Vulnerável

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Nos quarenta dias que se sucederam depois daquele dia na orla, Fernanda e Pitel decidiram que era a hora daquele café, e ele se estendeu mais de uma dezena de vezes. Tomavam café nas segundas, terças e quintas. As vezes nos sábados, quando não estava tão corrido na confeitaria. Trocavam mensagens e diversas ligações durante os dias. Frequentavam a casa uma da outra, e vez ou outra, pegavam Marcelo juntas na escola. Essa que ficava em frente ao gabinete de Pitel. Estavam ciente dos horários e rotinas uma da outra. Pitel sabia que Fernanda pegava o menino na escola três vezes na semana, e levava quatro. Os outros dias ficavam a cargo da tia Yasmin, a qual já trocado algumas palavras durante as ligações com Fernanda. Giovanna sentia Fernanda mais relaxada ao seu lado. Não tinha forçado nenhuma situação, mas já tinha externado, entre linhas, que queria algo a mais que amizade, e Fernanda tinha aceitado isso, mesmo que não tivesse transparecido. Mas ainda, tudo se limitava a cafés, ligações e amizade. Pitel estava decidida a entender as nuances da mulher. Tudo nela chamava sua atenção. Fernanda tinha vencido uma vida difícil, e dado a volta por cima. Ainda era contida em algumas situações, mas agora já dividia seus dias com a alagoense. Aos poucos incluía ela nas decisões diárias, como ligações de vídeo para escolher as novas embalagens para o cardápio de dia das mães. A conexão se criava nas entrelinhas. A atmosfera estava sendo transformada, e Fernanda começava a relaxar com a quietude, boiando na perfeita andorinha que era a mulher mais jovem. Pitel era segurança, conforto, e reconhecia isso. Apesar da sua mente lhe sabotar quase que constantemente, estava remando. Na última semana, especialmente, estava passando por alguns momentos dolorosos, no quesito maternidade. Desde quando externou para Marcelo que chegaria uma irmã em meses, algo tinha se transformado naquela relação. Era uma leoa para Marcelo, mas ultimante não conseguia se enxergar assim. Fernanda julgava que o menino tinha construído uma barreira entre ele e ela. Mas não era uma verdade, só não queria enxergar isso. E isso só a machucava. Se sentia uma fracassada toda vez que o menino a rejeitava, para ficar sozinho no tablet, ou não procurava seus abraços na mesma frequência de antes. Estava aos poucos aceitando sua gravidez, mas o que a preocupava, era a relação com o primogênito.

- Celo, presta atenção na mamãe.. - Pediu picando a carne do almoço do menino. Ele negou. -

- Eu faço isso. - Disse pegando a faca da mão dela. Fernanda encarou o filho, que estava alheio a sua confusão. -

- Deixa que eu faço – Tirou a faca da mão dele. - É perigoso a faca.. - Tentou explicar. -

- Eu sei usar. - Pegou novamente. Fernanda respirou fundo. Não era como se Marcelo a tivesse desafiando. Ele só estava externando seu desejo de comer sozinho, da forma dele. -

- Deixa eu cortar, Celo...

- Fernanda. - Se irritou pegando a faca. -

- É mãe, não Fernanda. - Disse seria. O menino pegou o tablet. Fernanda se irritou. - É hora de almoçar..

- Mas eu quero cortar a carne – Disse irritado. Jogou o tablet longe. Fernanda quis gritar. Estavam nesse impasse a semana toda. Situações como essa foram comum ao longo dos últimos dias. Fernanda se sentia exausta, e definitivamente não sabia lidar. -

- A partir de agora você tá proibido de usar essa porcaria. - Disse com a mandíbula travada. Queria gritar. Sua cabeça latejava, sua lombar doía, e seu coração nem se fala. Não sabia definir seus sentimentos. -

- Eu odeio isso. - Gritou. Fernanda estremeceu. Ele parecia tão decidido dos seus sentimentos. - Eu odeio você. - Disse baixo antes de sair da sala. Fernanda mordeu os lábios incrivelmente magoada. Tentou respirar fundo, mas o choque das palavras a atingiram, tomando consciência. Antes mesmo que conseguisse pensar, já estava chorando. Se debruçou sobre a mesa tentando se acalmar. Sua semana tinha sido péssima em níveis imensuráveis. Se sentia uma inútil para o filho, e não conseguia reverter a situação. Marcelo parecia querer fazer ainda mais coisas sozinho, e Fernanda não entendia entender o porquê. Tinha chegado até culpar sua gravidez, e foi veemente repreendida por Pitel. Ah Pitel, a mulher tinha sido o melhor ombro amigo dos últimos dias. Se preocupava genuinamente com ela e Marcelo. Tinha passado muito tempo com ele, e dado certo. Marcelo parecia se conectar com todo mundo, menos com Fernanda. E isso a machucava profundamente, não conseguia tirar a lente de aumento e ver onde poderia estar o enorme parêntese da questão. Mais calma, foi em direção a sala. O menino pintava sobre o sofá. Fernanda quis morrer quando viu o sofá riscado de canetinha, mas negou o sentimento de fúria, se aproximando do menino. Não era hora para isso. Sentou na sua frente, no chão e tocou nos seus joelhos.

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