa. Como não me aguentava de alegria, o enchi de abraços e beijos. Beijei suas bochechas e em cada intervalo soltava um "obrigada" meio sufocado, até que por fim dei um selinho nele sem querer e João se afastou. Murmurei um "desculpe", mas logo a alegria se pôs no lugar do constrangimento e conversamos pela noite adentro. Quando dei por mim, já estava muito cansada, que João precisou me por na cama. Pedi que ele se deitasse comigo, como fazíamos antes. Ele hesitou, porém aceitou e dormimos um de frente para o outro. Com o colar no meio de nós.

João e Maria.Onde histórias criam vida. Descubra agora