Ruptura.

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Chuva. A palavra que não sai da boca das pessoas, principalmente nessa época do ano. O incontável gotejo cai dos céus quase que vinte e quatro horas por dia. Forte, fraco, seja como for, ele cai. Santa Corália é uma cidade litorânea, situada em um arquipélago, e ter água caindo sobre a cabeça não agrada muito os moradores, que enxergam isso como um grande inconveniente. Atrapalha os negócios, diminui os turistas e torna impossível sair sem um guarda-chuva; e talvez o maior inconveniente: férias escolares. Os pais são obrigados a se preocuparem com mais uma coisa no dia-a-dia além do emprego e responsabilidades domésticas. Principalmente, Dona Vanessa e Dona Susana. Mães de dois cabeçudos magricelas que fazem uma zona pela cidade, que por não ser tão extensa, não deixam nenhum morador escapar da gritaria e bagunça diária.
Junto a eles, um cachorro de rua ajudava nas algazarras em troca de carinho e um pouco de comida que cada um levava para seus encontros. Para um cãozinho velho e sem uma das patas, ele era mais ativo do que aparentava. Ele não tinha um nome, e os mais velhos da cidade diziam que ele só apareceu por lá, e ninguém quis adotá-lo. Então os garotos passaram a chamá-lo de Biricuticu.
Depois de uma tarde toda correndo na chuva e pulando nas poças, Theodore, um dos pequenos, acabou por pegar um resfriado. Ele era sempre o que adoecia primeiro. No dia seguinte, seu amigo João Pedro foi até sua porta, mas quem atendeu foi dona Susana, uma mãe preocupada e um tanto quanto irritada, dizendo que Theodore não saíria mais até que melhorasse.
Um pouco decepcionado, João se despediu e saiu de lá, enquanto um olhar marejado o fitava do segundo andar, conforme se distanciava da residência.

— Arriba, Biricu! — Exclamou, enquanto esfregava o rosto com o antebraço.

O cão assentiu com um latido, abandonando sua cauda. Por onde passavam as pessoas cumprimentavam e perguntavam por que não estava gritando e correndo. João disfarçava com um sorriso, e logo mostrava o dedo do meio. E assim a gritaria começava.
O garoto permaneceu caminhando pela beira da praia com suas galochas, recolhendo conchas e pequenos mariscos.
Estava uma garoa tranquila e aconchegante, mas a maré parecia subir rapidamente.
O tempo começou a virar, e a chuva que antes divertia, agora amedrontava. João Pedro e Biricutico já haviam andado quase que de uma ponta da praia a outra, e o caminho de volta para casa era longo, mesmo a cidade não sendo tão extensa. E a maré subia a cada instante. O céu antes calmo e azul, já não parecia mais tão acolhedor. Era possível ver os clarões incandescentes que ainda se armazenavam nas nuvens escuras e carregadas, que pouco a pouco geravam estrondos ao caírem sobre mar. Era tarde demais para voltar. Biricuticu latiu para alguns dos trovões, mas até mesmo sua valentia foi subjugada pela tempestade. O cãozinho foi o primeiro a correr para o único local aparentemente seguro: um antigo parque de diversões que estava desligado bem antes dos dois terem nascido. O projeto não contava com as chuvas constantes, que acabou enferrujando os brinquedos cedo demais, se tornando perigoso para o uso. Este que também se tornou o motivo para ser um lugar proibido de entrar, visto que após dezenas de anos parado ao relento, pegar uma doença ou se machucar era quase certeza.
João não tinha escolha. Era desobedecer sua mãe e entrar, ou arriscar ser atingido por um raio enquanto corria pela praia.
O ambiente era úmido e escuro. Restos do que um dia trouxe alegria às pessoas se amontoavam, enquanto pequenos animais pareciam correr e se esconder ao perceber a presença dos intrusos. Tudo parecia ranger. O pequeno cabeçudo não sabia se era coisa da sua cabeça ou se realmente aquele lugar parecia conversar com ele.
No centro da cidade, os moradores corriam com o medo de ser um ciclone. Os quiosques mais frágeis na beira da praia, aos poucos eram derrubados pela forte ventania. A igreja local tomou iniciativa por parte do Reverendo Lucas, este senhor que preocupado com a integridade das pessoas, convidou-as para o edifício, já que tinha um reforço maior.
Theodore e Dona Susana partiram para lá, mas já havia se tornado difícil até mesmo de caminhar pelas ruas. Parecia o fim do mundo. E para muitos, realmente era. Na igreja, os que não estavam encolhidos em cantos tremendo de medo, estavam aos prantos pela destruição de seus patrimônios. Assim que chegaram, foram abordados por Dona Vanessa, que questionou:

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